Quando o Senhor
determinou que algumas das Virtudes Celestes viessem ao mundo, trazendo a
Felicidade para as criaturas, a Fé
acercou-se do Homem, antes das demais, e disse-lhe compassiva:
- O Poder
Superior governa-nos o destino. Confia na Providência do Pai Misericordioso e aprende a contemplar mais longe...
O Homem sorriu e
replicou:
- O tempo urge.
Viverei seguro na máquina de ganhar e guardar facilmente. Não aceito outras deliberações que não sejam minhas.
Veio a Humildade e pediu:
- Meu filho, não
te vanglories do que possuis, porque Deus concede os recursos no momento
preciso e retoma-os, quando julga oportuno. Sê simples para contentar a ti
mesmo.
- O tempo urge -
exclamou o Homem, sarcástico -, e se o minuto é meu, que me importa a
eternidade? Gozarei o dia, segundo meus desejos. Não tenho necessidade de
submeter-me para ser feliz.
Chegou a Bondade e suplicou:
- Ajuda no
caminho para que outros te beneficiem. Nem todos os instantes pertencem à primavera. Sê compreensivo e generoso! O rico pede cooperação
fraternal, a fim de que a fortuna o não encegueça; e o pobre reclama concurso,
para que a escassez não o conduza ao desespero.
- O tempo urge -
gritou o Homem - e não posso deter-me em ninharias. Quem dá, espalha; quem
nega... concentra. Minha defesa aparece
em primeiro lugar.
Surgiu a Paz e implorou:
- Amigo, esquece
o mal e glorifica o bem. Não entronizes a
discórdia. Cede em favor dos necessitados. Não te detenhas no egoísmo voraz.
- O tempo urge -
respondeu o Homem, e se eu renunciar ao alheio interesse, que será de mim? Cedendo, perderei. Não guardo vocação para a derrota.
Em seguida,
compareceu a Paciência e aconselhou:
- Age com calma.
Não exijas serviçais em toda parte, porque a tarefa de outros é igualmente
respeitável. Socorre os semelhantes, consciente das próprias necessidades
espirituais. Não esmagues as esperanças dos pequeninos e atende à justiça onde
estiveres.
- O tempo urge -
repetiu o Homem irônico - e as horas correm excessivamente apressadas para que
me entregue a problemas de tolerância. Fixando direitos alheios, não perceberei
os que me dizem respeito.
Logo após,
abeirou-se dele a Compaixão, implorando:
- Irmão, apieda-te
dos fracos!..
O interpelado não
lhe permitiu continuar.
- O tempo urge -
bradou - e a questão dos pusilânimes não me atinge. Sou forte e nada possuo de comum com os inúteis e inábeis.
A Caridade
apareceu e apelou:
- Meu amigo,
perdoa e ajuda para que a tranquilidade more contigo. Tudo passa na carne. A
eternidade reside em teu coração. Porque não te amoldares à lei do amor, a
benefício da própria iluminação?
- O Homem, porém,
redarguiu, entediado:
- O tempo urge!
deixem-me! conheço o caminho e vencerei por mim. Quem perdoa, opera contra a
dignidade pessoal e quem muito ampara desampara-se.
Reconhecendo,
todavia, o Senhor, que o Homem estragava o tempo e consumia a vida, inutilmente, sem qualquer consideração para com as Virtudes
salvadoras, enviou-lhe alguns dos seus Poderes, de modo a chamá-lo a Juízo.
Aproximou-se
inicialmente a Dor.
Não lhe deu
conselho algum.
Privou-o do
equilíbrio orgânico e acamou-o.
O Homem modificou
gesto e linguagem, suplicando:
- Quem me acode?
Compadeçam-se de mim...
Mas a Dor respondeu apenas:
- O tempo urge.
Logo após, veio a
Verdade e apodreceu-lhe o corpo.
O Homem rogou:
- Piedade!
piedade! Salvem-me! ..
A Verdade, contudo, limitou-se a dizer:
- O tempo urge.
Em seguida, veio
a Morte.
O Homem
reconheceu-a, apavorado, e pôs-se a gritar:
- Livrem-me do
fim! não posso partir!.. não estou preparado!... Socorro!... socorro! ...
A Morte, no entanto, repetiu:
- O tempo urge.
E arrebatou-lhe a
alma.
Irmão X
por Chico Xavier
in
Reformador (FEB) Agosto
1948
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