Diferenças
radicais - Resposta a um católico
por Vianna de Carvalho
Reformador (FEB) Abril
1918
Vou explicar-vos as razões porque efetivamente não sou
cristão no sentido emprestado erroneamente a esta palavra pela igreja romana.
Para esta seita, ser cristão não é cumprir os preceitos
admiráveis do Evangelho, não é imitar, quando possível, as sublimes lições da
vida de Jesus.
Tanto assim que, sendo o Mestre um simples carpinteiro, o
papa é rei com todo o cortejo de mundanas grandezas.
Enquanto o Cristo vestia a túnica dos pegureiros que não têm
onde repousar a cabeça, seus pretensos continuadores cobrem de ouro e de púrpuras,
alardeiam uma pompa de caráter pagão, cercam-se de luxo familiar aos tiranos do
tempo de Senaquerib (Rei da Assíria. Reinou
entre 705 a 681 a.C. É lembrado principalmente por suas campanhas militares
contra Babilônia e Judá).
O filho de Maria era humilde e perdoavas ofensas alheias;
a igreja católica mostra-se sob um orgulho indomável e amaldiçoa, desde séculos,
a quantos se não submetem a seus desarrazoados caprichos.
Cristo espalhava, sem remuneração, os benefícios de um amor
incomparável; a igreja vende os
sacramentos, negocia com a salvação das almas, trafica com o reino dos céus.
Cristo profligava os erros e o despotismo dos fariseus bafejados
pela riqueza da Terra; a igreja rasteja aos pés dos potentados.
No rabino genial conjugam-se as perfeições do missionário
cumprindo a risca os desígnios da Providencia; na igreja proliferam os crimes e
os atentados contra a vida e a consciência de nosso semelhante.
A disparidade entre o ensino de Jesus e o dos concílios
romanos não precisa de mais exemplos para se impor com a força dos axiomas irrespondíveis.
Cristão, no conceito católico, é o homem escravizado ao
culto externo, às regrinhas da disciplina religiosa,
às bulas e pastorais ejaculadas de vez em vez, pelo zelo das autoridades eclesiásticas.
Ouve missa, bate nos peitos, confessa ao padre suas
mazelas espirituais, usa a opa (veste ou
capa usada pelos religiosos católicos) nas
procissões, torce entre os dedos, maquinalmente, as contas do rosário e crê no sortilégio
dos escapulápios.
Vive transido com o horror blasfemo de um Deus vingativo
e implacável que tem embaixadores na Terra para a regularização dos negócios
celestes. Isto não o impede, entretanto, de alimentar ódios, intolerância,
dureza de coração, maledicências venenosas, invejas surdas, ambições
insopitáveis e apego aos bens terrenos temporais. Não o impede de desejar todo
o mal possível ao próximo, de vangloriar-se com o alheio infortúnio, de rogar
pragas, atirar esconjuros sobre os que não comungam com as suas ideias.
A piedade, a doçura, a indulgência, a mansidão... são coisas
de que se não ocupa absolutamente.
Rezando a sua Salve Rainha e pondo uma vela a arder em
face do oratório bento, dá-se por satisfeito, repousa a consciência no cumprimento
dessas puerilidades.
De tempos a tempos, a penitência dos confessionários, com
a deglutição complementar da hóstia, lavam lhe os pecados velhos. Julga-se
então apto para subir entre serafins tangendo
liras vaporosas aos esplendores da felicidade eterna.
Mas, como a morte parece-lhe ainda longe, torna a pecar e
copiosamente, fiado no perdão já tantas vezes concedido às suas faltas anteriores.
Entre a prática do bem, das virtudes humildes e o
abster-se de carne às sextas-feiras, ele prefere sempre este último sacrifício. É mais cômodo, mais ortodoxo
e produz e produz resultados extraordinários.
Pode-se realiza-lo conservando o orgulho, o egoísmo, a vaidade
os rancores rubros que geram as explosões da criminalidade.
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Agora vede o quo é ser cristão segundo o espiritismo. É
ter gravado no recesso de nosso entendimento as passagens maravilhosas do Evangelho
afim de evita-las nos casos concretos da existência humana. O espírita não bate
nos peitos soturnamente mas ama a Deus acima de todas as coisas e ao próximo como
a si mesmo. Não veste opa nem se ajoelha ante imagens talhadas no mármore ou
fundidas no bronze; adora o Ser Sensível com as efusões de sua alma extasiada
com as magnificências da criação universal.
Para chegar ao céu, dispensa o caminho dos
confessionários e considera muito mais benefícios o perdão das injúrias, o amor
à justiça, a piedade para todas as fraquezas, a doçura e o amparo para todos os
infortúnios.
Faz-se menor entre os menores, combate a iniquidade,
difunde a instrução,
protege ao órfão, enxuga
as lágrimas da viuvez desolada.
Não incensa aos orgulhosos cercados de grandezas e de glórias
efêmeras; lastima-os.
Põe seu cuidado na vida futura, encara a dor como instrumento
de progresso, resigna-se às opressoras
contingências do planeta, porque a sua verdadeira pátria está além, no seio augusto
da Misericórdia Suprema.
Às suas más paixões guerreia sem cessar. E só se empenha
tenazmente em conseguir moldar seu caráter nas linhas puras traçadas por Jesus
para a edificação de todas as gerações.
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