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quarta-feira, 5 de setembro de 2012

55c. "Doutrina e Prática do Espiritismo"




55c



            Na exaltação de meu espirito, saltava de alegria e logo a minha forma e o meu vestuário me chamavam a atenção.

            De repente notei que podia ver uma tênue costura nas costas do vestuário.

            - E como posso ver as minhas costas? refleti eu...

            De novo o verifiquei, olhando para as costas do vestuário e parte posterior das pernas até aos calcanhares.

            Levei a mão à cara para tocar nos olhos, encontrando-os no seu lugar; mas seria como o mocho, que pode dar meia volta completa à cabeça'? Tentei faze-lo, sem resultado.          .

            Ocorreu-me então que, saindo do corpo por um Instante, teria talvez a faculdade de ver pelos olhos materiais dele, c voltei, olhando para trás pela porta entreaberta, a verificar se a cabeça do meu corpo, podia ver-se em linha reta donde estava. 

            Nesse instante descortinei um fio tênue como uma teia d'aranha saindo-me de trás dos ombros e ligando-me com o meu corpo, por inserção na base do pescoço. Fiquei nesta conclusão: que em virtude de tal laço, podia servir-me dos olhos do corpo e tornei a descer para a rua.

            Dados apenas alguns passos, perdi de novo a consciência. Quando voltei a mim, estava no ar, sustentado por mãos que levemente me apertavam.

            O dono dessas mãos, se acaso o tinham, estava por trás de mim e impelia-me para cima de modo rápido mas agradável. Com o tempo compreendi melhor a minha situação; fui elevado e deposto à vontade na entrada de um caminho estreito, bem construído e que subia com uma inclinação de 45 graus.

            Levantando os olhos, o céu e as nuvens pareciam à altura habitual; abaixando-os, vi os cimos verdejantes dos bosques e pensava que as árvores em baixo ficavam à mesma distância  que as nuvens em cima. Examinei os materiais do caminho, sendo quartzo cor de leite e de bonita areia.         

            Tomei um grão e examinei-o atentamente; recordo-me muito bem de que tinha no  centro uma pequena mancha preta, e aproximando-o dos olhos, vi que era uma pequena cavidade, aparentemente causada pela ação química de qualquer metal.

            Tinha chovido, fazendo-se sentir o fresco.

            Notei que, apesar da inclinação, nenhuma fadiga sentia na marcha, sendo os meus pés leves e os passos incertos como os de uma criança.

            Ao subir, acudia-me a lembrança da minha doença recente e alegrava-me da atual saúde e força nova. Depois invadiu-me um grande sentimento de desolação, e, desejando a sociedade, raciocinei que, morrendo gente a cada instante; era muito provável que em meia hora alguém viesse aquelas montanhas, e assim teria companhia.

            Aguardando-o, examinava a paisagem em volta de mim. Ao nascente havia uma longa cadeia de montanhas, e em baixo estendia-se a floresta até aos flancos e para além dos seus cumes. A meus pés desdobrava-se um vale guarnecido de árvores no qual corria um soberbo rio, cujas águas se quebravam em flocos de espuma de encontro a pequenos cachopos. Comparava-os ao rio Emeraude e às montanhas se assemelhavam muito ao pico de Waldron.

            A escarpa das rochas negras à esquerda do caminho fazia-me lembrar Lookont Mountain, no sítio em que a via férrea passa entre o rio Tennessee e a montanha.

             Assim as três grandes faculdades do espírito, memória, juízo e imaginação, funcionavam ainda na sua integridade.

            Esperei um companheiro durante quase meia hora, mas não veio.

             Lembrou-me então que talvez cada um, ao morrer, fizesse sua jornada individualmente, obrigado a viajar só; pois que, não havendo duas pessoas absolutamente iguais, podia suceder que no outro mundo, não se encontrassem dois viajantes na mesma estrada.

Conquanto não pensasse em pessoa determinada que de preferência desejasse ver, tinha para mim como certo que alguém viria ao meu encontro.

            - Anjo ou demônio, refletia eu, um virá, e tenho curiosidade de ver qual. 

            Recordava-me de que não nutrira fé nos dogmas ortodoxos, tendo verbalmente professado urna crença livre, que julgava melhor. Todavia ponderei comigo: - nada sei; há aqui lugar para a dúvida, lugar para o erro? Quem sabe se sigo o caminho dum destino terrível? - Aqui ocorre uma coisa difícil de descrever; em volta de mim e de diferentes pontos, sentia a invasão de pensamentos expressos:

            - Não tenhas receio! Tu estás salvo!"

            Nenhuma voz ouvia nem via pessoa alguma; tinha, porém, perfeita consciência de que, a diversas distâncias, de pontos diversos alguém pensava estas coisas a meu respeito.

            Como tinha eu disso consciência? - O fato era tão misterioso que duvidava quase da sua realidade. Um sentimento de dúvida e de receio me invadiu e já me julgava um ente bem infeliz, quando um rosto cheio de inefável amor e ternura me apareceu um instante, fortificando a minha fé.

            Na minha frente, a alguma distância, aparecem de súbito três prodigiosos rochedos, cortando-me o caminho; à sua vista me detive, admirado de que estrada tão bela pudesse estar assim bloqueada.

            Enquanto perguntava a mim mesmo o que devia fazer, uma nuvem sombria, cuja extensão avaliei em mais de 2000 pés, apareceu por cima da minha cabeça. Em breve essa nuvem era sulcada de traços duma chama viva e movediça, que não se apagavam ao contato da nuvem, porque eu os via atravessando-a, como se veem os peixes na água profunda.  

            A superfície da nuvem abriu-se como uma tenda imensa e volveu lentamente em volta do seu eixo vertical. Logo que voltou três vezes, tornei-me consciente da presença de um ser, que eu não podia ver, mas que eu sabia vir da parte meridional. Sua presença não era como uma forma, era como uma vasta inteligência que enchia a nuvem. Não era como eu pensava: minha forma enche um pequeno espaço, que fica vazio quando me desloco, enquanto que ela pode encher a imensidade quando quiser e mesmo sem deixar a nuvem.

            Então dos flancos dessa nuvem foram projetados dois jatos, semelhantes a línguas de vapor, suspendendo-se docemente de cada lado da minha cabeça.

            Logo que me tocaram, pensamentos que não eram os meus entraram-me no cérebro.

            - São, disse eu, os seus pensamentos e não os meus; poderiam ser em grego ou hebraico e do mesmo modo os compreenderia. Mas quanto devo agradecer na minha língua materna por poder compreender assim toda a sua vontade!    
           
            Contudo, ainda que a minha percepção fosse em inglês, essa linguagem estava tanto acima do que posso exprimir, que difere da realidade como a tradução duma língua morta difere do original. Assim, para exprimir: - É este o caminho que conduz ao mundo eterno,  a frase só tinha quatro palavras. Nem uma única frase, se houvesse de escrever-se, podia se conter num só período, tal era a complexidade do sentido.

            Eis a súmula como a posso dar:

            "É este o caminho que conduz ao mundo eterno. Os rochedos marcam  a fronteira entre os dois mundos e entre as duas vidas. Uma vez passada a meta, não poderás mais voltar ao corpo. Se o teu fim é escrever as coisas que viste e dar ao acaso a sua publicação, relatando-as particularmente, no segredo da intimidade, se é isso apenas, tens concluído e podes passar além daqueles rochedos. Se, porém, concluis, depois de teres visto e refletido, que é preciso publicar e escrever o que presenciaste e que isso deve atrair e instruir, tua missão não está cumprida e podes voltar ao teu corpo ... "

            Encontrei-me em frente e junto dos rochedos onde havia quatro passagens: uma muito escura, à esquerda, entre a escarpa e o último rochedo desse lado; outra, em arco abatido, entre a rocha da esquerda e a do meio; uma semelhante entre esta e a da direita ; e enfim um atalho muito estreito, contornando o rochedo da minha direita, sobre a borda do caminho...

            Pensava eu ver em breve anjos ou demônios, ou uns e outros talvez, quando vi essas duas formas, tais quais muitas vezes a minha imaginação as criou. 

            Examinando-as de perto, reconheci que não eram reais, mas uma simples imagem de meus pensamentos e que qualquer forma podia ser produzida desta maneira.

            - Que mundo maravilhoso, refleti eu comigo, em que o pensamento se torna tão intenso que reveste formas visíveis! Quanto vou ser feliz neste reino do pensamento!"



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