Noções Espíritas
O desvio natural das práticas
espíritas, sendo uma consequência do atraso moral da humanidade contemporânea,
deve merecer cuidados especiais de todos quantos, bem intencionados, se
proponham realizar praticamente, a demonstração da sua eficácia regeneradora no
seio da sociedade em que vivem.
O arrastamento, a fascinação que
sobre o nosso espírito exerce o mundo material, nos seus múltiplos aspectos, é
incalculável e poderia contar-se por todos os nossos atos e pensamentos, em
permuta constante com esse ambiente em que peiados somos, qual seixo à mercê da
corrente.
Uma vez, porém, que não podemos
contrariar a corrente nem inverte-la, pois que tudo se justifica e se move na
criação por desígnios superiores, procuremos ao menos encaminhar essa corrente
no sentido de apressar o adventos das verdades, a nós tão graciosa quão
imerecidamente confiadas.
E esse movimento é tanto mais
necessário quanto a própria transcendência filosófica da nossa doutrina produz
benefícios negativos quando não procuramos servi-la com intuitos igualmente
elevados, como decorrentes legítimos de um coração abnegado e de uma
inteligência lúcida.
Não queremos dizer com isso que só o
homem culto esteja em condições de praticar o Espiritismo, o que seria rematado
absurdo, aliás incompatível com o caráter eminentemente livre e popular da
doutrina: - mas queremos tão somente afirmar que para compreender, aceitar e
praticar principalmente o Espiritismo com proveito, é preciso possuir uma
serena consciência, na qual se possa refletir como em cristalino espelho todos
os bons sentimentos, desde a humildade contrastante com os códigos da época,
até o altruísmo imoldável aos interesses individuais de cada dia, de cada hora,
de cada instante.
Tendo em vista os abusos que
diariamente se cometem à sombra da doutrina espírita, explorados ao demais
pelos inimigos interessados e gratuitos que nos espreitam, não é de estranhar a
prevenção nem o ridículo com que ainda hoje, a despeito das brilhantes vitórias
da nossa causa, somos acolhidos – quando o somos - e julgados por uma certa parte
da sociedade.
Poderíamos replicar a esses tais que
assim nos julgam, que o Espiritismo, servido pelos homens é como tudo mais,
partícipe de sua natureza, não podendo responder pela idoneidade dos seus intérpretes,
preferimos, no entanto, registrar o fato como aviso salutar, redobrando
esforços para vulgarizar ensinamentos que só podem ser de regeneração que não
de perversão.
E para que não se diga nem suponha
que o Espiritismo só produz visionários e fanáticos, bom seria nos fossemos
apresentando como quem somos, para que o mundo nos conhecesse como somos, isto
é, racionais e humanos como qualquer mortal, pensando, vivendo e agindo na
esfera das nossas atribuições e necessidades.
A timidez injustificável de muitos dos
nossos confrades tem concorrido para essa noção falsa do que sejam o
Espiritismo e seus prosélitos: - há, entretanto, mais de uma razão militando
contra esse precedente, cujos efeitos aí estão clamando reparação.
Em primeiro lugar temos que, se os
homens nos julgam mal pelo que de mal se pratica à sombra do nosso nome, há
mostrar-lhes o que de bom e só de bom pode e deve produzir o Espiritismo.
Em segundo lugar temos que sendo o
Espiritismo uma revelação divina corroborada por fatos tão espontâneos quão
inconcussos, não devemos os que os estudamos, bem intencionados e cônscios dos
seus benefícios, ser avaros da sua propaganda, mas antes imitar os exemplos
generosos dos missionários do espaço.
Finalmente sendo o Espiritismo a
síntese de tudo quanto de grandioso e bom pode conceber o homem, quer
individual que coletivamente, e sendo mais, de fato, a doutrina do Amor e do Perdão
a chave de ouro de todos os problemas que agitaram, agitam e hão de agitar a
mente humana no roteiro da Verdade, nobreza só pode haver em afirma-lo à face
dos homens, por atos e palavras.
Mais por atos que por palavras.
Manoel Quintão
in ‘Reformador’ (FEB)
pág. 250 ano 1906
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