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sexta-feira, 21 de fevereiro de 2020

Vamos apanhar sol



Vamos apanhar sol
(Conto de educação doutrinária, dedicado aos professores de moral evangélica.)
por Leopoldo Machado
Reformador (FEB) Novembro 1942

            Era um casal de hiperbóreos. (termo usado para indicar qualquer um que viva em clima frio.)

            Nascidos e criados nas regiões polares, quase aos noventa graus, só conheciam do sol os mortiços raios oblíquos, que, três meses ao ano, lhe chegavam palidamente como claridade quase ao lusco-fusco das zonas tropicais. Acostumados a noites de seis meses e a crepúsculos de mais de mês não encontravam alegria e vida senão na penumbra, na sombra, nas trevas. Até sua visualidade se adaptara de tal modo à treva, que só viam bem às escuras: que uma claridade mais forte lhes fazia grande mal.

*

            Necessidade de outros meios de subsistência os arrasta a outra região mais bem aquinhoada de sol. Subiram a habitar a zona temperada. Mas, continuaram como inimigos do sol, foragidos da claridade. Como seus meios de vida eram em casa mesmo, nunca saiam à rua, quando havia sol. Só ao crepúsculo e à noite, supriam suas necessidades de fora do lar...

*

            Nasce-lhes um filho.

            A criança se cria de acordo com a vida no seu clima, na sua região. Gostava do ar livre, da vida ao sol. Tinha, por isso mesmo, saúde e fortaleza. Boa cor e muita disposição. Foi cedo para a escola. Inteligência precoce, assimilava com facilidade o que ouvia e lia.

*

            Um dia, o inspetor escolar fez uma prédica muito oportuna e clara aos alunos de sua escola, ao ar livre, todos apanhando sol, sobre a necessidade de viver sob mais luz solar, ao ar livre. Era uma necessidade apanhar mais sol, viver mais ao sol, que é a maior fonte de vida, de alegria, de saúde, de energia...

*

            - Papai, vamos apanhar sol, que dá muita energia e saúde à gente, muita alegria e vida.  É preciso apanhar sol, que o homem ensinou, na escola, a gente. E pediu a gente que dissesse isto a nossos pais. Assim, a mamãe e o papai devem tirar um tempinho atoa para apanhar sol, que faz bem. Só depois que eu ouvi o homem falar na escola, é que compreendi porque o papai e a mamãe não têm sangue, são tristes, vivem doentes, sem cor...  

            Os pais se justificaram, alegando apego aos velhos costumes, à vida na terra onde nasceram e viveram muitos anos, e aos hábitos da infância.

            - Qual o que! - retorquia a criança. - Tudo isto é erro. O papai vivia assim, a mamãe e o papai ainda vivem assim, porque nem conhecem o sol direito; porque nunca apanharam um bocado bom de sol! Vamos apanhar sol, uma vezinha só, comigo, que o papai e a mamãe vão gostar. E nunca mais deixarão de querer ver o sol, de apanhar sol garanto. 

            À insistência do filho, certa manhã, fresca e luminosa, saíram. Meio receosos, mas saíram, o sol, bem no alto, era uma linda rosa de luz, iluminando, suavemente, a Terra. Era na primavera. As árvores se arreavam de flores. O ambiente, perfumado, convidava à alegria e estimulava para a vida. A criança, na frente, pulava e cantava de alegria. Os pais, diante da felicidade do filho - e do espetáculo que lhes era, até aquele momento, desconhecido e estranho, modificaram seus conceitos sobre a vida que, até ali viveram. E contemplaram o sol. E apanharam sol. E passaram a apanhar e a querer ver, a miúde, o sol, a maior fonte de energia, de saúde, de alegria. E confessaram sua gratidão ao filho, dizendo-lhe que, se não fosse ele, ainda continuariam amigos das trevas, da sombra, da penumbra.

Realidade e aplicação do Conto

            O professor de aulas de Evangelho nos centros espíritas lerá o conto aos alunos, concluindo-o, a dizer-lhes:

            - Eu e vossos pais somos bem, comparados convosco, como os hiperbóreos do conto. Quando nascemos, e na nossa infância, só existia o gelo polar de uma religião fria, sem claridades racionais, e sem o sol da verdade pura. E vivemos assim, embaraçados nas sombras espessas de seus dogmas, dentro da noite escura de seus ensinamentos irracionais. Os raios cio Cristianismo puro até nós chegaram lusco-fuscamente, porque deturpados por aparatosas encenações e formalidades, porque através de ritualismos e práticas de impressionar, somente, os sentidos materiais.

            Chegamos até ao tempo da 3ª Revelação, que é o Espiritismo, como aquele casal de hiperbóreos chegou à zona temperada. E continuamos indiferentes ao sol da verdade do Espiritismo, tocados da mesma penumbra, e sombra, e trevas da religião polar, que prega a adoração a um Cristo morto, crucificado. Continuamos sem compreender que devemos servir ao Cristo vivo, descrucificado, que deseja ser amado e compreendido sem mistérios e sem milagres, sem dogmas e sem encenações.

            Quanto a mim, fui chamado a ver e contemplar o sol do Espiritismo. Atendi ao convite e aqui estou a falar-vos dos raios deste sol, da alegria, saúde espiritual e energias que este sol transfunde com tanta claridade, que até as crianças e os jovens como vós compreendem-no admiravelmente, perfeitamente.

            E vossos pais? Todos vêm a esta casa, apanhar sol aqui? Porque estudar, compreender, sentir e praticar o Espiritismo de verdade é apanhar o melhor sol espiritual! Não? Nem todos vêm? Pois bem: que cada um de vós imite o filhinho daquele casal de hiperbóreos, contando a seu papai, a sua mamãe a história que ouviu aqui, a insistir com ambos que venham até cá, nos dias de sessões de estudo, ouvir o que aqui se ensina, meditando o que ouvir e comparando-o com o que lhes foi ensinado, quando eram, como vós, crianças. Que cada um de vós convide, nos dias de sessões de doutrina, seus pais para virem apanhar um pouco deste sol que vós já estais sentindo bem. Fazei isto, e ficai certos que vossos papais, acabarão, como os papais do menino do conto, agradecidos a vós e bendizendo o sol, que passarão a apanhar aqui, nos dias de sessões. Fazei isto, que dareis a melhor prova de amor filial, que será concorrer para a felicidade de vossos pais, por conhecerem a verdade, que é prova de gratidão para com vossos papais, aos quais tudo deveis, para com a Doutrina que os está, já de pequeninos, orientando na vida.

            Convidai, pois, vossos papais a ver o sol, a apanhar sol convosco, nesta casa onde se aprende a servir o Cristo vivo, descrucificado.


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