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sexta-feira, 28 de setembro de 2012

62. "Doutrina e Prática do Espiritismo"



62  ** *


            O pensamento que, por suas incessantes vibrações, constitui no homem uma espécie de fotografia instantânea de todos os seus movimentos físicos, é ao mesmo tempo, considerado em suas fontes mais remotas, o instrumento propulsor de todos os dinamismos do universo.

            Projetando constantemente em torno de nós os nossos pensamentos, vamos de sua mesma natureza impregnando o aura fluídico em que se envolve o espírito que somos. Simultaneamente com esta ação individual, restrita no que se refere ao homem, é pela emissão de correntes de pensamentos, harmônicos ou discordes com os emitidos ab aeterno pelo Divino Foco, que os espíritos de todas as categorias, consoante à sua elevação ou inferioridade, colaboram na execução dos desígnios divinos ou contra ela buscam se insurgir, daí resultando o que, não somente em mecânica, mas nas regiões abstratas da moral, denomina-se equilíbrio.

            E é porque no aura invisível do homem se estereotipam, pela irradiação do pensamento, as suas tendências más ou boas, os seus vícios ou virtudes - casulo terrível ou benéfico que, ao desencarnar, cada um consigo leva como irrecusáveis testemunhos de sua própria baixeza ou elevação - que para os desencarnados não podem haver dissimulações da parte dos humanos. Os nossos pensamentos são assim lidos pelos espíritos como se de fato escritos em páginas abertas.

            E aqui, por mais obscuro, inextricável mesmo, que ainda nos seja o mecanismo íntimo do pensamento, uma indagação se torna indispensável. Terá ele, como atributo do espírito, uma grafia própria, ou se exprimirá obrigatoriamente, por palavras, consoante à língua familiar ao indivíduo?

            A primeira hipótese é a que, a nosso ver, reúne as melhores condições de admissibilidade, não sendo possível de outro modo explicar a correspondência universal dos espíritos entre si, pelo menos dos que compõem a nossa humanidade, para os quais seria realmente uma deplorável singularidade que subsistisse, na vida livre do espaço, a barreira moral que para os homens representa ,a diversidade das línguas, obstáculo que é a um mais perfeito entendimento e aproximação, o que importa dizer, à íntima e consciente solidariedade que os há de, por fim, um dia vincular.

            Se os espíritos, com efeito, para entre si corresponder-se, tivessem que se exprimir em línguas diferentes, em lugar da graduação natural por ordem dos respectivos méritos, que lhes determina a hierarquia, haveria a torna-los de alguma sorte estranhos uns aos outros um acidente como esse, peculiar sem dúvida ao modo de viver terrestre, analítico por natureza, como tivemos ocasião de o assinalar, mas incompatível com a tendência para a síntese, a unificação, que caracteriza a vida no espaço.

            A língua, como tantas outras convenções humanas, é um resultado da diferenciação das raças. Mas como os espíritos não se dividem em raças, senão que pertencem a uma mesma e única família, no que se refere a distinções tudo se se reduzindo para eles a uma menor ou maior evolução, segue-se que para eles não haverá  - assim pelo menos o entendemos - mais que uma linguagem, o pensamento, menos ou mais rico sem dúvida em expressões, de um lado, e em possibilidade de percepção, do outro, conforme o menor ou maior grau de evolução atingido pelo espírito.

            Há um fato, no domínio da experimentação espírita - e nunca serão para desprezar os subsídios da observação - que vem documentar até um certo ponto esta tese da universalidade do pensamento como expressão mental, fato que pelos observadores inexpertos tem sido considerado, em certos casos, um elemento negativo da autenticidade do fenômeno. E vem a ser que o espírito de um indivíduo que pertencera a uma determinada nacionalidade, ao se manifestar por um médium de nacionalidade diferente, exprime-se não em sua própria língua, mas na do intermediário de que no momento se utiliza (1).

            (1) Dentre os mais notáveis ditados desse gênero, que conhecemos, se destacam os recebidos (não todos) pelo médium Fernando de Lacerda e transmitidos por espíritos, como os de Victor Hugo, Leon Tolstoi e outros pensadores, com a mesma originalidade e opulência de estilo que tinham como homens, o que representa um positivo sinal de identidade, sobretudo se se atender a que a amplitude das ideias expressas em português pelo médium e a que na terra era peculiar àqueles espíritos, quando aqui viviam, coincidem admiravelmente.

            Ver a obra desse médium, Do PAIZ DA LUZ, 3 Vols. publicados e também, no REFORMADOR de 3 de outubro de 1911, ditado de Leon Tolstoi intitulado "A ordem na vida."

            Como explicar esse fenômeno, senão admitindo que o pensamento é transmitido de espírito a espírito, isto é, do comunicante ao do médium, em sua forma originária, e por este elaborado e traduzido nas expressões verbais da língua que lhe é familiar? Se considerarmos que, na ocorrência de toda manifestação espírita, mediante a psicografia, a incorporação, vidência, audição, etc., o espírito do médium se acha mais ou menos exteriorizado e, assim, em condições de perceber diretamente a ação dos invisíveis, não haverá dificuldade em compreendermos o fenômeno.

            Restaria a explicar o processo, o mecanismo dessa transformação do pensamento, de sua feição peculiar em forma articulada. Isso, porém, como tantos outros fatos obscuros do domínio da psicologia, há de por muito tempo ainda permanecer ignorado.  

            O que se sabe - e experiências de fotografia, que se pode chamar transcendental, o tem demonstrado, permitindo registrar na placa as efluviações (= eflúvios) ódicas (do duplo etérico) do homem - é que o pensamento, força que de si mesmo é, se traduz por vibrações, variando de forma e de tonalidade conforme a natureza das impressões e emoções que, silenciosamente mesmo, exterioriza, chegando também a reproduzir a imagem de seres e objetos sobre que persistentemente incida.

             Assim, por exemplo, se o indivíduo se acha sob o domínio de uma emoção nobre e elevada, como na prece e em todos os transportes de amor e adoração, de que é suscetível o Ego divino, o pensamento se exterioriza em forma de imponentes e luminosas espirais, como de incenso, que se elevam para o alto. Se é um impulso de cólera ou de ódio, as suas vibrações se tonalizam por cambiantes rubras ou entenebrecidas, variando por extensa escala cromática, segundo a índole das paixões que exprimem, como por seu lado o tem podido atestar videntes adestrados.

            Pensando com energia e demoradamente num objeto ou em determinado ser, projetamos no éter a sua forma, a que o pensamento, assim vigorosamente emitido,
comunica uma vitalidade fictícia e momentânea, como tivemos, no capítulo precedente, ocasião de registrar que sucedeu - é verdade que num estado de completo desprendimento - ao Dr. Wiltse, que ao pensar em anjos e demônios que, imaginava, encontraria em sua excursão extra terrestre, viu apresentarem se lhe à vista essas figuras, logo verificando embora que não eram reais, senão mero produto da imaginação.

            Se, finalmente, em lugar de convergir para seres e objetos definidos, é um raciocínio que formulamos, uma deliberação que concebemos ou, em suma, qualquer outra operação abstrata a que nos entregamos, as linhas de força, por assim dizer, desse dinamismo mental se exteriorizam e fixam em nosso aura, com a exata expressão dos pensamentos que traduzem e que, semelhantes à grafia musical, cada uma de cujas notas tem sempre significação e valor por toda parte idênticos, podem ser, graças a isso, decifrados pelas testemunhas invisíveis que nos cerquem.    

            Mas os espíritos, como o vínhamos precedentemente assinalando, não se limitam a ser espectadores silenciosos das nossas operações mentais. Pela natureza do plano a que pertencem - plano das causas, como ficou dito - não somente, por uma sistematizada sugestão, a que também fizemos referência e havemos de nos reportar ainda em capítulo adiante, intervêm na direção dos pensamentos e na realização dos humanos sucessos, senão que, operando em grandes massas, colaboram, conforme a hierarquia a que pertençam, na produção dos fenômenos que tem por cenário o próprio mundo físico. 

            Nem de outro modo se podem explicar certos fatos do Evangelho, por muito tempo aos olhos do vulgo apresentados como milagrosos, mas que, determinados por uma vontade poderosa como a de Jesus, a cujo aceno obedeciam os espíritos de todas as ordens, vem ter no conhecimento das leis e na ação dos invisíveis, que o Espiritismo patenteia, uma lógica e esclarecedora sanção.

            Está neste caso, por exemplo, o episódio da tempestade aplacada, diante do qual pode sem dúvida sorrir a Incredulidade, relegando-o, como tantos outros, para o domínio da fábula ou da lenda, mas que o estudante espírita, esclarecido sobre a verdadeira índole desta doutrina, um de cujos objetivos capitais é fornecer de todas as passagens e ensinamentos do Evangelho uma explicação minuciosa e integral, em espírito e verdade, tem tanto mais ponderoso motivo para admitir como verídico, quanto nenhum desacordo lhe observa com as leis naturais, sobretudo no que se refere à colaboração das entidades universalmente prepostas a sua execução.

            O episódio é assim, em suas linhas singelas, descrito por MATEUS (VIII, 23 a 26) :

            "Entrando ele (Jesus) em uma barca, o seguiram seus discípulos; e eis que sobreveio no mar uma grande tempestade, de modo que a barca se cobria das ondas. E, entretanto, ele dormia. Então se chegaram a ele seus discípulos e o acordaram, dizendo: - Senhor, salva-nos, que perecemos.
            "E Jesus lhes disse: Porque temeis, homens de pouca fé? - E, levantando-se, pôs preceito ao mar e aos ventos, e logo se seguiu uma grande bonança."

            Ora, como poderia o Cristo exercer esse império sobre os elementos, se não fossem eles movidos por inteligências capazes de perceber a sua determinação e obedecer-lhe? E onde estaria o elo dessa volição, de um lado, e dessa execução, do outro, senão no pensamento, veículo e propulsor, como o dissemos, de todos os dinamismos do universo ?  (1)

            (1) De modo idêntico, isto é, pela colaboração de espíritos obedientes às determinações do Cristo e prepostos, consoante a sua natureza, ao manejo de fluidos apropriados, se podem explicar outros fatos narrados no !Evangelho, como a pesca dita miraculosa, a multiplicação dos peixes e dos pães e mesmo o incidente dos porcos precipitados ao mar (MATEUS, VIII, 28 a 34), após a libertação, por Jesus, dos subjugados, ou possessos.

            Só o espírito é capaz de entender o espírito. Mas se já vemos, neste mesmo plano inferior em que operamos, o homem pelo poder da inteligência submeter ao seu domínio as forças vivas da natureza, captando, por exemplo, essa misteriosa e formidável energia, que é a eletricidade, e utilizando-a nas mais variadas aplicações, que haverá de extraordinário, partindo da existência dos espíritos e da universalidade de sua ação - e foi este fato que tivemos o cuidado de previamente estabelecer - que haverá de extraordinário - dizíamos - em admitir que essas inteligências, desenvolvendo correntes de pensamentos e operando sobre os fluidos que tudo, na criação, envolvem e penetram, possam produzir ou fazer cessar determinados fenômenos? Pois o que é fácil, em pequena escala, a um homem - produzir com um sopro a agitação de um líquido - não será possível aos espíritos, reunidos em massa, pelo poder do pensamento sobre os fluidos?

            A única diferença consiste em que, sob a ação das grandes e eternas leis que tudo regem no universo, a intervenção dos espíritos, qualquer que seja a órbita em que incida, jamais se opera a esmo, senão que é sempre regulada com um fim de utilidade e tendo em vista, com a harmonia do conjunto, a realização do plano providencial, que já procuramos definir nesta palavra : evolução.

            E, pois, que tudo evolui, do átomo à estrela, do infusório (seres vivos unicelulares) ao anjo, vejamos se é possível, dilatando esta incursão pelo pensamento aos remotos arcanos em que se opera a gênese dos mundos e dos seres, apreender, não decerto em toda a magnificência, o plano evolutivo - demasiado arrojo para a fragilidade do nosso entendimento - mas um esboço ao menos desse plano, em que o nosso próprio destino se contém.



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