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segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

03/03 "Apolinário, Cerinto e o corpo de Jesus"




03/03  Apolinário, Cerinto
e o corpo de Jesus

           
Zêus Wantuil

Apêndice  in “Elos Doutrinários” (FEB)  3ª Ed 1978


            As duas epístolas de João, que vimos citando, são as de que comumente os anti-rustenistas se servem para combater o corpo fluídico de Jesus. Apesar de elas se referirem a Cerinto, poderão dizer, ainda, que permanece de pé a encarnação de Jesus Cristo, isto é, a sua vinda em carne, conforme se expressa o evangelista João.

            Todavia, mesmo que se aceite, nos versículos já mencionados atrás, a palavra “carne” no sentido comum, isto em nada altera a teoria do corpo fluídico de Jesus.

            Os apóstolos (se todos, não sabemos) certamente haviam de crer num corpo físico, carnal, de Jesus. Se este corpo apresentava todas as características e propriedades da carne realmente carne, não assistiria a eles outra alternativa, senão a de afiançar que Jesus “veio em carne”, e que era, por conseguinte, um homem.

            Os rustenistas também podemos dizer que Jesus veio em carne, e não estaremos em desacordo com a teoria que aceitamos. Expliquemo-nos melhor:

            Partindo-se do princípio de que a materialização de Espíritos é um fato incontestável na enomenologia espirítica, e que Espíritos se materializam com maior ou menor perfeição, à meia luz ou à plena claridade, afastando-se mais, ou menos, do médium, que pode estar sonambulizado ou acordado, mostrando-se, às vezes, esses mesmos Espíritos materializados, tangíveis, com todos os movimentos e até qualidades da carne humana, com todos os característicos anatômicos e fisiológicos de órgãos biologicamente vivos, com vestimentas e adereços também visíveis, objetivos, materiais, - não estaremos mentindo, à vista de tudo isso, se dissermos que os Espíritos materializados vêm em carne em nossas sessões experimentais.

            Na materialização completa, apresenta-se-nos à vista carnal e ao tato um corpo humano realmente vivo, “de carne e osso, com pulmões e coração”, no dizer de Aksakof, providos de uma respiração quente, como verificaram Lombroso, Geley, Bozzano e tantos outros observadores.

            O Dr. William Ritchman, presidente da Sociedade de Antropologia de Liverpool, escrevia, em 1886, a Aksakof contando-lhe que havia comprovado nos organismos materializados a existência da respiração e da circulação, e é clássica a narração que o sábio William Crookes fez acerca da contagem das pulsações de Katie King (Espírito materializado), ouvindo-lhe, também, o bater do coração e o respirar dos pulmões, podendo-se citar ainda a forma materializada de Bien-Boa, com quem o grande fisiologista Charles Richet realizou experiências extraordinárias, que positivaram a existência de anidrido carbônico no ar expirado pelo “fantasma”.

            O Dr. William Mackenzie, livre-docente da Universidade de Gênova, atual presidente da Sociedade Italiana de Metapsíquica, reconheceu também que os fantasmas materializados “são mais tangíveis e mais objetivamente vivos do que se supõe”, e, como disse muito bem o sábio suíço Raul Montandon, se eles são inabituais, não são, porém, mais misteriosos que os organismos vivos normais.

            O Sr. Brackett - experimentador céptico e muito prudente -, citado por Alfred Erny em sua obra “O Psiquismo Experimenta!”, narra o interessante fato a seguir: “Numa sessão de materialização, vi um mancebo de grande estatura dizer-se irmão da senhora que me acompanhava, e que lhe replicou: “Como poderia eu reconhecê-Io, se não o vejo desde criança?” Para logo, a figura diminuiu de talhe pouco a pouco, até chegar à do menino que a senhora conhecera. Observei outros casos do mesmo gênero.”

            Em Liverpool, o Sr. Burns, numa sessão, viu aproximar-se dele um Espírito materializado que com ele estivera em relações durante longo tempo. “Apertou-me a mão, diz Burns, com tanta força que ouvi o estalido de uma das articulações de seus dedos, como sói acontecer quando se aperta fortemente uma mão. Esse fato anatômico foi corroborado pela sensação que eu experimentava de estar segurando uma mão perfeitamente natural.”

            Muitos e muitos inteligentes homens de ciência, de visão penetrante, confirmaram, em diferentes países do Mundo, o fenômeno absurdo (na expressão exclamativa de Richet) da ectoplasmia ou materialização, e todos são unânimes em ratificar estas palavras do estudioso ocultista Charles Lancelin: “o ser materializado vive uma verdadeira vida fisiologicamente humana.”

            Nas materializações de laboratório, vemos ser necessário um médium para a sua concretização, e sempre se observou uma estreita relação entre este e aquelas, tanto que toda impressão recebida pelo ectoplasma repercute no médium, e reciprocamente.

            Todavia, a interdependência do ser materializado com o médium é muito variável, e, às vezes, ela quase deixa de existir, afirmando Geley que as formas materializadas têm tanto mais autonomia quanto mais bem materializadas.

            Na presença de Maximiliano de Meck, eminente ocultista que em vários países e por diversas ocasiões assistiu a sessões de materialização, deu-se o extraordinário fato que passaremos a narrar, extraído da obra de Raul Montandon – “Formes Matérialisées”:

            “Em Moscou, num grupo de sete pessoas, entre as quais dois médicos, manifestava-se, durante as sessões de estudo, o fantasma de um homem de uns quarenta anos, e que se movia entre os assistentes, com estes entretendo palestras, enquanto o médium, profundamente em transe, permanecia inerte em sua cadeira. O Sr. de Meck, que participava do grupo, certo dia teve a ideia, com o assentimento dos dois médicos presentes, de perguntar à entidade materializada se seria possível abrir-lhe as carnes dos braços com um bisturi, a fim de se verificar de que matéria um fantasma era formado. A entidade respondeu que de boa vontade aceitava submeter-se à experiência, mas que medidas de precaução deveriam ser tomadas, a fim de não prejudicar a saúde do médium. Após cinco meses de preparação, foi anunciado que a experiência poderia ser tentada, e, de fato, realizou-se. Diz o Sr. de Meck que o resultado foi totalmente inesperado: “Quando os dois médicos, depois de friccionarem o braço do fantasma com clorofórmio, o incisaram por meio de bisturi, puderam verificar que ele era formado de carnes humanas naturais. Mas, em seguida, ao incisarem o outro braço, certificaram-se, com grande surpresa, de que, abaixo da epiderme, não havia senão carne amorfa, uma espécie de pasta espessa e gelatinosa, semelhante à matéria ectoplásmica que certos experimentadores têm observado no curso de sessões de materializações.”

            Não podemos deixar de lembrar aqui duas maravilhosas experiências feitas com o médium Dr. Monck, que foi estudado por Alfred Russel Wallace, pelo arcediago de Cantuária, Colley, por Aksakof e outros. Num relatório assinado por cinco testemunhas (28), é apresentado o fato a seguir, obtido com o médium citado:

                (28) The Spirituallst, 1877, 11, pág. 287.

            “Propôs-se agora uma experiência única: a forma materializada beberia um copo d'água. O resultado foi que, enquanto o Espírito materializado bebia a água, diante de nós, de um modo visível, ouvindo-se até o ruído da deglutição, essa mesma quantidade de água era no mesmo instante rejeitada pela boca do médium.” Noutro relatório, lê-se o seguinte: “Pois que Monck (o médium) afirmava saborear tudo o que uma forma materializada absorvia, Colley assegurou-se desse fato, ao recolher dos lábios do médium “a casca e as sementes da maçã que o fantasma estava a ponto de engolir”, e, contudo, uma distância de dois metros separava o fantasma do médium.”

            Por estas notáveis experiências, além de outras, fica peremptoriamente demonstrada - a despeito do que disse Allan Kardec (“A Gênese”, XVI, § 36) - a possibilidade de a matéria do Espírito materializado apresentar-se coesa, com todas as qualidades da carne humana, e a possibilidade de ele comer e beber, aparentemente ou não, a exemplo do que se deu nos casos retro mencionados, e bem assim com o anjo de Tobias, com “o jovem de Londres” (“Revue Spirite”, janeiro, 1859) e com o próprio Mestre Jesus, antes e depois de sua ressurreição (Lucas, 24:41 a 43).

            “Não é mais possível, agora - escreveu Gabriel Delanne -, negar que o corpo fluídico objetivado não seja semelhante, em todos os pontos, e mesmo anatomicamente, idêntico ao nosso. É positivamente um ser de três dimensões, com morfologia terrestre.”

            Muita coisa ainda há que poderíamos apresentar à reflexão do leitor, mas deixamos de fazê-lo para não tornar demasiado longo este trabalho. Isto, entretanto, não impede que o leitor por si mesmo o faça, lendo as inúmeras obras que tratam do assunto.

            Se tais maravilhas, aparentes contradições da Natureza, se processam entre Espíritos muitíssimo inferiores em relação a Jesus, desconhecedores até do “modus operandi” das materializações, que eles explicam apenas superficialmente, que não poderia conseguir um Super--Espírito, como Jesus, enviado direto do Criador, e para quem não há segredos nas leis que presidem o Universo?!

            Talvez (e não é nada ilógico, e assim é provável) que ele não necessitasse de médium algum para materializar-se, carniformizar-se entre os homens; com os profundíssimos conhecimentos de que era possuidor, ele seria o médium de si mesmo, ele próprio criaria o seu corpo fluídico, tendo em vista, segundo o célebre vidente Emmanuel Swedenborg, que “no ar e no éter há uma grande quantidade de partículas que podem servir para compor imediatamente a matéria de um tecido orgânico, havendo, ali, princípios materiais perpétuos, que tornam possível semelhantes produções”.

            Aceitando-se, por hipótese, um corpo com os característicos acima, poderíamos daí inferir que toda e qualquer impressão sobre tal corpo se refletiria sobre ele mesmo, e não sobre um segundo, como geralmente acontece nas sessões experimentais do Espiritismo.

            Dessa forma, Jesus sofreria, por vontade própria, as dores corporais que o acompanharam até à crucifixão, e talvez as sentisse em grau muito superior, e talvez mesmo não as sentisse, qual sucedeu com muitos mártires dos primeiros séculos do Cristianismo, os quais se tornavam insensíveis às maiores torturas.

            A este ponto, o de se saber se Jesus sentiu ou não dor material, não ligamos a importância que certos confrades lhe querem dar. Só a descida de Jesus dos elevadíssimos páramos celestiais ao pequenino “nada” do Universo, que é a Terra, bastar-nos-ia para demonstrar o grande amor que ele nos dedica a todos, fornecendo-nos, ainda, um grande exemplo de humildade e submissão à Vontade Divina.[1]

            Para esses discípulos do Evangelho, que consideram de grande importância o sofrimento corporal de Jesus, o Espírito Emmanuel respondeu pelo lápis de Francisco Cândido Xavier, como lemos em “O Consolador”:

             “A dor material é um fenômeno como o dos fogos de artifício, em face dos legítimos valores espirituais.
            “Homens do mundo, que morreram por uma ideia, muitas vezes não chegaram a experimentar a dor física, sentindo apenas a amargura da incompreensão do seu ideal.
            “Imaginai, pois, o Cristo, que se sacrificou pela Humanidade inteira e chegareis a contemplá-lo na imensidade da sua dor espiritual, augusta e indefinível para a nossa apreciação restrita e singela.
            “De modo algum poderíamos fazer um estudo psicológico de Jesus, estabelecendo dados comparativos entre o anjo e o homem.
            “Em sua exemplificação divina, faz-se mister considerar, antes de tudo, o seu amor, a sua humildade, a sua renúncia pela Humanidade.
            “Examinados esses fatores, teria a dor material significação especial para que a obra cristã ficasse consagrada? Não constituiu a dor espiritual, grande demais para ser compreendida, o ponto essencial da sua perfeita renúncia pelos homens?      
            “Nesse particular, contudo, as criaturas humanas prosseguirão discutindo, como as crianças que somente admitem as realidades da vida de um adulto quando se lhes fornece o conhecimento, tomando para imagens o cabedaI imediato dos seus brinquedos.”

            Não erraríamos, ainda, se disséssemos, com os evangelistas, que Jesus morrera na cruz. A morte é o abandono total do corpo pelo Espírito. Jesus abandonou na cruz o seu corpo materializado, que, por algum tempo, assim se conservou, até desmaterialízar-se por completo no sepulcro onde fora posto. Tudo isto poderia ter acontecido, mas não é menos racional supor que se houvesse dado uma morte aparente, semelhantemente a casos dessa natureza observados entre nós, os humanos.

            As meticulosas observações de Geley quanto às materializações levaram-no a admitir que “na fisiologia supranormal (do ser materializado) não há, como substratum das formações orgânicas diversas, substâncias óssea, muscular, visceral, nervosa, etc.; há simplesmente a substância, a substância única, base, substratum da vida organizada.”

            Apreciando, por meio de inteligentes raciocínios, que, na fisiologia normal, se dá exatamente o mesmo, mas que, aí, o fato é menos aparente, ele chega à conclusão de que “tudo se passa em biologia como se o ser físico fosse essencialmente constituído por uma substância primordial única, cujas formações orgânicas não são senão simples representações”.

            Os Espíritos materializados, quando o permitem, deixam-se apalpar, abraçar, beijar, e até mesmo incisar na “carne”, como já vimos. Há casos em que o Espírito permite se lhe cortem mechas de cabelo e retalhos do vestuário, que às vezes têm duração bem longa, o que evidencia a possibilidade de uma materialização estável, por assim dizer.

            Quando os Espíritos materializados acham por bem não permitir tais intromissões em seus corpos, fazem que estes desapareçam instantaneamente, como tem sido observado em numerosas sessões experimentais, e mesmo naquela passagem de Lucas, 4:28 a 30.

            Do fenômeno de materialização só se sabe o ABC, e mesmo este ABC custou a ser admitido pelos sábios que estudavam as manifestações supranormais. Basta dizer que, logo que foi constituída a Sociedade de Pesquisas Psíquicas de Londres, esta só aceitou um axioma, tido como princípio fundamental, que dizia não haver fenômeno material, sendo tudo subjetivo. Gurney, Myers, Sidgwick, Podmore e outros partilhavam desse pensamento. Sidgwick desencarnou sem ter tido tempo para admitir mesmo a telecinesia e a materialização. Myers, a princípio bastante hostil às materializações, acabou pelas admitir, crendo com todas as forças da alma em sua objetividade. Podmore, ao que parece, jamais pôde resignar-se em nelas crer. Oliver Lodge também só posteriormente aceitou a realidade dos fenômenos materiais.

            A materialização ou ectoplasmia apresenta particularidades que só são percebidas de quando em vez por alguns experimentadores de mais sorte. Que não dizer daquilo que não foi percebido, daquilo que ainda não foi conseguido por deficiência do intermediário mediúnico ou do próprio manifestante?

            A materialização de animais, por exemplo, se não houvesse sido comprovada em algumas sessões mais ou menos recentes, talvez que fosse considerada pouco provável pelos próprios espíritas, senão considerada impossível. Entretanto, ela se deu e se repetiu diante de ilustres personalidades.

            É assim que, na Sociedade Polonesa de Estudos Psíquicos, em Varsóvia, obteve-se, em 1919, por várias vezes, com o médium Franck Kluski, a materialização de uma ave de rapina, que chegou a ser fotografada. Com o mesmo médium, o Dr. Gustave Geley comprovou, em 1923, em Paris, a realidade das materializações de animais, e fenômenos idênticos produziram-se com os médiuns D. D. Home e Jean Guzik, sendo que com este último as sessões se realizaram no Instituto Metapsíquico de Paris, ante a presença de notabilíssimos estudiosos.

            Estes fatos permitem-nos, agora, admitir que a pomba que surgiu quando João batizava Jesus, às margens do Jordão, bem poderia ter sido uma materialização momentânea, embora outras explicações aí também possam caber.

            Após a ressurreição de Jesus, este apareceu por quarenta dias aos seus discípulos, em diferentes ocasiões, e a mais de quinhentos irmãos de uma vez, sempre perfeitamente materializado, como se realmente fosse um homem, “de carne e osso”, como ele próprio afiançou aos apóstolos (Lucas, 24:39), tal qual o era antes da ressurreição.

            Referindo-se à opinião dos que admitem o corpo fluídico de Jesus (“A Gênese”, cap. XV, § 64), Kardec opinou que “semelhante fato não se pode considerar radicalmente impossível, dentro do que hoje (1868) se sabe acerca das propriedades dos fluidos”, concluindo que tal hipótese seria admissível, se os fatos a confirmassem.

            Ora, de 1868 até os dias atuais, numerosíssimos médiuns alargaram os horizontes da fenomenologia espirítica, descerrando aos sentidos humanos novos aspectos das leis cósmico-divinas que regulam as materializações, e que ainda encerram, latentes, um infinito potencial de maravilhas.

            Os fatos, corroborados em diversos países, confirmaram ser admissível a encarnação fluídica do excelso Espírito de Jesus!





[1] Grifo do blogueiro.


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