O Estranho Mundo dos Suicidas
Frederico Francisco / (Yvonne A Pereira)
Reformador
(FEB) Março 1964
Frequentemente somos procurado por iniciantes do Espiritismo, para
explicações sobre este ou aquele ponto da Doutrina. Tantas são as
perguntas, e tão variadas, que nos chegam, até mesmo através de cartas, que chegamos à conclusão
de que a dúvida e a desorientação que lavram entre os aprendizes da Terceira Revelação
partem do fato de eles ainda não terem percebido que, para nos apossarmos dos seus
legítimos ensinamentos, havemos de estabelecer um estudo metódico, parcelado,
partindo da base da Doutrina, ou exposição das leis, e não do coroamento,
exatamente como o aluno de uma escola iniciará o curso da primeira série e não
da quarta ou da quinta.
Desconhecendo
a longa série dos clássicos que expuseram as leis transcendentes em que se firmam
os valores da mesma Doutrina, não somente nos veremos contornados pela
confusão, impossibilitados de um sadio discernimento sobre o assunto, como
também o sofisma, tão perigoso em assuntos de Espiritismo, virá em nosso encalço,
pois não saberemos raciocinar devidamente, uma vez que só a exposição das leis
da Doutrina nos habilitará ao verdadeiro raciocínio.
Procuraremos
responder a uma dessas perguntas, de vez que nos chegou através de uma carta,
pergunta que nos afligiu profundamente, visto que fere assunto melindroso, dos
mais graves que a Doutrina Espírita costuma examinar. A dita pergunta veio
acompanhada de interpretações sofismadas, próprias daquele que ainda não se deu
ao trabalho de investigar o assunto para deduzir com a segurança da lógica.
Pergunta o missivista:
-
Um suicida, por motivos nobres sofre os mesmos tormentos que os demais
suicidas? Não haverá para ele uma misericórdia especial?
E
então respondemos:
-
De tudo quanto, até hoje, temos estudado, aprendido e observado em torno do
suicídio à luz da Doutrina Espírita, nada, absolutamente, nos tem conferido o
direito de crer que existam motivos nobres para justificar o suicídio perante
as leis de Deus. O que sabemos é que o suicídio é infração às leis de Deus,
considerada das mais graves que o ser humano poderia praticar ante o seu
Criador. Os próprios Espíritos de suicidas são unânimes em declarar a intensidade
dos sofrimentos que experimentam, a amargura da situação em que se agitam,
consequentes do seu impensado ato. Muitos deles, como o grande escritor Camilo
Castelo Branco, que advertiu os homens em termos veementes, em memorável
comunicação concedida ao antigo médium Fernando de Lacerda, afirmam que a fome,
a desilusão, a pobreza, a desonra, a doença, a cegueira, qualquer situação, por
mais angustiosa que seja, sobre a Terra, ainda seria excelente condição "comparada ao que de melhor se possa atingir
pelos desvios do suicídio".
Durante
nosso longo tirocínio mediúnico, temos tratado com numerosos Espíritos de suicidas,
e todos eles se revelam e se confessam superlativamente desgraçados no
Além-Túmulo, lamentando o momento em que sucumbiram. Certamente que não haverá
regra geral para a situação dos suicidas. A situação de um desencarnado, como
também de um suicida, dependerá até mesmo do gênero de vida que ele levou na Terra,
do seu caráter pessoal, das ações praticadas antes de morrer.
Num
suicídio violento como, por exemplo, os ocasionados sob as rodas de um trem de ferro, ou outro qualquer veículo, por uma queda de
grande altura, pelo fogo, etc., necessariamente haverá traumatismo
perispiritual e mental muito mais intenso e doloroso que nos demais. Mas a
terrível situação de todos eles se estenderá por uma rede de complexos desorientadores,
implicando novas reencarnações que poderão produzir até mesmo enfermidades
insolúveis, como a paralisia e a epilepsia, descontroles do sistema nervoso,
retardamento mental, etc. Um tiro no ouvido, por exemplo, segundo informações
dos próprios Espíritos de suicidas, em alguns casos poderá arrastar à surdez em
encarnação posterior; no coração, arrastará a enfermidades indefiníveis no
próprio órgão, consequência essa que infelicitará toda uma existência,
atormentando-a por indisposições e desequilíbrios insolúveis.
Entretanto,
tais consequências não decorrerão como castigo enviado por Deus ao infrator, mas
como efeito natural de uma causa desarmonizada com as leis da vida e da morte,
lei da Criação, portanto. E todo esse acervo de males será da inteira
responsabilidade do próprio suicida. Não era esse o seu destino, previsto pelas
leis divinas. Mas ele próprio o fabricou, tal como se apresenta, com a infração
àquelas leis. E assim sendo, tratando-se, tais sofrimentos, do efeito natural
de uma causa desarmonizada com leis invariáveis, qualquer suicida há de suportar
os mesmos efeitos, ao passo que estes seguirão seu próprio curso até que causas
reacionárias posteriores os anulem.
No
caso proposto pelo nosso missivista, poderemos raciocinar, dentro dos
ensinamentos revelados pelos Espíritos, que o suicida poderia ser sincero ao
supor que seu suicídio se efetivasse por um motivo nobre. Os duelos também são
realizados por motivos que os homens supõem honrosos e nobres, assim como as
guerras, e ambos são infrações gravíssimas perante as leis divinas. O que um
suicida suporia motivo honroso ou nobre, poderia, em verdade, mais não ser do
que falso conceito, sofisma, a que se adaptou, resultado dos preconceitos acatados pelos homens
como princípios inabaláveis.
A
honra espiritual se estriba em pontos bem diversos, porque nos induzirá, acima
de tudo, ao respeito das mesmas leis. Mas, sendo o suicida sincero no julgar
que motivos honrosos o impeliram ao fato, certamente haverá atenuantes, mas não
justificativa ou isenção de responsabilidades. Se assim não fosse, o raciocínio
indica que haveria derrogação das próprias leis de harmonia da Criação, o que
não se poderá admitir. Quanto à misericórdia a que esse infrator teria direito
como filho de Deus, não se trataria, certamente, de uma "misericórdia
especial". A misericórdia de Deus se estende tanto sobre esse suicida como
sobre os demais, sem predileções nem protecionismo. Ela se revela no concurso desvelado
dos bons Espíritos, que auxiliarão o soerguimento do culpado para a devida
reabilitação, infundindo-lhe ânimo e esperança e cercando-o de toda a caridade
possível, inclusive com a prece, exatamente como na Terra agimos com os doentes
e sofredores a quem socorremos. Estará também na possibilidade de o suicida se reabilitar
para si próprio, através de reencarnações futuras, para as duas sociedades,
terrena e invisível, as quais escandalizou com o seu gesto, e para as leis de
Deus, sem se perder irremissivelmente na condenação espiritual.
De
qualquer forma, com atenuantes ou agravantes, o de que nenhum suicida se
isentará é da reparação do ato que praticou com o desrespeito às leis da
Criação, e uma nova existência o aguardará, certamente em condições mais precárias
do que aquela que destruiu, a si mesmo provando a honra espiritual que
infringira.
O
suicídio é rodeado de complexos e sutilezas imprevisíveis, contornado por
situações e consequências delicadíssimas, que variam de grau e
intensidade diante das circunstâncias. As leis de Deus são profundas e sábias,
requerendo de nós outros o máximo equilíbrio para estudá-las e aprendê-las sem
alterá-las com os nossos gostos e paixões.
Assim
sendo, que fique bem esclarecido que nenhum motivo neste mundo será bastante
honroso para justificar o suicídio diante das leis de Deus. O suicida é que
poderá ser sincero ao supor tal coisa, daí advindo então atenuantes a seu
favor. O melhor mesmo é seguirmos os conselhos dos próprios suicidas que se
comunicam com os médiuns: - Que os homens suportem todos os males que lhes
advenham da Terra, que suportem fome, desilusões, desonra, doenças, desgraças
sob qualquer aspecto, tudo quanto o mundo apresente como sofrimento e martírio,
porque tudo isso ainda será preferível ao que de melhor se possa atingir pelos
desvios do suicídio. E eles, os Espíritos dos suicidas, são, realmente, os mais
credenciados para tratar do assunto.
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