5
“À Luz
da Razão”
por Fran Muniz
Pap. Venus – Henrique Velho & C. – Rua Larga, 13 -
Rio
1924
ESPÍRITO SANTO
Catolicamente
considerado, o Espírito Santo é o Deus n.º 3, ou um terço do Deus n.º 1. se
prevalecer o mistério das três pessoas distintas numa só verdadeira.
Não
comentemos se os deuses enquanto tripartidos, serão falsos ou enganosos, apenas
lamentamos a ingenuidade dos sucessores
de Pedro em considerarem Deus pessoa, quando eles mesmos ensinam que Deus é
espirito. Será que o espírito seja pessoa, ou Deus tenha a forma ou seja
realmente humano? Isto seria uma descoberta digna de uma coroa de louros a cada
um dos gênios inventivos do catolicismo.
É
que eles só concebem a inteligência atuando em corpos humanos e, portanto, os
deuses sendo inteligências, são a seu ver indubitavelmente pessoas. Assim, há
pessoa pai, pessoa filho, pessoa espirito em forma de pomba, pessoa soprada
sobre os Apóstolos, pelo Cristo pessoa.
Como
se vê, o Deus da Religião de Roma é composto de um verdadeiro pessoal caótico.
Mas, não é tudo: Se há entre os três
deuses um que é espirito santo, pergunta-se: Que qualidade de espírito será os
dos outros dois, mormente o do que é Espirito e Verdade?
O
problema não é fácil de resolver porque se os demais são igualmente espíritos
santos, devem ser também iguais em tudo: no pensamento, no poder, na vontade,
na inteligência, ele. Ora, qualquer sacristão neófito veria nisso uma
superfluidade de deuses para misteres que podem perfeitamente ser desempenhados
por um só.
Se
há, porém, algum Deus que seja espírito
santíssimo, forçosamente é superior aos demais, logo (a lógica é teimosa!)
aos dois restantes, falece competência para serem deuses, visto que só
consideramos Deus o ser que não tem superiores.
Não
obstante, porém, tal raciocínio, opõe-se a igreja formalmente ao cálculo da matemática
e assegura, com assombro dos conscientes, que 1 + 1 + 1 é igual a 1, assim como
1 +3 é também igual a 1. Ora, se todos os fiéis católicos usassem essa aritmética
do autor “Mistério”, os prepostos de Cristo ver-se-iam
seriamente prejudicados, porque em cada grupo de três missas para salvação de três
almas, ou de três batismos para remissão de três pecados originais, teriam de
embolsar, somente, a remuneração equivalente a uma só caridade, visto que, na sua tabuada, 3=1.
Se,
de outra feita, os padres de três igrejas de “Bons Jesus”, por exemplo (e não sabemos se os há maus) recebessem
por pagamento de alguma promessa um menino
Jesus grande, de ouro, para dividir entre elas, como se conciliariam com a
tal aritmética, sabendo-se que um dividido por três dá um para quociente?
Deixemos
aos fiéis a liberdade de provarem o impossível, sem recorrer ao mistério, e,
por nossa parte, adiantaremos que isso acarretaria a bancarrota prematura ao Catolicismo:
mas seus interessados sabem perfeitamente aplicar a sua teoria de acordo com as
oportunidades.
E,
enquanto resolvem o problema, tratemos de travar conhecimento com o Espírito
Santo, um dos deuses, que tantas voltas tem dado ao miolo dos supersticiosos.
Convém
prevenir aos ingênuos que nos Evangelhos escritos em grego, é encontrada a palavra
“espírito” sempre isolada. O bispo S. Jerônimo, parece, foi quem lhe acrescentou
o qualificativo “santo”. Desse modo todas as traduções evangélicas se referem a
“espírito santo”. Ora, isto é já um ponto que põe em dúvida o dogma apresentado
como provérbio.
Vejamos
agora, de que modo a igreja descobriu essa unidade ou fração de Deus no
Espirito Santo:
Ao
ser batizado o Nazareno pelo filho de Isabel foi visto um espírito (ou seja o
espírito santo) em forma de pomba que, baixando sobre eles, pronunciou: “- Este
é meu o filho amado em quem tenho posto toda a minha complacência.”
Foi
o bastante para que a igreja tomasse o recado no sopé da escada e fizesse dele
uma realidade, transmitindo-o às massas para provar que o Espirito Santo é
Deus.
Contudo,
quem raciocinar com prudência, verá que sendo Deus imutável e imaterial, não é
admissível que se tivesse modificado, tornando-se matéria para ser visto em forma
de pomba.
Naquela
época, essa crença foi aceita, porque a ciência era desconhecida por completo:
hoje, porém, que ele aí está nos convidando ao progresso pelo estudo, sabemos
que o que desceu sobre o Nazareno foi um espírito luminoso, enviado pelo
Criador e que, por um fenômeno muito
comum, embora, infelizmente ignorado pelos inimigos do estudo, pronunciou
aquela recomendação.
A
esse espírito deram uma forma (outro fenômeno também desconhecido pelos
católicos) para que calasse fundo nas inteligências rudes de então, a ideia
nítida de alguma coisa presente, sem o que, o espírito invisível, como só ser o
seu estado real às nossas vistas, não
seria apreciável aos sentidos dos leigos e, portanto, nada sendo visto, daria
em resultado, um motivo de dúvidas ou controvérsias.
A
forma da pomba foi a preferida pelo espírito, porque os antigos consideravam essa
ave o símbolo da pureza, da mesma forma que vários animais simbolizavam outras
virtudes ou vícios, como não desconhece que já leu a Mitologia.
A
presença do espírito teve lugar quando Jesus orava, para demonstrar que a prece
feita de coração atrai a influência de Deus sobre seus filhos limpos de
coração, por intermédio dos espíritos protetores.
Mais
corroborou a errônea interpretação dos doutores católicos, o fato de Jesus ter
aparecido em espírito aos seus discípulos, alguns dias depois de sua ascensão e
ter dito, soprando sobre eles:
“Recebei
o espírito” (ou espírito santo, se quiserem). Então, supuseram, ser esse o
Espírito de Verdade prometido pelo Mestre, para explicar as coisas que não
podiam ser compreendidas então.
Ora,
elucidemos: Cristo alguns dias antes de sua morte aparente, prometera mandar, mais tarde o Espírito de Verdade para ensinar as coisas que, naquele tempo a
humanidade não podia compreender. Será, porventura, crível que alguns dias
depois, o povo tivesse progredido intelectualmente de forma a receber aqueles
ensinamentos? Não decerto, porque ainda hoje, depois de decorridos dois mil
anos, a humanidade está tão cega e atrasada, que chega a confundir espíritos
criados com o próprio Deus criador.
Estas
palavras “Recebei o espírito” seguidas do sopro do Mestre sobre os seus
apóstolos significam a sua própria influência comunicada a eles, visto se
acharem já preparados e aptos a receber a inspiração dos espíritos que haviam
de assistir e cooperar ocultamente na sua missão. O seu sopro divino foi,
apenas, um sinal visível pelo qual os apóstolos pudessem compreender alguma
coisa real do que acabavam de receber.
Os
tradutores dessa época, não alcançando, porém, esse sentido exato, entenderam
que os apóstolos receberam Deus. Isso, afinal não admira, porque ainda hoje,
qualquer católico recebe Deus a todo o momento. É questão de pedir ao padre uma
hóstia e saber degluti-la.
Mas deixemos essa extravagância e
perguntemos ainda:
Qual
a necessidade de criar um Deus para desempenhar uma incumbência tão restrita
como a que é atribuída ao Espírito Santo?
Sabemos
que o Deus nº 1 criou o Céu, a Terra e tudo quanto existe, o que é realmente
peculiar a um Deus; o Cristo, Deus nº 2, foi criado com atribuições limitadas,
devido a diminuição de poderes que lhe foram outorgados, todavia prestou
relevantes serviços à humanidade. Ensinou todos os deveres inerentes à vida,
sofreu os ultrajes dos sacerdotes e seus asseclas: exemplificou os ensinos da
lei; deu plenos poderes à igreja e, até hoje, ainda engorda os padres com o
alimento de seu corpo e do seu sangue.
Posto que tal missão não deva ser
desempenhada pelo próprio Deus, toleremo-la para sermos agradáveis à igreja
romana. Com respeito, porém, ao Espírito Santo, que missão extraordinária
desempenha para que se fizesse dele um terceiro Deus?
Será
para assistir aos concílios e inspirar os santos padres na organização dos seus
dogmas? Mas, isso seria supérfluo visto o Deus nº 2- 0 Cristo - já haver dado
plena autoridade aos seus ministros para
resolverem as coisas humanas. Ora, tão importante missão só deve ser confiada a
propagandistas esclarecidos, retos e competentes que não necessitem de
conselhos ou ensinamentos alheios. Assim a assistência do Espirito Santo-Deus,
ou é nula ou exprime uma fiscalização aos atos dos secretários divinos e, nesse caso, essa vigilância patenteia falta
de confiança no Cristo que deu toda a sua autoridade a tais missionários.
Decorre
daí que os deuses personificados dos apostólicos romanos vivem, ao que parece, desconfiados
uns dos outros.
Se,
ainda, os intuitos do Espírito Santo consistem em divinizar os homens
merecedores de tal proteção isso poderia ser efetivado pelo Deus verdadeiro nº
1 que tem em si todos os predicados. Demais, se o Espírito Santo foi enviado, é
logico, que é inferior ao Deus que o enviou, por consequência e
se quisermos levar isso a sério, não podemos compreender um Deus que não seja
absoluto em tudo, o que não vemos nesse 3º
Deus que obedece a um segundo - Cristo - que, por sua vez, se submete ao
1º consoante ele mesmo confessou.
Se
a persuasão desse trio católico teve origem em cérebros fracos e acanhados dos
tempos medievais, não é razoável que ele persevere no erro quando já a luz
irradia por toda a parte e só não a vêm os que desprezam a consciência pelo
orgulho ou pelo interesse.
Assim,
lembramos aos que abominam a mentira e desejam a elevação intelectual, que Deus
é um só, Único; não tem sócios nem substitutos embora contra a vontade do papa,
de seus auxiliares e de quem quer que seja.
Deixemos
essa trindade misteriosa flamular no topo da religião católica, até que o
vendaval da inteligência, um dia, em plena liberdade, a leve de roldão a sepulta-la
para sempre no abismo da ignorância. Até lá, porém, permita se nos a satisfação
de explicar aos bem intencionados, o que se deve entender por Espirito Santo.
O
Espírito Santo não deve ser considerado Deus, nem mesmo um espírito especial. É
um nome figurado que representa a totalidade dos espíritos puros, bons, superiores,
falange luminosa, sagrada, que por ordem hierárquica de elevação moral e intelectual,
recebe de Deus as inspirações e vontades para transmiti-las aos seres na ordem física,
moral e intelectual segundo as leis gerais, imutáveis e eternas para a organização
da Vida, Harmonia e Progresso universais.
Essas
vontades e inspirações são executáveis ainda que desapercebidas por nós, na
Imensidade, nos mundos materiais e fluídicos de todos os universos; por todos
os espíritos, quer errantes, quer fluídica ou materialmente incorporados e por
todos os seres, em todos os reinos da natureza.
Desse
modo, a falange sagrada faz cumprir e cumpre por sua vez em todos os planetas
superiores e inferiores da Imensidade, a justiça, a bondade e a misericórdia
infinitas de Deus Pai de Todos e de Tudo que É.
Assim
quando encontramos no Evangelho ensinamentos referindo-se ao fato de “estar
cheio do Espirito Santo”, “ser impelido”, ou “agir por um movimento do Espírito
Santo”, devemos compreender que isso quer dizer: “Estar assistido, inspirado, guiado
pelos espíritos do Senhor, que a criatura humana atrai a si, conforme o grau da
sua elevação e a importância da missão ou da obra que tem a executar.”
Aliás.
a própria igreja católica nos fala dos “anjos de guarda” que é uma expressão
bem equivalente à do Espírito Santo.
Eis,
pois, o que devemos entender por Espirito Santo. Supô-lo o próprio Deus, ou uma
fração dele, é demonstrar fraqueza de consciência e intencional desprezo pela
instrução, qualidades estas que devem ser banidas pelos estudiosos, para não se
tornarem escravos do orgulho que é o maior inimigo do progresso espiritual.
Nenhum comentário:
Postar um comentário