Ainda a
Paz
Redação
Reformador (FEB) 1º
Dezembro 1918
De grandes responsabilidades para a família espírita é a
época tumultuosa que vamos atravessando (final
da 1ª Grande Guerra). Supor que a
cessação de hostilidades no campo material da luta importa na tranquilidade dos
espíritos para a posse imediata de uma relativa felicidade e desafogo de consciência,
é concluir pelo avesso dos ensinamentos de nossa doutrina.
Se a guerra ostensiva teve, como é licito depreender do
mecanismo de evolução espiritual, a virtude de abalar homens, classes e princípios
em seus fundamentos, preparando-os, quiçá, para entrever de melhor feição
problemas imanentes e oportunos, certo é que, não extirpou, antes teria aguçado,
o ancestral egoísmo de todos os tempos e situações, que põe na resolução e
conquista de qualquer benefício individual ou coletivo o sinete da Dor como
patrimônio inalienável desta Humanidade.
Nem aqui se fazem aquisições suaves e profícuas em
detrimento da lei de trabalho.
A redenção que o Divino Mestre nos trouxe num gesto de
amor, há vinte séculos, foi a da cegueira ingênita para a compreensão das
coisas divinas, que implicam virtualmente os nossos destinos, não como “coisa”
acidentalmente pensante e agente-meteoro fugaz luzindo por um segundo em
firmamento indefinido para mergulhar em trevas mas como ser consciente, eterno
e progressivamente livre para a conquista da verdade.
Ora, repetimos glosando o nosso anterior escrito: os homens
de governo, em que pesem qualidades altruísticas que lhes não infirmamos,
derivadas de princípios filosóficos hipotéticos artificialmente adquiridos - ou
latentes e estratificadas na elaboração do seu passado espiritual - os homens, insistimos,
não se nos afiguram capazes, por si sós, de arrostarem com fatores
predominantes quais o orgulho, a vaidade, a cobiça que, parcelados na alma de
cada ser, tomam, no corpo das cogitações político-sociais e raciais o aspecto
de ideias coletivas.
Um simples e perfunctório exame dos assuntos que se
agitam, das teses que se esboçam nas esferas dirigentes da política
internacional, é de molde a justificar as nossas dúvidas sobre a paz da humanidade,
no ponto de vista único que a pode felicitar.
Efetivamente, de tudo se fala: de pautas alfandegárias,
de acordos econômicos de zonas industriais, de liberdade dos mares, de fronteiras
e domínios geográficos...
Do que se não fala, do que se não cogita é da graduação
de nível moral, de liberdade de consciência e isto, a nosso ver logicamente,
porque a moral social, de que é corolário a moral administrativa e penhor a
individual, essa implica a Fé no sentido de uma sanção superior, ou seja divina,
e essa não a têm os legisladores e cabeças de povos contemporâneos.
A vida humana pelo prisma das filosofias prediletas não
passa de uma fatalidade irremovível, num lapso de tempo que é preciso preencher
de qualquer forma e a despeito de tudo.
A seleção natural é a consagração do mais forte e se a
planta melhor aquinhoada por hereditariedade fixada ou por adaptação
progressiva, sem objetivo inteligente asfixia a vizinha que a sombreia e lhe
disputa os elementos nutritivos subjacentes, o indivíduo o pode e deve fazer no
intuito de conservação da espécie.
Calcule-se a que extremos podem conduzir teorias deste
quilate, dedutiva ou indutivamente generalizadas!
Mas, certo, já o leitor concluiu o nosso raciocínio, à
revelia do panegírico negro de uma civilização que sempre se caracterizou na luta
de indivíduos contra indivíduos, de famílias contra famílias, de classes contra
classes e de povos contra povos, cada qual procurando o seu melhor e regalado lugar
ao sol de um dia que breve passa.
A religião, ou antes as religiões poderiam, como puderam
até certo ponto, refrear os desmandos de um tal cego determinismo, se de há muito
pela sua peculiar dogmática intransigente não houvessem inquinadas do mesmo vício
original de ceticismo, perdido o ascendente de prestígio na consciência das
massas pensantes, com o ministrar-lhes ideias vagas de um Deus humanizado em
ficções que diríamos idiotas, se nos não tolhesse a gravidade do assunto e as
próprias tradições de compostura, tanto quanto a noção exata do seu oportunismo
histórico.
Delas, portanto, nada há que esperar neste transe difícil,
e assim, a humanidade em surdo cachões (ondas) de mar rugidor se estortega (torce)
e despedaça em parcéis (bancos de areia) de ódio, espraiando-se em ilusões e
utopias, para de novo contrair-se na louca arremetida brutal.
E será sempre assim?
Nós sabemos que não.
Sabemos que há uma inteligência Suprema a regular todas
as coisas de todos os mundos, de um Universo indefinido mas real.
Sabemos mais que todas as ideias como todos os fatos se entrosam
na escala do aperfeiçoamento e da felicidade geral, bem como que, em todas as
vicissitudes planetárias há coeficientes de amor e justiça divinos.
Entretanto, sabemos também que o homem, ser decaído
originariamente de planos superiores, por orgulho, tem de reconquista-los tanto
por graça no auxílio do alto, quanto pelo seu próprio esforço e daí, a
significação da hora presente para tomarmos o nosso posto de observação e vigilância,
aguardando com serenidade os acontecimentos e buscando tanto quanto em nós
caiba facilitar aos mensageiros de Jesus a regeneração racional do planeta.
Os filósofos, os sábios, os intelectuais terrenos a que
agora por esnobismo genericamente se chama - a elite, arquitetam planos, facetam
teorias e pensando fazer realismo prático, sonham o sonho milenar da posse
deste mundo opaco que, menos que um átomo de poeira no turbilhão da vida
universal, não lhes pertence nem pertencerá jamais, senão a título precário de
apressados itinerantes.
Realistas, no mínimo, tão visionários quanto nós outros,
esquecem-se de que por esse mesmo sonho trouxeram a humanidade por gerações
sucessivas a este “pandemonium” de dúvidas
e desesperos, que fazem da sua história um tratado de teratologia (monstruosidade)
moral, que o faria renegados e malditos a todos, se mais autores que atores
fossem desse passado tão real como o presente e como o futuro, para o qual pretendem
legislar.
Deixemo-los, porém, assim entregues a sua tarefa, como quem
a compreende e pode justificar, mas procuremos zelar o patrimônio de fé e que
nos foi dado edificando corações para o amor d’Aquele, cujos arautos veem
proclamando a aproximação do reino da Verdade.
Se as preocupações de fórmulas e sistemas já agora
arcaicos e carunchosos (velhos), demos a César o que é de Cesar sem violentar a
consciência, mas procuremos sobretudo dar a Deus o que é de Deus.
Se é verdade que os homens como as instituições, que as
sociedades como os princípios, passam e só os espíritos ficam, voltemo-nos para
os espíritos antes que para os homens, incutindo neles a realidade de outras
leis que o tempo não inutiliza e só por força das quais, na compreensão de agora,
a paz entre os homens será definitiva.
Também de outra não cogitamos nem nos interessa imediatamente,
como discípulos d' Aquele que disse - meu reino não é deste mundo.
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