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A
necessidade de admitir essa paralela ação universal e colaboração individual se
impõe com tanto maior evidência quanto se não pode, sem a primeira, explicar a
infinita variedade das espécies e das formas em que se desdobra a escala dos
seres vivos, em todos os reinos de que se compõe a natureza.
Donde
vieram e como surgiram no plano das manifestações objetivas essas inumeráveis,
variadíssimas formas, que nenhuma inteligência, nem a mais culta, seria
capaz de abranger em seu conjunto? Dizer que procedem umas das outras por
transformismo e por seleção, é simplesmente indicar, como o fizemos, adotando
esse conceito a marcha evolutiva, sem remontar, porém, - e é o que nós acabamos
de propor - à causa, oculta que determina essas transformações.
O
problema se resolve, todavia, sem dificuldade, se considerarmos que, na íntima conexão
e precedência em que se acha o plano das causas, relativamente ao dos efeitos,
tudo o que existe no universo manifestado começou por ser uma criação mental.
Do mesmo modo que o artista, antes de plasmar no mármore ou na argila as suas
produções, primeiro as concebe, as idealiza na mente, como uma realidade subjetiva,
para em seguida as traduzir nas linhas estruturais da realidade externa, assim na
divina Mente criadora todas as formas concretas, todos os seres que vieram a ter
em nosso plano terrestre uma existência objetiva, começaram por existir ali como ideação,
ou representação mental. Não é sabido, e já ao demais, - e já num dos primeiros
capítulos o procuramos demonstrar - que todo organismo material possui um duplo
etéreo, fluídico, ou astral, como se queira, indiferentemente, denominar, que
constitui, por assim dizer, o seu substrato, modelo invisível em que, por
interpenetração, se adaptam as moléculas, constituindo assim a sua expressão
visível?
Quando,
pois, a Onipotência criadora imprimiu no oceano fluídico infinito o primeiro
impulso de deslocação para a formação da nebulosa de que havia de resultar, entre
outros, a criação do nosso mundo, foi esse movimento precedido do lineamento,
em conjunto e nos mínimos detalhes, de todas as formas, primeiro mentais e, em
seguida, etéreas ou astrais que, na sucessão das épocas posteriores e segundo
as leis eternamente postas às criações materiais, haviam de gradual e sucessivamente revestir os seres destinados a
neste mundo ter, com a existência, o seu campo de evolução e de aprendizado. À
medida que as condições físico-químicas, desde a condensação da
esfera à seriação dos reinos e à multiplicação das espécies, se foram tornando
favoráveis e a vida foi desdobrando o seu imensurável e grandioso ritmo, os princípios espirituais
foram, das mais simples às mais complexas, animando as suas formas, no curso de
cada peregrinação terrestre registrando as experiências e desenvolvendo as
aptidões que lhes permitia o menor ou maior aperfeiçoamento do veículo, para
voltar na seguinte a obter um acréscimo de experiência e de capacidade, e assim
indefinidamente, até ao ápice da escala.
Onde
se registravam, sem se interromper nem anular, essas aquisições, antes se acumulando
como um silencioso patrimônio, destinado a constituir para o ser o fruto de sua
própria evolução? - No perispírito, dizem certos expositores da doutrina, que dele
pretendem fazer não somente a sede e o motor de todos os dinamismos vitais, mas
o arquivo indelével da memória, sem a qual não há associação de ideias, nem
aprendizado eficaz e duradouro, nem conhecimento pela comparação das coisas, nem
integridade do eu, numa palavra. Por nossa parte preferimos colocar mais longe
e mais profundamente o registro de todas as aquisições do ser desde o começo de
sua evolução, isto é, no próprio espírito, por menos que em sua essência íntima,
sem limitação nem forma, - ao menos para nós - o possamos apreender e definir.
E o preferimos, não só porque a memória, segundo tivemos ocasião de
observar no capítulo III, é um fenômeno de consciência
e de atenção, peculiares ao espirito, podendo embora transitoriamente imprimir
seus movimentos a um veículo mais ou menos substancial, como porque, a ser
confiado a sua permanência ao perispírito, devendo este ser, como toda matéria,
mesmo a mais quintessenciada, sujeito a dissociação, correria o risco de se
dissipar, com ela, a memória, se dissipando, ipso facto, as aquisições do espírito.
O
que, com efeito, as observações de Gustave Le Bom tiveram de mais sensacional,
revolucionando as ideias adotadas, como postulados, na física, foi precisamente
a demonstração que ele denominou "a desmaterialização
da matéria" em consequência da radioatividade, não de um ou de alguns dos corpos, mas sim de todos os corpos, como
um fenômeno universal. Por muito, muitíssimo lenta que seja a dissociação dos a
átomos, nos estados mais rarefeitos da substância, o que resulta evidente é que
ela se efetua. Assim, eterizando-se, a matéria se transforma em energia, e a
energia por seu turno até que ponto se espiritualizará, e que restará, em tal caso, de
sua constituição atômica?
Ora,
só o espírito, unidade simples e fundamental em que tudo se resolve, é por isso mesmo indivisível,
indecomponível. O períspirito, segundo o
justo conceito geralmente admitido, é formado de matéria, decerto quintessenciada,
mas em todo caso matéria, sujeita, portanto, à dissociação atômica. E basta
considerarmos que, no começo da evolução do princípio espiritual, o períspirito
de que era este munido devia revestir suficientes condições de relativa
densidade para se poder associar aos estados mais grosseiros da matéria e que,
subindo na escala, devia se ir paralelamente espiritualizando, de um lado para
estar em harmonia com as formas mais aperfeiçoadas dos seres, no que entende
sobretudo com a vibratibilidade do sistema nervoso, e do outro para se tornar o
veículo conveniente às novas
e cada vez mais desenvolvidas faculdades do espírito,
basta considerarmos que essa espiritualização do envoltório perispiritual, no
transcurso daqueles milhões ou dezenas de milhões de anos consumidos pelo princípio espiritual
nos primórdios de sua evolução, só se poderia efetuar mediante a desassimilação
das moléculas, dos átomos constitutivos de sua trama intima, para
compreendermos que, subvertida a estabilidade do perispírito, ficaria necessária
e fatalmente eliminada a memória, se nele tivesse a sua sede.
Admitindo,
ao contrário, que no próprio ser espiritual é que se fixam as aquisições, as experiências,
os conhecimentos e com eles a memória subjetiva,
associada embora objetiva e transitoriamente no veículo perispiritual,
melhor se compreende a incessante continuidade
da evolução para o princípio espiritual ao começo, espírito mais tarde, com a
possibilidade então de utilizar, numa escala sempre e cada vez mais ampla, o
fruto do seu tantas vezes milionário aprendizado.
Isto
posto, retomemos o fio da nossa exposição relativa à trajetória ascensional
pelo princípio inteligente percorrida até alcançar as fronteiras que separam da
nossa espécie o último elo da animalidade.
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