A "REVISTA DA SOCIEDADE ACADÊMICA DEUS,
CHRISTO E CARIDADE" HISTORIOU OS FATOS QUE
CULMINARAM, NO SEGUNDO IMPÉRIO, NA
PRIMEIRA PERSEGUIÇÃO AO ESPIRITISMO PÁTRIO:
1981 - ‘Centenário
de uma Perseguição’
(1881 – 28 de Agosto – 1981)
(Reformador Agosto
1981)
I
"Os dirigentes atuais da Federação Espírita Brasileira, cônscios
aos deveres que o Estatuto da Casa lhes impõe
e das obrigações que têm para com
o Anjo Tutelar da Pátria do Evangelho, procuram ser guardiães fiéis do
incalculável patrimônio espiritual e moral que lhes foi confiado e, por isso,
não transigem com os princípios da Doutrina codificada por Allan Kardec e nem
com as diretrizes da Casa de Ismael, recusando, inclusive, dar qualquer
agasalho a enganos ou a erros históricos, consciente ou inconscientemente
cometidos, particularmente quando de autoria de pessoas que não se possam
considerar insipientes." ("Reformador", 8/1978, pág. 268.)
Aos estudiosos da Doutrina Espírita
não escaparam, por certo, os extraordinários conceitos emitidos pelo Espírito
Humberto de Campos, na obra "Brasil, Coração do Mundo, Pátria do
Evangelho", editada pela FEB, na qual o emérito escritor patrício
desencarnado nos enviou do plano extra físico, onde moureja, instrutivas e
consoladoras informações da nossa História, na qual falecem as maquinações e os
perjúrios da má vontade humana,
O nosso querido Humberto de Campos,
jornalista e escritor consagrado que foi entre os terráqueos, após despir
a roupagem carnal, não se homiziou nas prerrogativas do seu valor acadêmico,
mas, valoroso como
sempre, tornou-se um grande repórter da Espiritualidade, pesquisando e narrando
nos episódios marcantes
da História da nacionalidade, sem desvios ou mistificações, porque suas
Informações foram colhidas na fonte augusta do Além, dando-nos a beber a linfa
pura e cristalina da verdade, que não se coaduna com os transitórios e
mesquinhos interesses humanos e que não obedece a outros princípios que não
sejam aqueles que interessam á coletividade, sem medos ou subterfúgios.
Na obra citada, em seu XXIII capítulo,
intitulado "A Obra de Ismael", ele nos fala dos primeiros passos da
Doutrina do Consolador nas Terras do Cruzeiro, sob a égide desse generoso Guia.
São citados os humanitários médicos Bento Mure e Vicente Martins, que por volta
de 1840, antes mesmo da Codificação, conheciam a mediunidade, o valor dos
passes espirituais e magnéticos, além de
terem sido apóstolos da Homeopatia. A fulgurante divisa "Deus, Cristo e
Caridade", inscrição sublime da alvinitente bandeira Ismaelina, serviu a
ambos, via intuição, como elemento impulsionador de permanentes vitórias.
Outros heróis anônimos e devotados seguiram lhes as pegadas, aliviando e
curando aflitos e necessitados, sob as bênçãos de Jesus. Os fenômenos ocorridos
com as irmãs Fox, em Hydesville (E.U.A.), de inestimável valor no campo
fenomênico, repercutiram no Brasil, durante o Segundo Reinado.
A intelectualidade da Corte,
entusiasmada pelos notáveis acontecimentos, iniciou então seus estudos sobre a
fenomenologia mediúnica, conquistando ardorosos adeptos, dentre eles o Marquês
de Olinda e o Visconde de Uberaba. Treze anos após Hydesville, em 1860,
despontaram os primeiros beletristas espíritas. Através do "Diário da
Bahia", o Dr. Luís Olímpio Teles de Menezes, tendo a secundá-Io alguns
colegas, repelia inverdades assacadas contra o Espiritismo, publicadas na
"Gazette Médicale".
Essa louvável atitude desses
pioneiros do jornalismo espírita chegou até o Codificador, que se rejubilou com
o acontecido, certo ficando da expansão universalista da novel Doutrina.
O decesso do mestre lionês em 1869
não desencorajou os profitentes espíritas. A luminosa e bendita semente da
Codificação extrapolara o Velho Continente e ainda naquele ano surgia o
primeiro periódico espírita -
"O Eco de Alérn-Túmulo" -, sob a firme direção de Luís Olímpio Teles
de Menezes.
Por injunções materiais e sob a
inspiração da Espiritualidade, a fim de que se agregassem num só núcleo os
dispersos adeptos do Espiritismo, foi fundado em 1873 o "Grupo
Confúcio", que teve vida efêmera, mas balizou o desdobramento em bases
austeras do Cristianismo Redivivo, em terras brasileiras.
Três anos após, exatamente em 1876,
os elementos que não se dispersaram após a dissolução do "Grupo
Confúcio", onde muitos foram envolvidos pela discórdia oriunda da
invigilância, fundaram a "Sociedade de Estudos Espíritas Deus, Cristo e
Caridade", na qual pontificaram grandes vultos do Espiritismo pátrio,
dentre eles: Francisco Leite de Bittencourt Sampaio, Doutor Adolfo Bezerra de
Menezes e Antônio Luiz Sayão.
Dai em diante, ou seja, a partir de
1876, acontecimentos vários, todos eles oriundos das imperfeições humanas,
tumultuaram o ambiente da referida Sociedade, até chegar--se à fundação da
"Sociedade Acadêmica Deus, Cristo e Caridade".
Neste humilde e despretensioso
escorço, não nos moveu qualquer intento de reescrever o que tão explicitamente
foi estampado, na magnífica obra de autoria espiritual de H. de Campos, através
da abençoada mediunidade de F. C. Xavier. Fizemo-Io como abordagem ao assunto
que pretendemos enfocar - o centenário da perseguição ao Espiritismo no Brasil
-, fato que se tornou patente no ano de 1881.
Com a devida vênia, declaramos haver
recorrido à obra já citada, e, para mais amplas e melhores elucidações
quanto aos pródromos do Espiritismo pátrio, também nos valemos do primoroso
artigo de Pedro Richard, publicado em "Reformador" de 15 de setembro
de 1901 e inserido na Introdução da obra "Trabalhos do Grupo Ismael",
de Guillon Ribeiro (no perlodo de julho de 1939 a dezembro de 1940), editada
pela FEB (esgotada).
Após esses esclarecimentos, eis-nos
diante de fatos relevantes que bem configuram as atitudes cavitosas dos
inimigos gratuitos dos espíritas, e a partir de 1881, pelas autoridades
constituídas do Segundo Império,
valendo sobremaneira relatar a veracidade dos acontecimentos quanto à
perseguição, mas, de igual maneira,
destacar-se a nobreza de caráter de Sua Majestade D. Pedro de Alcântara (D.
Pedro II), que, embora
discordando dos princípios doutrinários espíritas, não aconselhou, acolheu ou
determinou qualquer ação penal contra os seus adeptos, mantendo-se dentro dos limites
do Direito, da Justiça e da Razão.
A essa altura já se pode sentir,
claramente, a penetração do Ideal espiritista no Brasil, as dissensões até certo
ponto naturais entre os seus primeiros trabalhadores, e o esforço angélico e permanente de Ismael, a
fim de que a semente bendita do Cristianismo encontrasse condições de
sobrevivência entre nós.
Atingia-se, àquela época,
indubitavelmente heroica, o momento das primeiras lutas, ante as arremetidas
dos "aborrecidos da luz", encarnados e desencarnados, que
açodadamente investiam para destruir a Terceira Revelação que surgia.
Seria demasiado à História do
Espiritismo o não topar no Brasil com detratores, malevolentes e arredios aos
seus ensinamentos, porque o misoneísmo é fator intrínseco à natureza humana, e
a ausência dessas
refregas até desmereceriam a trajetória de quantos lutaram nas linhas de
frente, pugnando não pela supremacia
de seus ideais, mas pelo reconhecimento público dos mesmos, sempre lastreados
nos ensinamentos cristãos, amparados na prece e na humildade, mas firmes e
resolutos em defesa de suas
convicções.
O advento da "Sociedade
Acadêmica Deus, Christo e Caridade", fundada no Império do Brasil em 3 de
outubro de 1879, e o consequente aparecimento de sua Revista, em janeiro do
1881, causador de um
certo constrangimento, visto que era a Igreja Católica intimamente ligada ao
Estado, não impediu o novo órgão de divulgação de manter bons níveis de contato
social.
Agindo com acerto, a 3 de outubro de
1880 inaugurava a referida Sociedade a sua Biblioteca, abrindo-a ao público e,
ao mesmo tempo, constituindo-a fecho de
ouro ao dia no qual se comemorava o seu primeiro aniversário de instalação.
Pode verificar-se, compulsando-se o primeiro
número da Revista da "Sociedade Acadêmica", que no seu dealbar
a nova instituição manteve correspondência com sociedades espíritas de Paris e
Buenos Aires; participou das exéquias de D. Pedro V, Rei de Portugal, aceitando
convite da "Sociedade Caixa de Socorros D. Pedro V", em 11 de
novembro de 1880. Relacionava--se, ainda, com o "Real Club Ginástico
Português", o "Grande Oriente Unido do Brasil", além das Lojas
Maçônicas "Liberdade e Fraternidade", "Abnegação”,
"Gangareli do Rio", e a "Imperial Sociedade União Beneficente Vinte
e Nove de Julho", "Congresso Ginástico Português", "Euterpe
Comercial", "Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro" e
"Sociedade Portuguesa de Beneficência". Fez-se representar, através
de comissões, em atos religiosos e profanos, como: saimento e sufragação do
Ilustre brasileiro José Maria da Silva Paranhos (Visconde do Rio Branco) e envio
de felicitações à Família Imperial no 55º aniversário natalício do Monarca.
Havia, portanto, extenso e intenso
trabalho no campo das relações externas da Sociedade, objetivando, por certo,
angariar leais simpatias, respeitadas as suas normas estatutárias de 30 de
setembro de 1879,
posteriormente homologadas.
II
A seguir, verifica-se o envio de
diversos Jornais à Sociedade, alguns oriundos da Corte, outros das províncias,
todos encaminhados carinhosamente à encadernação. Por sua vez, a Revista da
Sociedade era enviada a
diversas redações, havendo, como se depreende, um natural Intercâmbio jornalístico.
Dando expansão às suas atividades,
foi criada uma "Sala de Leitura", à disposição do público, na Rua da
Alfândega, 120, no horário compreendido entre 10 da manhã às 3 da tarde. Mais
ainda: a Revista da Sociedade Acadêmica propôs-se a Inserir matérias de outras
publicações, mesmo que infensa às suas Ideias. Obviamente, era uma forma do
exercício prático e legitimo da liberdade de pensamento.
Aliás, a esse respeito, ainda que de
passagem, seria Interessante anotar-se que o referido órgão espírita, enviado a
diversos co irmãos da imprensa, religiosa ou não, recebia tratamento cordial ou
hostil segundo os
destinatários. E quando dessas Inserções, ao servir-se de suas páginas para
transcrições de noticias de outros hebdomadários, a Revista demonstrava o alto
espírito democrático de que se achava imbuída. Exemplificando, vejamos o
comentário da "Gazeta da Tarde", em 15 de fevereiro de 1881: "A Revista está escripta em bonito estylo e
com bastante talento"; ao contrário, afiançava "O Cruzeiro"
de 18 de fevereiro de 1881: "O
Spiritlsmo, nome novo de uma crença antiga e transmitida através dos séculos,
tem numerosos adeptos, como é natural em uma sociedade sem religião, que
lança-se sempre no maravilhoso, e ja possue uma associação que encetou
a publicação da Revista (etc., etc., etc.). Fica em nosso poder o 1º número e agradecemos."
Tornar-se-ia cansativo citar-se aqui
a maior parte do que foi escrito sobre o aparecimento do mensário que divulgava
as luzes do Espiritismo e que, segundo se nos parece, se não possuía o mérito
de mostrar publicamente o tríplice aspecto da Doutrina Espírita, tomando-a mais
como Ciência, jamais se acovardou ante as arremetidas daqueles que negam e
combatem aquilo que sequer conhecem.
Diante deste quadro, pode
verificar-se, no cômputo geral, naquelas eras primevas, que tinhamos alguns
poucos adeptos, seguindo-se a legião dos complacentes ou até inimigos
declarados e gratuitos.
Exatamente neste ano de 1981 pode
comemorar-se o primeiro centenário da perseguição aos espíritas em terras
brasileiras.
Se escapamos ao martírio físico e
moral que as autoridades da época tentaram impingir aos bravos confrades
pioneiros, isto se deveu à ação de um monarca dotado de imensa dignidade e
senso de justiça - o Imperador do Brasil, D. Pedro II.
Um dos fatos mais claros, que bem
identificava o que pretendiam os
nossos detratores, foi o que ocorreu na
cidade de Areias, província de São Paulo, onde um grupo se amotinou contra as
reuniões espíritas, que ali eram realizadas.
Transcrevemos, a seguir, trecho
sobre o assunto em tela: "E, desde
que sejam ofendidos em seus direitos ou perseguidos de qualquer modo, a
Sociedade Acadêmica Deus, Christo e Caridade cumprirá aquele dever sagrado, que se impoz, de
advogar a causa da verdade contra o erro, da tolerancia contra o fanatismo;
mesmo porque, perante o artigo 179 da Constituição que procuramos fazer
respeitar, ninguém no Brazil póde ser perseguido por motivos de opiniões
políticas ou religiosas, e portanto muito menos pelas scientificas; desde que
respeitem a ordem e não ofendam a moral pública. Por isso não podemos passar
sem um protesto o attentado de que foram victimas diversos cavalheiros e
senhoras, que se achavam reunidos na residência do Sr. tenente-coronel Joaquim
Silverio Monteiro Leite, na cidade de Arêas, província de São Paulo, na noite
de 20 de março proximo passado."
Tal ocorrência, em 1881, foi notória
quanto à perseguição ostensiva movida por profitentes de outros credos, quem
sabe até por simples arruaceiros, sempre dispostos a perturbar o sossego
público. É bem crível que outras de Igual natureza tenham ocorrido pelo Brasil
afora, embora não registradas, em face da ineficiência dos meios de comunicação
então existentes.
Um caso assim ofereceria ao olhar
público a sintomatologia evidente da má-vontade, do egoísmo declarado,
gerador de outros mais audazes, se não houvesse um posicionamento defensivo por
parte dos ofendidos. Entretanto, o que melhor se pode oferecer com relação ao assunto enfocado é passar ao relato do
ocorrido, quando a "Sociedade Acadêmica Deus, Christo e Caridade" foi
diretamente perseguida pelas autoridades constituídas ao solicitar ela sanção
do Governo Imperial às suas atividades.
Relativamente aos fatos acontecidos,
há que se destacar alguns "pareceres de Estado" sobre o assunto
ESPIRITISMO, as contestações aos mesmos por parte da instituição requerente, de
tudo resultando saber-se o que pensava o Governo Imperial da novel Doutrina,
tanto quanto a digna, ponderada e corajosa posição assumida pelos semeadores do
Cristianismo Redivivo há um século.
Segundo se pode depreender da
leitura da "Revista da Sociedade Acadêmica Deus, Christo e Caridade, às
páginas 306, em seu ano I, 1881, outubro, nº 10, essa instituição podia funcionar
normalmente, sem maiores problemas com as autoridades governamentais, pois
estava amparada pelo Decreto-Lei nº 2711, de 19 de dezembro de 1860, do Governo
Imperial, que permitia a existência social, sem cogitar-se de registros
estatutários das Sociedades Científicas e Literárias. E, em verdade, tudo
corria normalmente, sem maiores embargos, senão os causados por excitados e
gratuitos detratores, quando a Sociedade houve por bem, baseada no
artigo 42 de seus próprios Estatutos, requerer a aprovação destes, a fim de
garantir a aquisição e direito de propriedade de um prédio, que serviria de
local de reunião e preservação de seu acervo.
Para isso, impetrou o requerimento
necessário, de acordo com a legislação em plena vigência. Tendo o requerimento
sido apresentado em 14 de novembro de 1879, para espanto dos requerentes, teve
um precipitado despacho que foi publicado no "Diário Oficial" de 16
do mesmo mês (anotem, apenas dois dias após), com o seguinte teor: "Já foi
indeferido em vista da consulta e Resolução Imperial de 22 de fevereiro do corrente
ano."
Ora, convenhamos, como se não bastasse
tamanha rapidez a derrubar uma natural demora burocrática (protocolo do requerimento,
análise e despacho do mesmo, etc.), ainda se indeferia algo que àquela data
- 22 de fevereiro de 1879 - nem existia, pois fora fundada a 3 de outubro de
1879. Logo, indeferia-se o que não se tinha solicitado.
Inconformada com tão Injusto indeferimento,
que pecava na forma e no fundo, pôs-se a Sociedade em busca de
seus direitos, tendo recebido apoio dos mais eminentes advogados do Foro,
apoiada que se encontrava pelo Decreto-Lei nº 2711, da própria Constituição do
Império. Como citou a Revista nessa ocasião, "os inImigos do Espiritismo
dispunham de instrumentos dóceis na Secretaria do Império".
Estava meridianamente claro que o Indeferimento
se referia a outra instituição, que não a "Sociedade Acadêmica",
que prosseguiu seus trabalhos normalmente.
Com relação à marcha dos
acontecimentos, assim se expressou sua Revista, Ano I, 1881, setembro, nº 9:
"Entretanto, o Governo do Brasil,
representado pela 2ª Diretoria da Secretaria do Império, na sua informação,
pela secção do Conselho de Estado, no seu parecer, por um Ministro do Império,
em seu despacho, e pelo Monarcha que o referendou, considera sociedade secreta
um Grupo Spirita, a pretexto de não serem públicas as suas sessões."
Com o Intuito de evitar
mal-entendidos, eis que a Sociedade, a 22 de dezembro de 1880, participou ao
Sr. Chefe de Polícia da Corte sua existência e funcionamento.
Tudo parecia serenado, quando a
Sociedade foi despertada por notícias alarmantes a seu respeito, publicadas
em "O Cruzeiro" e "Jornal do Commerclo", a 22 de agosto de
1881, que informavam a seus leitores
que o Chefe de Policia mandara sustar suas reuniões.
A serena mas firme decisão da
Sociedade foi a de comparecer ante o Sr. Ministro da Justiça, para saber da
veracidade de tais fatos, tendo os seus Diretores sido tranquilizados por S. Exma..
Mas, às 12 horas do dia 30 de agosto de 1891, um Oficial de Justiça entregou à
Instituição espírita uma intimação datada de 27 do mesmo mês, de parte do Dr.
Alberto Fialho, 2° Delegado de Polícia da Corte no Rio de Janeiro, proibindo-a
de reunir-se socialmente, "visto não estarem os seus Estatutos devidamente
aprovados pelo Governo Imperial na forma do que dispõem os Capítulos 1º, 2º e
3º da Lei nº 2711, de 19 de dezembro de 1860".
Fora abaixo a promessa de S. Exma. o
Sr. Ministro da Justiça, que tanto tranquilizara a Sociedade; prevalecera o
poder de polícia do Sr. Delegado e a Sociedade, que nada de secreta tinha, era
tomada como tal, sem maiores pesquisas ou delongas, configurando-se o ilícito de
uma perseguição malévola, pertinaz e desastrosa.
Novamente a Sociedade voltou, em
comissão, ao Sr. Chefe de Policia, que fez algumas concessões, as quais
não a satisfizeram "in totum", pois "a Sociedade Acadêmica precisa, quer e há de ter uma posição definida; cônscia
de seus direitos nada pede; exige tolerância e respeito mútuo. Em um povo
livre, o cidadão, quer Individual, quer coletivamente, não pode ser obrigado a
fazer senão o que as leis exigem".
A partir desses acontecimentos, e
por duas vezes, a "Sociedade Acadêmica Deus, Christo e Caridade" foi
à presença de S. Majestade, D. Pedro de Alcântara, com intervalo de 15 dias
entre ambas, com exposição de motivos, e nessas duas ocasiões ficou bem
configurado o caráter adamantlno do Monarca que, sendo Infenso ao Espiritismo e
assim o dizendo, aconselhou seus profitentes a buscarem outros estudos, mas,
ante os argumentos legais que lhe foram apresentados, proibiu terminantemente
qualquer perseguição à Doutrina Espírita.
Adiante, citaremos trechos dos diálogos
havidos entre a Diretoria da Sociedade e Sua Majestade D. Pedro de
AIcântara, mas antes de fazê-Io achamos Interessante transcrevermos tópicos
referentes ao Espiritismo, emitidos pelo "Conselho da Estado", pinçados
de algumas publicações da Revista Acadêmica, Lendo-os, tem-se uma visão perfeita
do estado de ânimo dos detentores
do poder, que não perdiam oportunidade de combater o Espiritismo nascente em
nossa terra.
Citaremos, igualmente, as
ponderações daqueles que defendiam o direito sagrado e inalienável de defender os
postulados doutrinários que hoje nos irmanam, de maneira pacifica, buscando as
grandes realizações do Espírito.
III
“Alguns
pareceres do Conselho de Estado e análise dos mesmos através da “Revista da
Sociedade Acadêmica Deus, Christo e Caridade”.
Nesta sequência do trabalho que
vimos elaborando, os "Pareceres de Estado" serão citados entre aspas e
as análises dos mesmos sem elas, a fim de melhor identificá-Ios; outrossim, é
nosso intento lembrar que
respeitamos a ortografia da época, procurando dar o mais perfeito cunho de
autenticidade ao assunto em tela.
"A
Doutrina Spirita nega dogmas fundamentais do catholicismo."
- o catholicismo official, no art.
278 do Código Criminal, só impõe como dogmas a existência de Deus e a
immortalidade da alma, verdades aceitas e demonstradas pela sciencia spirita.
Como é, pois, que a 2ª Diretoria da Secretaria do Império afirma que o Spiritismo
nega dogmas fundamentais do Catholicismo?
"Considerando
pelo lado social não se póde deixar de reconhecer que o Spiritismo é uma
doutrina funesta e extremamente
perigosa."
- De facto, para aqueles que querem
crer que tudo se acaba com a vida corporea, o Spiritismo é funesto, porque os
faz tremer ante essa terrível verdade - a continuação da existencia - tendo em perspectiva
o sofrimento; é extremamente perigoso para os que só aspiram os gosos
materiais, entregues de corpo e alma aos apetites da carne, engolfados nas
paixões mundanas.
"Tem
se observado por toda parte que a pratica do Spiritismo corresponde
inexoravelmente a manifestação de graves males, quaes os casos de suicidio, de
loucura."
- Esta proposição, contida n'uma informação
da Secretaria do Império, devia ter por base as estatisticas; como, porém,
estas contradizem tal asserção, ficaram sem citação.
"Parece-me,
pois, que não póde funcionar com autorisação do Governo uma Sociedade que se
propõe a fins contrários à religião do Estado."
Ninguém que esteja no inteiro uso da
razão, livre de qualquer pressão extranha, dirá que praticar a caridade
evangélica e contribuir para o progresso moral da sociedade é contrário à religião
do Estado; e si na opinião do Governo o era em 1878, parece que mais tarde
deixou de o ser, porque em 1880 o Governo approvou, pelo Decreto 7.907 os Estatutos
da Sociedade Religiosa Igreja Evangélica Flumlnense, que, propondo-se a
conduzir-se com os preceitos de Christo nas Escripturas Sagradas, não aceita a
Igreja do Estado.
"Encarada
sob este ponto de vista, a pretendida sociedade deve reger-se pelas disposições
do Código Criminal, art. 282 e da Lei de 3 de Dezembro de 1841, art. 49, parágrafo
39, pelo que só necessita da Inspeção da policia e não da auctorização do
Governo."
- Que essas disposições aproveitem
às sociedades secretas; porém, a Sociedade Acadêmica Deus, Chrlsto e
Caridade só se utilisará dellas, enquanto não for reconhecido seu melhor
direito perante a lei.
"
... Que haja pessoas ilustradas, e mesmo de boa fé, que acreditem em taes
doutrinas,"
- Isto prova que a secção do Conselho
de Estado nenhum conhecimento tenha daquilo de que tratava; pois o Spiritismo
não é matéria de simples crença, porém de acurado e profundo estudo, cousa de
que facilmente se convencerá todo aquele que quizer, afirmamos que elle chega à
alma por meio da percepção dos factos externos e não dos internos somente.
Aqui estabelecemos uma parada nessa
série de considerações (ou desconsiderações ao Espiritismo), por parte
do Conselho de Estado do Governo Imperial e as respectivas respostas às mesmas
elaboradas pelos confrades da época, na certeza de que ficou bem configurado o
tentame coercitivo por parte das autoridades em Impedir a livre associação de
cidadãos, para o estudo e divulgação da Doutrina Espírita, àquela altura, encarada
mais como Ciência pelos seus profitentes, que mesmo apresentado e estudado sob
seu tríplice
aspecto.
Com a devida vênia dos irmãos leitores
e segundo nosso modesto prisma ao analisarmos esses fatos que
ocorreram há um século, desejamos despertar-Ihes a atenção para algo que medeia
entre o curioso e o belo. Trata-se da descrição bem resumida de diálogos
mantidos entre os representantes da "Sociedade Acadêmica Deus, Christo e Caridade"
e Sua Majestade D. Pedro de Alcântara.
Ante tantas Incompreensões, tantas idas
e vindas, tantas contradições por parte daqueles que exerciam o poder legal,
mas parecendo-nos que jamais se deram ao mero trabalho de ler atentamente os
Estatutos da Sociedade que insistiam em proibir de funcionar ou deixá-Ia em
constante vigilância desnecessária, limitando-lhe Inclusive o seu número de
adeptos por reunião, resolveu-se Ir direto ao Monarca, última Instância a que
se teve de recorrer, para preservar-se ao Espiritismo o direito sagrado e inalienável
de vigir.
Do primeiro encontro havido entre os
representantes da Sociedade coagida e Sua Majestade - D. Pedro de Alcântara -,
podem destacar-se os seguintes trechos:
O Relator - A Diretoria da Sociedade
Acadêmica pede vênia para depor nas mãos de Vossa Majestade Imperial esta
exposição, corroborada pelos números de sua Revista até hoje publicados, esperando
os sábios conselhos de Vossa Majestade.
Sua Majestade - Eu não creio no Espiritismo;
estou de acordo com as ideias do Parecer do Conselho de Estado.
O Relator - Estamos convencidos de
que Vossa Majestade protegerá a Sociedade Acadêmica, que está sendo, perseguida
porque estuda o Espiritismo.
Sua Majestade - Eu não consinto na
perseguição; mas só protejo as ideias com que simpatizo.
O Relator - Pedimos a proteção de
Vossa Majestade para fazer reconhecer e respeitar o direito que temos de
estudar.
Sua Majestade - Os senhores têm o
direito de estudar tudo; mas os aconselho que estudem outra coisa.
O Relator - Nós estudamos tudo,
inclusive a Constituição do Império.
Como resultância desse primeiro encontro
ficou acertado que D. Pedro de Alcântara leria a exposição da Sociedade,
arquivada sob o nº 216, e que deveria voltar à sua respeitável presença, no prazo
de oito a quinze dias, o que realmente ocorreu.
Abaixo, são citados trechos desse
memorável segundo encontro:
Diretoria - Senhor! Vimos receber os
sábios conselhos que tivemos a honra de solicitar de Vossa Majestade
Imperial, a bem dos nossos direitos.
Imperador - Procurem o Ministro do
Império e entendam-se com ele.
Diretoria - Dentre as petições que
temos dirigido ao Governo, reclamando as garantias que a lei nos concede,
algumas têm sido indeferidas, outras não têm tido despacho: e agora, como há
dias viemos comunicar à Vossa Majestade, a Autoridade Policial julga-se habilitada
para impor-nos a suspensão dos nossos trabalhos. Até então a perseguição era
dissimulada; tornou-se ostensiva, há violência contra uma Associação, toda benéfica
e ordeira, como provam todos os seus atos.
Imperador - Mas o que é que os
senhores desejam? Querem aprovação dos Estatutos? Eu estou com as ideias
do Parecer.
Diretoria - Perdoe-nos Vossa Majestade;
mas, como demonstramos nas Revistas, cuja coleção acompanhou
a representação que tivemos a honra de entregar à Vossa Majestade Imperial,
esse Parecer não é aplicável a esta Sociedade; e só pedimos a aprovação dos
Estatutos, porque determinando eles no Art. 42 a aquisição de prédios em que
funcione a Academia Espírita com os Gabinetes, assim o cumpriremos; e desejamos
garantir o direito de propriedade; pois que o direito de funcionar sem pedir aprovação
dos Estatutos nos é garantido como Sociedades Científicas e Literárias.
Imperador - Mas o Espiritismo não é ciência.
Diretoria - Pedimos vênia à Vossa Majestade
para ponderar que todos os fenômenos do Universo, sendo
susceptíveis de observação e análise científica, os fenômenos espiríticos,
embora qualificados de metafísicos e sobrenaturais não deixam por isso de ser
fatos, e sendo submetidos ao estudo pelo método experimental, chega-se ao conhecimento
das leis que os regem, e isso constitui a Ciência Espírita.
Imperador – Ah! assim, desse modo
sim, mas é melhor que ocupem o seu tempo com outros estudos.
Diretoria - Foi para pedir à Vossa
Majestade, zeloso das prerrogativas da Coroa, e o primeiro a dar o exemplo de
obediência à lei, no cumprimento dos seus deveres, que nos proteja contra a perseguição.
Imperador - Ninguém os perseguirá.
Mas... não queiram agora ser mártires.
Diretoria - Acreditamos que o século
das luzes não é mais tempo de martírios; nem queremos o papel de mártires mas
pedimos a tolerância, e solicitamos como prova de respeito à lei que os nossos Estatutos
sejam aprovados, de acordo com o que preceitua o Decreto nº 2711.
Ao término deste trabalho, no qual
tentamos descrever, ainda que palidamente, alguns acontecimentos ocorridos em
1881, é de ressaltar-se o espírito pioneiro e indômito de confrades que, embora
respeitando as leis vigentes no Segundo Império, jamais se curvaram às injustas
perseguições que se Ihes tentou Impor, buscando no acrisolamento da Fé e da
Virtude o refúgio seguro para as horas de intempérie, e
lastreados no culto à Lei e à Ordem, conseguiram vitoriar-se publicamente no
campo do Direito.
Mas outra poderia ser a História, se
a abençoada Pátria Brasileira, àquela época, não tivesse a governá-Ia o ínclito
Imperador D. Pedro II, que, embora católico de berço e convicção, não titubeou em
impedir as calamitosas e gratuitas perseguições à Doutrina Espírita, cuja semente
aqui apenas germinava, dando à posteridade uma prova Incontestável de seu senso
de justiça e amor ao próximo, inscrevendo mais uma vez o seu nome como
verdadeiro paradigma no cenário político-histórico-social desta Nação que tanto
amou, e cujos filhos até hoje o veneram, mercê de seus dotes pessoais de grandeza
espiritual.
Iaponan Albuquerque da Silva
Nota da Redação - Em
alguns trechos entre aspas, foi obedecida a grafia da época.
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