Bilhetes
G. Mirim (Antônio Wantuil)
Reformador (FEB) Novembro
1943
Fui criado no Catolicismo. Deste, passei para o meio
protestante e, deste outro, para o numeroso grupo dos indiferentes. Por todo
lado se me apresentavam os mistérios e dogmas recheados com aquela obediência
cega e quase servil ao sacerdote, padre ou pastor, e, por isso, aconteceu
comigo o que se verifica hoje com quase todos, senão todos, que nascem neste
país, dito católico,
Sempre me disseram que eu tinha uma alma e que esta
possuía qualquer coisa de divino, porque fora formada pelo Criador. No entanto,
não deixavam a essa alma e direito de raciocinar, subordinando-a às suas irmãs que
vestem batina ou sobrecasaca preta, com colarinho branco e ares de santidade,
sob pena de a enviá-la ao inferno, entregue a Satanás, para ser queimada
eternamente, entre ranger de dentes e caldeiras a ferver.
E eu, nascido assim com franca tendência a crer num Ser
Superior, aos poucos me ia deixando levar para o numerosíssimo grupo dos
indiferentes gozadores, conduzido indiretamente por aqueles sacerdotes que
deviam encaminhar-me para esse Deus que o meu espírito ansiava por compreender
para amá-lo com o cérebro e com o coração.
E os anos se foram passando, Quanto mais se desenvolvia a
minha acanhada inteligência e quanto menor deixava de ser a minha cultura, mais
exigia o meu raciocínio e mais e pedia essa alma que Deus me deu, até que, finalmente,
passei a fazer parte, definitivamente, quanto à Religião, dos noventa por cento
dos habitantes do meu Brasil.
Sacerdotes e pastores me evitavam. Minhas perguntas não lhes
agradavam e lhes apresentavam dificuldades por obrigá-los a responderem sempre
com evasivas, que eles próprios julgam deprimentes para teólogos iluminados que
deviam ser, ao menos diante das ovelhas que contribuam para a “maior glória de
Deus”, como diziam “santíssimos” inquisidores dos séculos que se foram.
Um dia, um desses “loucos” que nos são conhecidos,
através dos sermões religiosos convidou-me para assistir a uma sessão de Espiritismo.
Tive pena do “louco”, mas como era um homem de idade avançada, por isso mesmo,
e pela sua vastíssima cultura literária, aceitei o seu convite,
Formei os meus planos e segui para a sessão do nosso
amigo, disposto a demonstrar-lhe, com provas científicas e indestrutíveis, o erro
em que se encontrava.
Entrei no ambiente em que se achavam reunidas pessoas que
me eram estranhas e fiquei, no meu canto, a sentir piedade de todos aqueles “loucos”,
que se comportavam, quais os frades que nos falam as histórias religiosas, com
respeito, silêncio e atitude de religiosidade.
A “coisa” começou. Falam espíritos daqui, replica um
senhor que se encontrava na cabeceira da mesa, grita um outro, queixa-se um terceiro
de dores, e eu, sem nada compreender, já sentia desejo de rir, quando uma
senhora, voltando-se para mim, recordou de tantos fatos de que me esquecera com
o passar dos anos, tantos
conselhos e tantos nomes que me eram caros, que eu, meio tonto, ao sair, levava
no bolso um papelzinho com a indicação do livro que me serviu para voltar ao
Criador de que me afastara - O Livro dos
Espíritos.
Tornei-me, com a observação e com a leitura de centenas
de obras espíritas, um entusiasta do
Espiritismo, mas, ao fim de
algum tempo, já me inclinava ao afastamento, pelas mesmas razões de sempre,
comuns a todas as religiões: - Pregam o ensino e repetem a palavras do Cristo,
sem documentação que satisfaça ao raciocínio do homem do século XX, que tudo quer
examinar, discutir e compreender.
E se não fui no novamente estacionar entre os adeptos,
dos gozos da Terra, creiam, meus amigos, que foi por conselho daquele mesmo
velho “louco”, que me falou novamente: "Alia, meu caro, Kardec com o
complemento de sua obra - Os Quatro Evangelhos
de Roustaing".
Aí tem, meus companheiros, o meu bilhete de hoje. Não é
bilhete de loteria, porque é bilhete que, adquirido e assimilado, produzirá a
sua fortuna, a fortuna que a traça não corroí e que os ladrões não roubam.
Antônio Wantuil foi o presidente mais longevo da FEB. Cerca de 23 anos!
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