O Dogma
e a Fé
Editorial
Reformador (FEB) Abril
1918
O dogma é a negação
de Deus, a fé no dogma é a negação da essência mesma do espírito - a inteligência.
“Nada há oculto que não deva ser desvendado, nada há
secreto que não deva ser conhecido”, disse Jesus, a suma sabedoria relativamente
ao nosso planeta.
Nessa fórmula, tão concisa nessa sua estrutura, quanto
profunda no conceito que encerra, não se nos patenteia, em toda a sua
grandiosidade, a lei absoluta do progresso indefinido, abrangendo, de modo
claro e preciso, o pensamento e o sentimento, o intelecto e o coração?
Nessa fórmula, tão concisa na sua estrutura, quanto
profunda no conceito que encera, não se nos patenteia, em toda a sua
grandiosidade, a lei absoluta do progresso indefinido, abrangendo, de modo
claro e preciso, o pensamento e o sentimento, o intelecto e o coração?
Que é, afinal o dogma em religião? Um postulado
inacessível à inteligência, mas, que, por isso mesmo, se tem que aceitar sem
discussão, nem análise.
Ora, não é evidente que a existência de semelhantes postulados
colide abertamente com a sentença do Cristo por nós acima exarada? Certo que
sim.
Como pode ter o Cristo declarado, sem incorrer numa afirmação
inexatada, “nada haver de secreto que não
deva ser conhecido”, uma vez que, com a presciência decorrente da sua altíssima
perfeição, não lhe era lícito ignorar que de futuro surgiriam os dogmas criando
barreiras intransponíveis à inteligência?
Se nada de oculto que não deva ser conhecido, claro é que
por nenhum lado a inteligência encontrará muralhas que não escale um dia,
óbices que não vença, barreiras que não transponha. Se assim não fora, a que ficaria
reduzido o progresso intelectual, cuja realidade aquela fórmula proclama, sem
lhe pôr limitações, o que nos força a admitir que ele será indefinido para cada
ser?
Não é exato que as ideias humanas apenas variem, como
ainda há pouco alguém o disse. Elas variam progredindo. A variação que lhes
notamos não se produz desordenadamente em todos os sentidos. Semelhante desordem
é meramente aparente. Origina-se da incapacidade, que ainda nos é peculiar por efeito
do nosso grande atraso intelectual e sobretudo moral, para apreendermos as
insensíveis gradações por que elas vão passando no seu lento mas constante
evoluir, no seu progressivo alteamento.
Existisse tal desordem e impossível seria aceitar-se como
perfeitos os atributos divinos, como absoluta a sabedoria do Criador.
A variação das ideias humanas exprimindo exatamente a
atividade da inteligência na via do progresso, só se nos afigura desordenada quando
a observamos através, da lente defeituossíma do dogma, seja este científico ou
religioso.
A variedade extrema das formas, dos aspectos, das
modalidades, debaixo da unidade absoluta da lei que a tudo preside encadeando a
origem à finalidade, tal a característica da obra universal da criação, correspondendo
à característica suprema do Criador e a de ser uno e único.
Pretender que dentro desse variar constante de formas,
colimando um único objetivo - o aperfeiçoamento continuo e ilimitado de tudo e
de todos, alguma coisa possa conservar-se por todo e sempre inalterável - o
dogma, é pretender que a lei divina comporte a exceção.
Nessa mesma inalterabilidade do dogma está a sua condenação.
Dogma inalterável é estacionamento e o estacionamento absolutamente não existe
e não pode existir em ponto algum do universo, da obra de Deus, que foi sempre,
é e sempre será a atividade criadora. Ele a todos os instantes criou, cria e
criará por toda a eternidade. Se nos fosse lícito supô-lo inativo durante uma
fração, ainda que infinitesimal do tempo, teríamos que admitir uma limitação do
seu poder. Ora, quem diz limitado diz finito e Deus é em tudo por tudo infinito.
O estacionamento não existe, dissemos. E de fato: mesmo
onde nos parece que o vemos, a atividade se demonstra, porquanto o estacionamento
é morte e morte é apenas transformação evolutiva.
Por isso mesmo é que o dogma representa para o credo que
o institui - a morte. Esse credo morre pelo dogma mas, morrendo, se transforma
evolui.
O Absurdo do seu dogmatismo feriu de morte a fé que ele
pregava. Mas, como morrer é transformar-se, é evoluir, já a vemos renascer,
emergir no sepulcro do dogma, onde deixou, para sempre enterrado o – credo quia absurdum, empunhando nova
bandeira em que se lê: “- Creio porque sei, porque conheço, porque entendo”.
E assim, obedecendo à lei da atividade universal à lei do
progresso constante e perene, dos destroços da esboroada igreja dos homens, vai
surgindo e elevando-se a verdadeira igreja, a igreja do Cristo, dentro da qual
este único preceito, inteligível, compreensível, insofismável, fará o que não
fizeram nem farão todos os dogmas de que a religião e a ciência se têm socorrido
precisamente por não quererem obedecer-lhe: “Amar a Deus acima de tudo e amar, como a vós mesmos, o vosso próximo, seja
este amigo ou inimigo, sectário das vossas crenças ou adversário delas”.
Tentar a revivescência ou seguir a conservação do dogma
vale por querer derrogar a lei divina, opor obstáculos à execução dos desígnios
daquele que não criou o ser para ficar estacionário, nem mesmo na beatitude, mas
para evoluir, elevar-se, aperfeiçoar-se eterna e ilimitadamente.
E, semelhante tentativa equivale a pretender barrar o curso
da torrente que, manando de insondáveis origens, se precipita para o imenso oceano,
realizando a sua obra de fecundação e purificação.
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