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“À Luz
da Razão”
por Fran Muniz
Pap. Venus – Henrique Velho & C. – Rua Larga, 13 -
Rio
1924
O PADRE
Segundo
afirmativa do Catolicismo a sua “Ordem” dá ministros à igreja, a quem Deus
conferiu os poderes de converter a hóstia no corpo de Cristo e perdoar os pecados, quando lhes
aprouver.
Isto
foi exarado na escritura católica e propalado na época medieval, cujas inteligências
aceitavam o disparate dos homens escolherem entre si os que deviam receber de
Deus a autoridade e o poder dos seus atributos.
Estribada
nesta presunção, a seita romana, vem atravessando os séculos, sem que ninguém
procure esmerilhar a razão de serem concedidas a seus ministros as prerrogativas
divinas. E, quando se pede a um católico uma explicação sensata desse e de outros
erros, não raro é ouvi-lo dizer, entre a espada e a parede: - Ora, quando eu
nasci, foi essa a religião que encontrei...
Com
isso, fica o argumento encerrado e a igreja continua a se manter cercada de um
tal ambiente retrógrado, sem fé, sem raciocínio e sem convicção.
Esse
desapego à investigação, deu causa a que o sacerdote fosse considerado um ente
com o privilégio da parcialidade celeste. Daí, a confiança ilimitada que lhe
dedicam os que vão até ao desvario de levar ao conhecimento do seu vigário,
todos os atos praticados ou a praticar, desde os mais comezinhos
aos de maior importância, inclusive os de natureza íntima.
Por
esse meio, o sacerdote penetra na vida privada da maioria dos seus fiéis,
constituindo-se consultor e conselheiro indispensável de muitos lares, dos quais
se torna frequentador assíduo, provocando, às vezes, a propagação, em surdina,
de atos duvidosos e desagradáveis à sociedade.
Elevado,
assim, ao píncaro da consideração, supõe-se senhor da confiança alheia, assume
ares de autoridade absoluta e dessa atitude, não há raciocínio, nem evidência
que o destrone.
No
entanto, o que é o padre? Será um ser impoluto , um santo secretário do Criador,
revestido dos plenos poderes divinos para enviar ao seio do Onipotente os
escolhidos pela sua igreja?
Será
um ente sobrenatural, ante o qual a credulidade fanática se deva prostrar, pelo
pavor das penas infernais?
Porventura,
se poderá crer, ainda hoje, que o padre pode condenar ou absolver alguém? Não
vêem que condenar é negar Deus e absolver é substituí-lo?
Não.
Já é tempo de ventilar o cheiro de incenso que narcotiza o cérebro; desatar o
trapo de batina que asfixia a razão; e ofuscar o brilho fictício dos templos suntuosos,
que obscurece as retinas. As crenças incoerentes só são admitidas pelos que
permanecem ainda na mediocridade intelectual, aceitando cegamente o dogmatismo
insensato imposto em perfeita contradição com o cristianismo.
Essa
metamorfose tem de se realizar, fatalmente, embora não se possa ainda
precisar-lhe, a época; contudo não está longe o advento intelectual que
revelará o padre em toda a sua irrisória jactância de representante de Cristo.
Vestindo
a batina, para se distinguir do povo, o padre, desse modo, age em frisante
contraste com o Cristo que nunca se distinguiu pela roupa, porque vestia igual
a toda a gente da sua época.
Na
pretensão de se comparar ao Divino Mestre, usa, igualmente, coroa, mas simbólica, apenas,
representada pela tonsura circular na cabeça, porque a de espinhos lhe magoaria
a epiderme, e isso de sacrifício de verdade é só com o Cristo...
Conserva-se
também celibatário para, no entanto, constituir família clandestina, e nesse
estado, livre de encargos e responsabilidade, atravessa uma existência inativa,
infrutífera e inútil, esquecendo-se de que um dia prestará contas de como
empregou a sua vida na terra.
Cercado
de beatos e aduladores, é impelido aos páramos do orgulho e da vaidade, onde
se sente perfeitamente aclimatado. Sua principal preocupação é incutir no cérebro
frágil das crianças o terror de Deus, a quem eles só conhecem na qualidade de
vingador acérrimo e intransigente, que manda arremessar às labaredas do inferno os que não vão à igreja, não fazem comunhão e
não estudam o catecismo.
Desse
modo, as crianças crescem, tornam-se adultos e a família se constitui dominada
por essa crença absurda; a veneração pelo padre vai a ponto de, mesmo quando
moças ou senhoras não sentirem a inconveniência que há em depor beijos nas mãos
de um homem estranho.
Tira
o padre o seu meio de vida dos batizados, casamentos e missas fúnebres. Dado o
seu interesse mercantil, não é fora de lógica que se o veja esfregar as mãos de
contente, quando aumentam tais recursos seja como for, até mesmo com a morte do
nosso próximo.
Posto
que estes sacramentos sejam inúteis e contraproducentes, o sacerdote faz deles
um comércio; prometendo transportar as almas ao Céu, por preço reduzido, além
das verônicas, bentinhos, gravuras de santos e outras quinquilharias que
mercadeja a preços de liquidação.
Todavia, é justo confessar que o padre faz também alguma coisa, grátis, por exemplo:
Amaldiçoa todos quantos propalam a verdade; excomunga quem não lhe dá
interesse; manda para o inferno os que não são católicos, mormente, os espíritas.
Ora,
bem sabemos que uma crença enraizada é bastante difícil de se modificar, porém
o bom senso nos manda encarar a fé com a razão para discernirmos o bom do mau e
a verdade da mentira.
Feito
isso, facílimo será chegar-se à conclusão de que os católicos adotem um credo
sem se darem ao trabalho de investigá-lo e, assim, física e moralmente, vivem
agrilhoados à indolência, uns pelo orgulho, outros pelo interesse, e a maioria
por praxe recreativa, sentindo-se lisonjeados com as exortações dos
interessados em manter a cegueira e o atraso humanos.
Apertados,
assim, num círculo estreito, acham-se incapazes de compreender outra coisa que
não sejam as futilidades dogmáticas extraídas do Evangelho, segundo a letra,
pelos que não têm capacidade de fazê-lo segundo o espírito.
Deste
modo, se tornam inimigos gratuitos da Luz, da Verdade e da Ciência que os
envolvem, convidando-os ao exame e incitando-os ao progresso.
Mas,
felizmente, não será sempre assim, porque, pouco a pouco, se irão destacando
inteligências mais ou menos desenvolvidas, que compreenderão o presente e o
futuro menos materiais e se convencerão de que Deus não pode nem deve ser
adorado como ensina a igreja papal.
Aconselhamos,
por isso, aos iludidos a se orientarem nos fatos e provas recolhidas pela história,
ante os quais, se surpreenderão horrorizados. Há de lhes assaltar o espírito as
barbáries praticadas pelos salvadores de
almas que se dizem cristãos ao
serviço de Deus, d'Ele usurpando a infalibilidade para, com isso,
provocarem a rebelião e a carnificina. Ficarão sabendo que esta religião se impôs com um
fuzil na destra e um catecismo na sinistra, sob a condição do -crê ou morre-;
como, religiosamente, desapossavam pais de família dos seus bens terrestres, com
promessas ou ameaças do Céu; como empregavam o nome de Deus no massacre e extermínio
de irmãos; como fizeram da religião um arranjo, deturpando o Evangelho, com
Deus nos lábios e o interesse no coração; e muitos outros delitos que se não
podem enumerar aqui.
Quem
não conhecerá, ao menos, a história das guerras religiosas?
Nos
”autos de fé espanhóis", por exemplo, quem, senão os sacerdotes do catolicismo,
impeliu os homens a se matarem uns aos outros, persuadidos de que suas mãos
assassinas eram consagradas a Deus?
Quais
foram os instigadores na matança de “S. Bartolomeu”? Não foram os ministros servos do Senhor?
O
móvel de tais carnificinas foi, ao menos por ignorância, fanatismo, ou desejo
de se elevarem perante Deus? Não, mas, tão somente, a ambição do poder para
dominarem o mundo.
Façamos
ponto. Falta-nos espaço para reproduzir aqui, os episódios tétricos dos tempos
das cruzadas em que os representantes da igreja saciaram a sua ardente sede de
sangue.
Mas,
sendo a leitura sempre fastidiosa a quem julga que a ilustração não vale a
perda de algumas horas, lembramos atentar no que se passa presentemente, mesmo à
nossa vista.
Que
observamos nos dédalos da religiosidade apostólica?
Vemos
os caridosos ministros de Deus embolsarem
o dinheiro, muitas vezes esmolado de porta em porta e umedecido pelas lágrimas
das viúvas e dos órfãos; vêmo-los que atacam a reputação individual ou de uma
doutrina dentro do seu próprio templo, aplaudidos pelos carolas e beatos da sacristia; apoderaram-se do Céu para presenteá-lo aos seus filiados que lhes
dão pingues proveitos e, até apesar da alardeada castidade, serem encontrados
em certos lares a que levam o adultério, onde alguns tem sido assassinados em
flagrante.
Diante
destas provas analisadas e inconfundíveis, os que aceitarem a utilidade dos
padres, não poderão fugir à evidência de que vivem iludidos, a menos que queiram
laborar de má fé, fechando os olhos, para não ver.
Contudo,
permitam-nos algumas perguntas inocentes, mas necessárias:
Se,
catequizados pelos pastores católicos
e absortos na beatitude e na intransigência dos dogmas, todos os homens se
tomassem padres; não é verdade que esse estado celibatário geral provocaria a
extinção da espécie humana?
A
Terra ficando habitada somente pelos irracionais, continuadores, só eles, da
Lei da procriação, não seria a prova de que seriam mais racionais do que nós?
Objetar-se-á,
e com razão, que a “Ordem eclesiástica” se oporia a tal resolução, visto que,
dada essa praticabilidade, seria absurdo o demasiado numero de ministros de
Deus.
Mas
respondemos: A “Ordem” poderia evitar de recebê-los, mas não evitaria que eles
imitassem o procedimento dos padres e, nesse caso, o que seria das Artes, das Ciências
e, enfim, de todas as profissões cujo trabalho constitui o Progresso? Até a
Natureza, trabalhadora incansável de todos os instantes, seria preciso mandar:
para!
Dir-se-á,
ainda, que todos se afeiçoariam a esse novo estado de coisas, visto que, então,
não necessitaríamos do progresso, segundo a própria igreja o afirma.
Bom
de dizer-se será: mas antes que tivéssemos tempo de nos afeiçoar ao novo estado,
a morte nos ganharia a todos.
Semelhante
ideia, felizmente, é abstrata e impraticável, porque a melhor parte da
humanidade acode célere aos silvos das máquinas, ao fumo dos transatlânticos, à
fertilidade dos campos e ao apelo das ciências, enquanto que o clero romano,
prefere imitar a catalepsia do irmão de Marta, da Betânia, e, assim, permanecer
sentado no “marco da estrada”, até que um novo Cristo lhe venha grifar aos
ouvidos!
“Lázaro,
levanta-te e caminha!”
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