XXII
‘Apreciando a Paulo’
comentários em torno
das Epístolas de S. Paulo
por Ernani Cabral
Tipografia Kardec - 1958
“Bendito seja o Deus e Pai de nosso
Senhor Jesus Cristo,
o Pai das misericórdias e o Deus de
toda a consolação.
Que nos consola em toda a nossa
tribulação,
com a consolação com que nós mesmos
somos consolados de Deus.
Porque, como as aflições de Cristo
abundam em nós,
assim também a nossa consolação
abunda por meio de Cristo.
Mas, se somos atribulados, é para
vossa consolação e salvação;
ou, se somos consolados, para vossa
consolação é,
a qual se opera suportando com
paciência as mesmas aflições
que nós também padecemos; E a nossa
esperança a cerca de vós é firme,
sabendo que, como sois participantes
das aflições,
assim o sereis também da consolação.”
(Paulo – 2ª Epístola
aos Coríntios, 1:3 a 7)
“Bendito
seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo”, começa Paulo dizendo nessa
Segunda Epístola aos Coríntios, frisando que Deus é o Pai, isto é, o Criador de
Jesus, o qual, “sendo em forma de Deus,
não teve por usurpação ser igual a Deus” (Filip., 2:6), pois declarou que o
Pai é maior do que ele (João, 14:28) e o único Ser verdadeiramente bom (Mateus,
19:17; Marcos, 10:18; Lucas, 18:19).
Estudamos no XVI artigo desta série
e provamos, à luz dos Evangelhos, que Jesus não é Deus, mas FILHO DE DEUS, como
ele mesmo sempre frisou (João, 10:36), embora sendo o Espírito mais puro que já
baixou à Terra, o protetor e o governador
de nosso planeta, conforme a revelação dada a J. B. Roustaing pelos
próprios evangelistas, porém, jamais parte integrante da personalidade divina,
pois que “Deus é um só”, conforme
está claramente expresso
no Velho Testamento, fonte do Novo (Deut., 6:4), afirmativa que o Messias
também ratificou (Marcos, 12:29).
Este assunto tem grande importância
doutrinária, porque, se devemos amar a Deus sobre todas as coisas, o que
constitui mesmo o maior dos mandamentos (Mateus, 22:37), é necessário que tenhamos
uma ideia exata de Deus, embora sob o aspecto de Sua unidade, já que não temos
inteligência bastante para penetrar em Sua essência, que está muito além de
nossa percepção.
É que o imperfeito não pode
compreender o perfeito, o relativo não pode entender o absoluto, mas apenas
senti-lo com maior ou menor intensidade, conforme seja a elevação do Espírito.
À medida que formos evoluindo, melhor compreenderemos a sublimidade do Pai
Celestial, cujo poder é imanente nos mundos, mas que transcende a tudo o que já
foi criado!
Sabemos de Deus apenas que é “a alma consciente do Universo”, Ser que
possui todos os atributos de poder e de perfeição, num equilíbrio íntimo,
eterno e absoluto, criando sempre para ser glorificado em sua obra, que também
é perfeita.
Portanto, há Espíritos de diversas
idades, de vários graus de entendimento, razão por que devemos ter para com
nossos irmãos, de quaisquer crenças, e sejam quais forem as circunstâncias, o mesmo sentimento de amor e
de compreensão, assim como Deus tem sempre piedade de nossas fraquezas, pois,
como disse o apóstolo dos gentios nesta Segunda Epístola aos Coríntios, é Ele “que nos consola em toda a nossa tribulação.”
E o Senhor Jesus é o mediador entre
Deus e os homens (I Tim., 2:5), a expressão da misericórdia e da bondade
divinas, cuja doutrina regenera e purifica, encaminhando nosso Espírito para a
salvação eterna, que é conquistada, como ele nos ensina, pelo esforço
individual, pela vitória contra as próprias imperfeições. Cada qual se eleva,
destarte, pela sua fé e pelos seus méritos pessoais, isto é, pela dominação dos
sentimentos inferiores ou egoísticos, à medida que vai aprendendo a amar o
próximo como a si mesmo, tolerando e ajudando sempre, para que se constitua em
colaborador sincero e esclarecido da obra divina. Então seremos também,
verdadeiramente, filhos de Deus! (Deut., 14:1; João, 1:12.)
Paulo esclarece ainda que, se somos
atribulados, é para nossa salvação, a qual só se opera se suportarmos com
paciência as aflições da vida. Mas, diz ele, se somos participantes dessas
aflições, somos também alvo da consolação que o Senhor nos dá, pois que é o Pai
de misericórdia e o Deus de amor.
O sofrimento é o cadinho onde nosso
espírito se purifica. Desde que o homem tenha certeza disto, deve encarar com
paciência as aflições, convicto também de que o Altíssimo (não) nos dá uma cruz
superior às nossas forças. Os grandes sofrimentos são, geralmente, sinal de fim
das provações neste mundo e é preciso que sejam encarados com resignação e
esperança, porque algum dia terão fim. Neste mundo, como diz a sabedoria
popular, e onde tudo é transitório, “não
há bem que sempre dure, nem mal que nunca se acabe”. Por conseguinte,
tenhamos paciência e confiança no Pai Celestial que a ninguém desampara, mesmo
porque Ele é, como diz o apóstolo, “o
Deus de toda a consolação”.
Nosso plano é tão atrasado, os seres
que nele habitam estão sujeitos a tais padecimentos, como um imperativo
categórico da evolução ou do aperfeiçoamento, que não podemos viver sem a
misericórdia divina, que sempre desce às criaturas, como um bálsamo ou
abrandamento da Lei.
Daí porque Jesus mesmo nos prometeu
que, partindo, não nos deixaria órfãos e que nos enviaria o Consolador, para
que ficasse eternamente conosco (João, 14:16 e 18).
Esse Consolador, o Espírito Santo,
nos havia de ensinar todas as coisas e de recordar tudo o que ele dissera
(João, 14:26), como roteiro seguro à nossa salvação e como prova do amor
infinito do Pai Celestial para conosco.
Procuremos o Espiritismo-Cristão e aí
acharemos o Consolador que o Cristo de Deus prometeu aos homens de boa vontade,
isto é, àqueles que têm fé e confiança em suas palavras, que são também de
misericórdia, de consolação e de amor.
Sim, é evidente, o Pai Celestial a
ninguém abandona ou desampara, pois, através de vidas sucessivas, “toda a carne verá a salvação de Deus.”
(Lucas, 3:6; Isaias, 52:10; João, 12:32; I Timóteo, 2:4)
O sofrimento regenerativo está em
razão direta de nosso carma isto é, das dívidas que contraímos nesta ou em outras
existências, e é preciso que a lei se cumpra com sua justiça, para nosso
aperfeiçoamento moral. Não há outra maneira de corrigir ou de melhorar, senão
através da dor - física ou moral - que vai retificando nosso caráter e cujo
proveito será muito maior se suportarmos as provações com paciência. Isto não
quer dizer que nos entreguemos misticamente ao sofrimento, deixando que a taça
de fel se esgote, sem reação.
Temos o direito de buscar a melhora
ou a solução para nossos problemas angustiantes. Mas sem fugirmos às lições do
Evangelho, procurando conduzir-nos com sentimento de perdão, ou seja, com amor.
Todavia, quando, apesar de nossos esforços, o mal for irremediável
então procuremos encontrar na prece o consolo e em nossa força moral a
paciência e a resignação.
A revolta é sempre pior: agrava os
padecimentos e nada resolve, porque complica as situações, levando ao desespero,
ao suicídio ou ao crime.
O suicídio, salvo o que é praticado
num ato de loucura, demonstra sempre a covardia ou o orgulho de quem o pratica,
por querer evadir-se de uma situação que tinha o dever de enfrentar.
Quanto vai sofrer o Espírito do
suicida, supondo poder afrontar, impunemente, a lei divina! No auge do
sofrimento a que foi arrastado pelo seu ato de revolta contra a justiça da Lei,
ele compreenderá, embora bem tarde, que melhor seria ter suportado,
corajosamente, a rudeza do golpe que o destino lhe desferira. Tudo tem sua razão de ser. Assim
peçamos a Deus paciência e resignação quando a dor nos bater à porta, e evitemos
as tentações que nos levam à angústia e à revolta, porque no momento da
provação é que se conhece o cristão ou o espírita, pela maneira de conduzir-se.
Quanto mais difícil for o perdão, maior
o mérito em
perdoar. E quão mais dificultosa
for a resignação, maior será a manifestação de nossa superioridade espiritual,
alcançando-a. Se não tivermos força, apelemos com fé e confiança para Jesus e ele
virá em nosso auxílio, pois seus mensageiros, que compõem a falange excelsa do
Espírito Santo, estão eternamente
conosco, como ele prometeu.
Suas palavras são “espírito e vida”. E o Cristo de Deus
conclamou:
“Vinde
a mim, todos os que estais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei.
Tomai sobre vós o meu jugo, e
aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração; e encontrareis descanso
para vossas almas. Porque o meu jugo é suave e o meu fardo é leve.”
(Mateus,
11:28 a 30).
Sim, meus irmãos, haja o que houver,
repitamos com Paulo, o apóstolo que deu sua vida por amor à doutrina do Cristo
e que traçou também, através de seus exemplos edificantes, o roteiro de nossa
salvação:
“Bendito
seja Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai das misericórdias e o Deus
de toda a consolação.”
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