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A existência desse corpo etéreo,
afirmada nos lampejos de seu descortino clarividente por S. Paulo, sob a
denominação de "corpo espiritual", e pressentida pelo grande filósofo
inglês Cudworth, que reconhecia a necessidade de um mediador plástico, no homem, que fosse o laço de união entre a
matéria e o espírito teve a sua consagração definitiva nas observações da psicologia
experimental, particularmente nas experiências do coronel de Rochas, a que no
capítulo anterior nos referimos, em virtude das quais a exteriorização do ser
humano, revestido de uma certa substancialidade que reproduz o fantasma ou a forma vaporosa do
indivíduo adormecido, pode ser, sem exagero considerada uma verdade cientificamente
comprovada.
Estabelecida assim a realidade
objetiva do perispírito, no homem, devemos por nossa parte confessar que o seu
valor ou, mais propriamente, o papel que desempenha na dupla economia, do
organismo e das faculdades e aquisições do espírito, não nos parece definitiva
e perfeitamente fixado, não obstante os ensaios teóricos a tal respeito
formulados, o que não admira, atendendo-se de um lado, à exiguidade dos meios
de que, se tem podido dispor para essa pesquisa, de resto só recentemente
empreendida com um certo cunho de sistematização, e de outro à obscuridade do
domínio em que se exercem e irradiam as operações daquele agente imponderável.
A ciência contemporânea só se havia,
até a pouco, limitado a estudar a matéria em seus aspectos mais grosseiros e
perceptíveis daí a desdenhosa sobranceria com que repudiava - sem todavia
examina-la - a afirmação do Espiritismo acerca do corpo sutil, ou perispírito.
Com as recentes descobertas, porém, de modalidades da substância, ou melhor, da
energia universal, até então desconhecidas para ela, desde o "estado
radiante", verificado por William Crookes, e as experiências do casal
Curie, de Becquerel, Ramsay, etc., sobre o radio e a radioatividade dos corpos,
até às observações de Gustave Le Bon relativamente à dissociação dos átomos,
atestando a "desmaterialização da matéria ", em vésperas assim de ser
surpreendida em sua identificação com a energia, em cuja imponderabilidade vem
afinal a resolver-se, é de esperar que já lhe não cause tanta estranheza a existência,
que afirmamos, daquele corpo etéreo, constituído de matéria quintessenciada.
Porque, se a matéria pode existir em estados extremamente rarefeitos no imenso
reservatório do universo, nada impede que, sob a ação de leis naturais, mal
definidas ou ignoradas da ciência, dIa se organize em corpos de linhas determinadas,
posto que invisíveis. E, se se pode apresentar, sob a forma de vibrações ultra sensíveis
(radioatividade) , em corpos brutos, como o rádio, o urânio, o tório, o mesotório[1] e
tantos outros, porque não admitir que possa, com uma forma definida, coexistir
no homem, que é certamente o mais radioativo, não já de todos os corpos, senão
de todos os seres vivos? E que são os eflúvios ódicos, reconhecidos e até fotografados,
nas experiências de Reichenbach, senão o testemunho de que o corpo humano,
envolto numa atmosfera fluídica, imperceptível aos sentidos ordinários, emite
vibrações da mesma natureza, que têm ali a sua sede?
Se, pois, a realidade objetiva do
perispírito já não estivesse demonstrada, as modernas investigações da físico-química,
a que aludimos, patenteando aspetos extremamente rarefeitos da substancia e da
energia, seriam de molde. a fazer, pelo menos, admitir a sua possibilidade. Mas
essa demonstração - insistiremos - não está, felizmente, por fazer.
O que resta é pesquisar mais
acuradamente as particularidades da sua natureza e determinar com precisão, tão
rigorosa quão possível, o seu funcionamento, o seu papel e - porque não? - também
o seu destino subordinado indubitavelmente à grande lei de evolução, que tudo
rege.
Será essa - não o duvidamos - a
magna tarefa da ciência de amanhã, desembaraçada de escravizadores preconceitos
de escola e de sistema, em trânsito para as supremas cogitações da espiritualidade,
em que hão de forçosamente culminar as suas investigações.
Até lá, que nos seja permitido, a
todos os pesquisadores independentes da Verdade, antecede-la, como de resto, há
meio século, o tem feito o Espiritismo - na sondagem desses domínios da hiper-física
e do ignoto, valendo-nos para isso dos testemunhos, da observação direta, até
onde a possamos conduzir, mas não desprezando por igual os subsídios da
analogia e as leis do raciocínio, a cujos ditames têm os próprios ensinamentos
da Revelação que ser submetidos.
No que se refere particularmente ao
períspirito, o seu papel, como o dissemos, ainda não parece positiva e satisfatoriamente
definido, assim no ponto de vista fisiológico, de que teremos ocasião de nos
ocupar no capítulo a seguir, como em suas funções de natureza psíquica.
Pretendam estudiosos e, mesmo,
eruditos expositores da doutrina espirita que é nesse involucro etéreo que se
fixam in perpetuum, não somente as imagens, impressões e sensações.
Percebidas pelo indivíduo, como todas as suas aquisições intelectuais, constituindo
um arquivo permanente e indelével, suficiente para explicar os fenômenos e o
mecanismo da memória, mesmo relacionada com um passado remoto, anterior a esta
vida.
Por sua intima conexão com o corpo físico,
de que pode ser considerado um substrato, sem dúvida o perispírito, graças à
tonalidade vibratória com que, no homem, funciona em relação ao cérebro;
registra todas as imagens, percepções e sensações que a este se transmitem, as
quais, não se limitando a gravar-se nas células cerebrais, em perpetua instabilidade,
como ficou indicado, se propagam aquele invólucro sutil, em que se vão
sucessiva e fielmente fixando. E vimos, a propósito da clarividência psicométrica,
por exemplo, que é no aura que envolve o individuo, constituindo a sua
efluviação ódica[2] ou - o
que preferimos - a sua irradiação perispirital, que o psicômetra lê, de par com
as tendências e qualidades morais que se lhe revelam, a história ou pelo menos
sucessos coordenados da existência do indivíduo.
Mas, se é unicamente nesse invólucro
fluídico que, depois de transitar pelo cérebro, se insere definitivamente a
complexa trama de todos os movimentos sensoriais e psíquicos do homem, e se é
esse involucro a condição sine qua non
da memória, subsiste à mesma impugnação, que formulamos acerca da gradação das
reminiscências, em relação ao cérebro, considerado como único registrador da atividade
psíquica isto é : se as impressões se fixam em camadas sucessivas, embora de
variada intensidade, ou o sejam unicamente
no cérebro, como pretendem os materialistas , ou, através dele, no perispírito,
como o afirmamos os espíritas, de todo modo as mais recentes deveriam ser
também as mais vivazes. E - repetimos - não é isso positivamente o que se dá.
A memória não pode ser,
conseguintemente, o resultado de uma ação puramente mecânica de fixação de
imagens ou impressões numa tela mais grosseira (cérebro, no corpo físico) ou
mais sutil (perispírito), senão um fato de consciência e de atenção.
Importa, ao demais, considerar que,
se o perispírito é constituído de matéria, embora quintessenciada, aglomerado,
portanto, de átomos, ou ainda de íons e elétrons (denominações adotadas pelos
modernos investigadores da físico química, para indicar as subdivisões
ultramicroscópicas resultantes da fragmentação dos átomos), forçoso é admitir a
dissociação dos seus elementos, posto que num prazo excessivamente longo, tal
como se dá com os corpos radioativos de que falamos, cuja dispersão – digamo-lo
assim - segundo os cálculos daqueles investigadores, reclamará muitos milhares,
senão milhões de anos para se efetuar, considerada a extrema lentidão por eles
reconhecida em tal processo,
Quer isso dizer que o perispírito,
como toda forma particular da energia-substância, também se modifica e evolui, desassimilando partículas de sua composição e
– quem sabe? – assimilando outras. Que essas
modificações se operem com tão grande lentidão que sejam imperceptíveis no
prazo de uma vida, não temos duvida em admitir, em afirmar até. Convém,
todavia, não perder de vista esta consideração, quando se tratar de apreciar o
papel do perispírito através as épocas milenárias a que é possível fazer recuar
a sua evolução, em trânsito pelas quais o temos visto, nos trabalhos dos
aludidos expositores da doutrina espírita, assinalado como a uma coisa de
permanente e inalterável, ou pelo menos como um registro indelével das
aquisições do ser, em toda as ordens da criação.
Mas não é ainda aqui o lugar de
abordarmos esses transcendentes aspectos do problema.
Dizíamos que a memoria só pode ser
um fato de consciência e de atenção. De atenção, porque do grau desta, mais ou
menos intenso, é que resulta, por sua vez, a maior ou menor intensidade das
imagens, percepções e impressões na retentiva da memória, o que explica que na infância
e na primeira mocidade, fixando-se a atenção com interesse em todas as coisas,
sob os estímulos da curiosidade, se conserve nítida a lembrança, pelo menos das
que mais particularmente a impressionaram, ao passo que na velhice, crescendo a
indiferença, agravada com os desgostos, pelas solicitações do mundo, a atenção
se retrai, concentrando-se de preferência no mundo subjetivo da saudade ou no
substrato das experiências penosamente adquiridas. Daí o tornar-se a memória
indecisa e muitas vezes falha em relação às coisas e às perspectivas ambientes.
E é um facto de consciência, porque,
transitando embora pelo duplo veículo, sensorial (no cérebro) e psíquico (no
perispírito) , a imagem, percepção ou impressão só adquire realidade ao atingir
o Ego, em que se fixa. Ora esse Ego, inconfundível com qualquer dos envoltórios
que o revestem, é que constitui propriamente o espirito.
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