“Perdão foi feito
prá gente pedir.”
por Felipe Salomão
Muita razão tinha o cancioneiro
popular quando escreveu a frase que dá título ao comentário: "Perdão foi
feito pra gente pedir". Claro está que, se não fôssemos criaturas
passíveis (e quanto!) de errar, não haveria necessidade da existência do
perdão.
Para que perdão, se fôssemos
perfeitos?
É, pois, o perdão, um dispositivo
imprescindível no mundo em que vivemos; uma válvula de escape para todos nós
que vivemos no erro, cometendo os mais disparatados atos contra o nosso
equilíbrio.
Mas, que é o perdão?
Segundo Martins Peralva
("Estudando o Evangelho" - FEB – 1ª edição - 1961), "o conceito
de perdão, segundo o Espiritismo, é idêntico ao do Evangelho, que lhe é
fundamento: concessão indefinida de oportunidades para que o ofensor se
arrependa, o pecador se recomponha, o criminoso se libere do mal e se erga,
redimido, para a ascensão luminosa". Assim, a nós, os espíritas, a Lei do
perdão é uma aplicação da Lei do amor ao próximo, consequência mesma da Lei de
caridade que devemos aplicar nos nossos atos.
Ninguém pode, pois, duvidar da
eficácia do perdão. Ele nos é recomendado pelos Evangelhos e é ensinado
claramente pelo Cristo, como forma de adquirirmos perdão para as nossas
faltas.
Registra o Evangelho: "Se
contra vós pecou vosso irmão, ide fazer-lhe sentir a falta em
particular, a sós com ele; se vos atender, tereis ganho o vosso irmão. - Então,
aproximando-se dele, disse-lhe Pedro: Senhor, quantas vezes perdoarei a meu
irmão, quando houver
pecado contra mim? Até sete vezes? - Respondeu-lhe Jesus: Não vos digo que perdoeis
até sete vezes, mas até setenta vezes sete vezes." (Mateus, cáp. XVIII, vv.
15/21 e
22; "O Evangelho segundo o Espiritismo" 52ª edição - FEB)
E afirmava Jesus: "Perdoai as
nossas dívidas, assim como nós perdoamos nossos devedores."
Ainda: "Se, porém, não perdoardes aos homens, tampouco vosso Pai vos
perdoará as ofensas" (Oração dominical do "Pai Nosso").
Não resta dúvida, assim, de que a
prática do perdão evangélico - diferente do frio perdão
formal - capacita-nos a crédito espiritual; dando-nos condições de, se
errarmos, solicitarmos,
por nosso turno, ao Pai Celestial, perdão para as nossas ofensas e dívidas.
O que queremos analisar, contudo,
não é a necessidade do ato de perdão, que ela está sobejamente
demonstrada no que apresentamos acima e em inúmeras outras palavras do Cristo,
que perdoou incessantemente, terminando a sua passagem aqui na Terra com as seguintes
palavras: "Perdoai-lhes, Pai, eles não sabem o que fazem."
Há um outro ângulo da questão que
merece estudo.
Nós ofendemos profundamente alguém
que conosco vive. Sentindo o alcance da nossa falha,
procuramos o ofendido e lhe pedimos perdão pela falta que cometemos. O nosso irmão,
evangelizado, sem dúvida, imediatamente perdoa a nossa falta e até desculpa a
nossa insensatez. Para ele, o ofendido, os méritos de haver praticado
sinceramente a atitude digna de perdoar o seu ofensor. E para nós? Basta-nos
somente o perdão do ofendido? Cremos que não. Sem dúvida, já conseguimos alguma
coisa com a nossa ida até o ofendido, reconhecendo que erramos e que carecemos
da sua desculpa. É, até, um ato de humildade. Mas, não estamos livres da consequência
do nosso ato. Teremos que colher os frutos da nossa atitude, sejam eles quais
forem.
Dirão alguns: "Mas você foi
perdoado pelo ofendido!" Sim, fui perdoado, mas não estou desobrigado do
esforço pelo reequilíbrio.
"Deus perdoou." Sim,
aceitou o nosso pedido sincero, cheio de arrependimento pela falta
cometida, mas, como não é Ele que nos exige reparação, e sim nós que precisamos
dela, dá-nos novas oportunidades para o pagamento das nossas dívidas.
Queremos dizer: não há o perdão de
mão beijada, pura e simplesmente. É indispensável que
nós, os ofensores, limpemos as máculas que imprimimos no nosso perispírito. E
isso só faremos através do bem, já que só o bem anula o mal.
Poderão argumentar: "Mas se
temos que nos depurar, não há perdão; simplesmente, pagamos
o que devemos; não necessitamos de pedir perdão. Exemplo: compro roupas na loja.
Fico devendo 500 cruzeiros. Se eu pagar, ainda que em prestações, não há perdão
da minha
dívida."
Há o perdão, sim! Ele está
manifestado nas diversas oportunidades que Deus nos dá para
tentarmos vencer as nossas dificuldades. Depois, parece-nos que o perdão é um
pedido de
desculpas e não um livramento incondicional, até porque não é Deus que nos pune
e sim nós que nos punimos com a Lei de causa e efeito. É o famoso choque de
retorno.
Citemos o caso do "bom
ladrão". Na cruz, juntamente com o Cristo, pede ao Mestre perdão por suas
faltas, já que era culpado. O Mestre o perdoou, indubitavelmente, mas não
o isentou das responsabilidades e consequências dos seus atos. Deveria ele,
para entrar no paraíso, volver muitas vezes ao plano da Terra, para refazer
aquilo que estragara, construir o que destruíra. Caso contrário, seria o perdão
da última hora, quando o pecador, irremediavelmente
perdido, suplicaria ao Pai perdão para suas faltas ...
Citemos o caso de Paulo, o apóstolo
da gentilidade. Viu o Cristo na estrada de Damasco. Converteu-se ao
Cristianismo e fez, até o fim dos seus dias, a maior pregação do Evangelho de
que se tem notícia. Mas, será que ficou livre, por isso, da sua
responsabilidade no ato da lapidação de Estêvão, primeiro mártir do
Cristianismo? Acreditamos que não. É bem verdade que toda a sua semeadura entre
os gentios foi levada a seu crédito na Espiritualidade, mas, verdadeiramente,
apenas o bem que haja feito anulará o mal que praticara.
Não queremos dizer, com tudo isso,
que somos adeptos da lei do "olho por olho e dente por
dente". Não é preciso que a criatura passe pelos mesmos problemas que
criou para o próximo.
Isso seria um círculo vicioso. O que é obrigatório é que a criatura, com o bem
que pratique,
retorne ao equilíbrio, pois quando praticamos o mau os maiores prejudicados somos
nós mesmos. É a ideia que já deixamos exposta anteriormente: somente o bem
anula o
mal que tenhamos feito.
Para finalizar, ouçamos o que diz
Emmanuel:
"Em
nossas faltas, na maioria das vezes, somos imediatamente perdoados, mas não limpos.
Fomos perdoados pelo fel da
maledicência, mas a sombra que tencionávamos esparzir, na estrada alheia,
permanece dentro de nós por agoniado constrangimento.
Fomos perdoados pela brasa da
calúnia, mas o fogo que arremessamos à cabeça do próximo passa a
incendiar-nos o coração.
Fomos perdoados pelo corte da
ofensa, mas a pedra atirada aos irmãos do caminho volta,
incontinenti, a lanhar-nos o próprio ser.
Fomos perdoados por todos aqueles a
quem ferimos, no delírio da violência, mas, onde estivermos, é
preciso extinguir os monstros do remorso que os nossos pensamentos articulam,
desarvorados.
Chaga que abrimos na alma de alguém
pode ser luz e renovação nesse mesmo alguém,mas será sempre
chaga de aflição a pesar-nos na vida.
Ridicularizados, atacados,
perseguidos ou dilacerados, evitemos o mal, mesmo quando o mal assuma a feição
de defesa, porque todo mal que fizermos aos outros é mal a nós mesmos.
Quase sempre aqueles que passaram
pelos golpes de nossa irreflexão já nos perdoaram incondicionalmente,
fulgindo nos planos superiores; no entanto, pela lei de correspondência, ruminamos, por
tempo indeterminado, os quadros sinistros que nós mesmos criamos. Cada consciência vive e
evolve entre os seus próprios reflexos." (Do livro "Caminho
Espírita", ed. Comunhão Espírita Cristã.)
Contudo, o ideal mesmo é que jamais
tenhamos necessidade de pedir perdão, como lembrou
Luciano dos Anjos, em "O Atalho-5", "Reformador" de
dezembro de 1973.
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