quarta-feira, 5 de setembro de 2012

O Tempo Urge



             
            Quando o Senhor determinou que algumas das Virtudes Celestes viessem ao mundo, trazendo a Felicidade para as criaturas, a acercou-se do Homem, antes das demais, e disse-lhe compassiva:

            - O Poder Superior governa-nos o destino. Confia na Providência do Pai Misericordioso e aprende a contemplar mais longe...

            O Homem sorriu e replicou:
           
            - O tempo urge. Viverei seguro na máquina de ganhar e guardar facilmente. Não aceito outras deliberações que não sejam minhas.
           
            Veio a Humildade e pediu:       

            - Meu filho, não te vanglories do que possuis, porque Deus concede os recursos no momento preciso e retoma-os, quando julga oportuno. Sê simples para contentar a ti mesmo.

            - O tempo urge - exclamou o Homem, sarcástico -, e se o minuto é meu, que me importa a eternidade? Gozarei o dia, segundo meus desejos. Não tenho necessidade de submeter-me para ser feliz.

            Chegou a Bondade e suplicou:

            - Ajuda no caminho para que outros te beneficiem. Nem todos os instantes pertencem à primavera. Sê compreensivo e generoso! O rico pede cooperação fraternal, a fim de que a fortuna o não encegueça; e o pobre reclama concurso, para que a escassez não o conduza ao desespero.

            - O tempo urge - gritou o Homem - e não posso deter-me em ninharias. Quem dá, espalha; quem nega...  concentra. Minha defesa aparece em primeiro lugar.

            Surgiu a Paz e implorou:

            - Amigo, esquece o mal e glorifica o bem. Não entronizes a discórdia. Cede em favor dos necessitados. Não te detenhas no egoísmo voraz.

            - O tempo urge - respondeu o Homem, e se eu renunciar ao alheio interesse, que será de mim? Cedendo, perderei. Não guardo vocação para a derrota.

            Em seguida, compareceu a Paciência e aconselhou:

            - Age com calma. Não exijas serviçais em toda parte, porque a tarefa de outros é igualmente respeitável. Socorre os semelhantes, consciente das próprias necessidades espirituais. Não esmagues as esperanças dos pequeninos e atende à justiça onde estiveres.

            - O tempo urge - repetiu o Homem irônico - e as horas correm excessivamente apressadas para que me entregue a problemas de tolerância. Fixando direitos alheios, não perceberei os que me dizem respeito.

            Logo após, abeirou-se dele a Compaixão, implorando:

            - Irmão, apieda-te dos fracos!..

            O interpelado não lhe permitiu continuar.

            - O tempo urge - bradou - e a questão dos pusilânimes não me atinge. Sou forte e nada possuo de comum com os inúteis e inábeis.

            A Caridade apareceu e apelou:

            - Meu amigo, perdoa e ajuda para que a tranquilidade more contigo. Tudo passa na carne. A eternidade reside em teu coração. Porque não te amoldares à lei do amor, a benefício da própria iluminação?

            - O Homem, porém, redarguiu, entediado:

            - O tempo urge! deixem-me! conheço o caminho e vencerei por mim. Quem perdoa, opera contra a dignidade pessoal e quem muito ampara desampara-se.

            Reconhecendo, todavia, o Senhor, que o Homem estragava o tempo e consumia a vida, inutilmente, sem qualquer consideração para com as Virtudes salvadoras, enviou-lhe alguns dos seus Poderes, de modo a chamá-lo a Juízo.

            Aproximou-se inicialmente a Dor.

            Não lhe deu conselho algum.

            Privou-o do equilíbrio orgânico e acamou-o.

            O Homem modificou gesto e linguagem, suplicando:

            - Quem me acode? Compadeçam-se de mim...

            Mas a Dor respondeu apenas:

            - O tempo urge.

            Logo após, veio a Verdade e apodreceu-lhe o corpo.
           
            O Homem rogou:  

            - Piedade! piedade! Salvem-me! ..

            A Verdade, contudo, limitou-se a dizer:

            - O tempo urge.

            Em seguida, veio a Morte.

            O Homem reconheceu-a, apavorado, e pôs-se a gritar:

            - Livrem-me do fim! não posso partir!.. não estou preparado!... Socorro!... socorro! ...

            A Morte, no entanto, repetiu:

            - O tempo urge.

            E arrebatou-lhe a alma.

Irmão X  

por Chico Xavier

in Reformador (FEB) Agosto  1948



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