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sexta-feira, 20 de abril de 2012

Perdão foi feito prá gente pedir



“Perdão foi feito
prá gente pedir.”

por Felipe Salomão  

            Muita razão tinha o cancioneiro popular quando escreveu a frase que dá título ao comentário: "Perdão foi feito pra gente pedir". Claro está que, se não fôssemos criaturas passíveis (e quanto!) de errar, não haveria necessidade da existência do perdão.

            Para que perdão, se fôssemos perfeitos?

            É, pois, o perdão, um dispositivo imprescindível no mundo em que vivemos; uma válvula de escape para todos nós que vivemos no erro, cometendo os mais disparatados atos contra o nosso equilíbrio.

            Mas, que é o perdão?

            Segundo Martins Peralva ("Estudando o Evangelho" - FEB – 1ª edição - 1961), "o conceito de perdão, segundo o Espiritismo, é idêntico ao do Evangelho, que lhe é fundamento: concessão indefinida de oportunidades para que o ofensor se arrependa, o pecador se recomponha, o criminoso se libere do mal e se erga, redimido, para a ascensão luminosa". Assim, a nós, os espíritas, a Lei do perdão é uma aplicação da Lei do amor ao próximo, consequência mesma da Lei de caridade que devemos aplicar nos nossos atos.

            Ninguém pode, pois, duvidar da eficácia do perdão. Ele nos é recomendado pelos Evangelhos e é ensinado claramente pelo Cristo, como forma de adquirirmos perdão para as nossas faltas.

            Registra o Evangelho: "Se contra vós pecou vosso irmão, ide fazer-lhe sentir a falta em particular, a sós com ele; se vos atender, tereis ganho o vosso irmão. - Então, aproximando-se dele, disse-lhe Pedro: Senhor, quantas vezes perdoarei a meu irmão, quando houver pecado contra mim? Até sete vezes? - Respondeu-lhe Jesus: Não vos digo que perdoeis até sete vezes, mas até setenta vezes sete vezes." (Mateus, cáp. XVIII, vv. 15/21 e 22; "O Evangelho segundo o Espiritismo"  52ª edição - FEB)

            E afirmava Jesus: "Perdoai as nossas dívidas, assim como nós perdoamos nossos devedores." Ainda: "Se, porém, não perdoardes aos homens, tampouco vosso Pai vos perdoará as ofensas" (Oração dominical do "Pai Nosso").

            Não resta dúvida, assim, de que a prática do perdão evangélico - diferente do frio perdão formal - capacita-nos a crédito espiritual; dando-nos condições de, se errarmos, solicitarmos, por nosso turno, ao Pai Celestial, perdão para as nossas ofensas e dívidas.

            O que queremos analisar, contudo, não é a necessidade do ato de perdão, que ela está sobejamente demonstrada no que apresentamos acima e em inúmeras outras palavras do Cristo, que perdoou incessantemente, terminando a sua passagem aqui na Terra com as seguintes palavras: "Perdoai-lhes, Pai, eles não sabem o que fazem."

            Há um outro ângulo da questão que merece estudo.

            Nós ofendemos profundamente alguém que conosco vive. Sentindo o alcance da nossa falha, procuramos o ofendido e lhe pedimos perdão pela falta que cometemos. O nosso irmão, evangelizado, sem dúvida, imediatamente perdoa a nossa falta e até desculpa a nossa insensatez. Para ele, o ofendido, os méritos de haver praticado sinceramente a atitude digna de perdoar o seu ofensor. E para nós? Basta-nos somente o perdão do ofendido? Cremos que não. Sem dúvida, já conseguimos alguma coisa com a nossa ida até o ofendido, reconhecendo que erramos e que carecemos da sua desculpa. É, até, um ato de humildade. Mas, não estamos livres da consequência do nosso ato. Teremos que colher os frutos da nossa atitude, sejam eles quais forem.

            Dirão alguns: "Mas você foi perdoado pelo ofendido!" Sim, fui perdoado, mas não estou desobrigado do esforço pelo reequilíbrio.

            "Deus perdoou." Sim, aceitou o nosso pedido sincero, cheio de arrependimento pela falta cometida, mas, como não é Ele que nos exige reparação, e sim nós que precisamos dela, dá-nos novas oportunidades para o pagamento das nossas dívidas. 

            Queremos dizer: não há o perdão de mão beijada, pura e simplesmente. É indispensável que nós, os ofensores, limpemos as máculas que imprimimos no nosso perispírito. E isso só faremos através do bem, já que só o bem anula o mal.

            Poderão argumentar: "Mas se temos que nos depurar, não há perdão; simplesmente, pagamos o que devemos; não necessitamos de pedir perdão. Exemplo: compro roupas na loja. Fico devendo 500 cruzeiros. Se eu pagar, ainda que em prestações, não há perdão da minha dívida."

            Há o perdão, sim! Ele está manifestado nas diversas oportunidades que Deus nos dá para tentarmos vencer as nossas dificuldades. Depois, parece-nos que o perdão é um pedido de desculpas e não um livramento incondicional, até porque não é Deus que nos pune e sim nós que nos punimos com a Lei de causa e efeito. É o famoso choque de retorno.

            Citemos o caso do "bom ladrão". Na cruz, juntamente com o Cristo, pede ao Mestre perdão por suas faltas, já que era culpado. O Mestre o perdoou, indubitavelmente, mas não o isentou das responsabilidades e consequências dos seus atos. Deveria ele, para entrar no paraíso, volver muitas vezes ao plano da Terra, para refazer aquilo que estragara, construir o que destruíra. Caso contrário, seria o perdão da última hora, quando o pecador, irremediavelmente perdido, suplicaria ao Pai perdão para suas faltas ...

            Citemos o caso de Paulo, o apóstolo da gentilidade. Viu o Cristo na estrada de Damasco. Converteu-se ao Cristianismo e fez, até o fim dos seus dias, a maior pregação do Evangelho de que se tem notícia. Mas, será que ficou livre, por isso, da sua responsabilidade no ato da lapidação de Estêvão, primeiro mártir do Cristianismo? Acreditamos que não. É bem verdade que toda a sua semeadura entre os gentios foi levada a seu crédito na Espiritualidade, mas, verdadeiramente, apenas o bem que haja feito anulará o mal que praticara.

            Não queremos dizer, com tudo isso, que somos adeptos da lei do "olho por olho e dente por dente". Não é preciso que a criatura passe pelos mesmos problemas que criou para o próximo. Isso seria um círculo vicioso. O que é obrigatório é que a criatura, com o bem que pratique, retorne ao equilíbrio, pois quando praticamos o mau os maiores prejudicados somos nós mesmos. É a ideia que já deixamos exposta anteriormente: somente o bem anula o mal que tenhamos feito.

            Para finalizar, ouçamos o que diz Emmanuel:

            "Em nossas faltas, na maioria das vezes, somos imediatamente perdoados, mas não limpos.

            Fomos perdoados pelo fel da maledicência, mas a sombra que tencionávamos esparzir, na estrada alheia, permanece dentro de nós por agoniado constrangimento.

            Fomos perdoados pela brasa da calúnia, mas o fogo que arremessamos à cabeça do próximo passa a incendiar-nos o coração.

            Fomos perdoados pelo corte da ofensa, mas a pedra atirada aos irmãos do caminho volta, incontinenti, a lanhar-nos o próprio ser.

            Fomos perdoados por todos aqueles a quem ferimos, no delírio da violência, mas, onde estivermos, é preciso extinguir os monstros do remorso que os nossos pensamentos articulam, desarvorados.

            Chaga que abrimos na alma de alguém pode ser luz e renovação nesse mesmo alguém,mas será sempre chaga de aflição a pesar-nos na vida.

            Ridicularizados, atacados, perseguidos ou dilacerados, evitemos o mal, mesmo quando o mal assuma a feição de defesa, porque todo mal que fizermos aos outros é mal a nós mesmos.

            Quase sempre aqueles que passaram pelos golpes de nossa irreflexão já nos perdoaram incondicionalmente, fulgindo nos planos superiores; no entanto, pela lei de correspondência, ruminamos, por tempo indeterminado, os quadros sinistros que nós mesmos criamos. Cada consciência vive e evolve entre os seus próprios reflexos." (Do livro "Caminho Espírita", ed. Comunhão Espírita Cristã.)

            Contudo, o ideal mesmo é que jamais tenhamos necessidade de pedir perdão, como lembrou Luciano dos Anjos, em "O Atalho-5", "Reformador" de dezembro de 1973. 





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