Arthur Conan Doyle
por Indalício Mendes
Reformador (FEB) Novembro 1978
Fascinante, por muitos aspectos, a
personalidade de Sir Arthur Conan Doyle, o famoso
romancista, criador de Sherlock Holmes, há de sempre justificar comentários e
considerações elevadas. Ele foi, sem exagero, um grande homem - pelo caráter,
pelo talento, pela imaginação e pelo físico, enfim, um grande homem integral.
Nascido aos 22 de maio de 1859, em
Picardy Place, Edimburgo, capital da Escócia, de descendência
nobre, Arthur Conan Doyle desencarnou precisamente a 7 de julho de 1930. Embora
os foros de nobreza, sua família não era abastada, tanto que ele teve de
enfrentar enormes
dificuldades para estudar e formar-se em Medicina. Seu pai chamou-se Charles
AItamont Doyle, e sua mãe, Mary Foley. Ambos católicos severos, sendo que
alguns membros da família se extremavam num fanatismo tremendo. Mais adiante
teremos ocasião de demonstrar a atitude firme e digna de Conan Doyle em face do
pétreo sectarismo
de seus parentes. Foi-lhe dado o nome de Arthur em homenagem a um tio materno -
Arthur Conan Doyle, crítico de arte do "Art Journal", célebre pela
segurança, profundidade e rijeza de seus comentários.
*
Sua mãe foi uma mulher
verdadeiramente excepcional, quer pela pureza do caráter, como pela franqueza
das atitudes e também pelo respeito que devotava ao ser humano. Conan Doyle foi
"o ídolo do seu coração". Ambos se amavam enternecidamente e se
compreendiam melhor, talvez em virtude da afinidade moral entre eles existente.
Não pretendemos descer a pormenores
a respeito da educação recebida por Conan Doyle.
Será suficiente esclarecer que Mary
Doyle deu de si o melhor que pode para plasmar a vigorosa personalidade de seu
ilustre filho. De como ele correspondeu aos esforços maternos, di-lo a
História. Essa mulher admirável transmitiu-lhe estas máximas: "Sem temor diante dos fortes e humilde diante
dos fracos." Detestava as atitudes de esnobismo, as superfluidades
comuns aos descendentes de nobres, mas cultivava com religioso respeito as
tradições da família. Ela ensinou Conan Doyle, desde menino, a demonstrar
sempre "cavalheirismo para com todas as mulheres, de
alta ou de baixa condição". Podemos dizer que Arthur foi o retrato
moral de sua extraordinária genitora. Dela herdou todas as virtudes, assim como
a energia, o amor ao trabalho, o destemor nos momentos difíceis ou perigosos, a
coragem de dizer o que sentia, fosse qual fosse a situação; a facilidade em se
colocar na defesa dos fracos, bem como o respeito indeclinável a seus pontos de
vista, enquanto seus argumentos não fossem abalados.
*
Nascido, como dissemos, em ambiente
rigorosamente católico, Conan Doyle foi aluno de padres jesuítas, em
Stonyhurst, Lancashire, para onde foi depois de se haver preparado no colégio
de Hodder House. Ali, teve ocasião de pôr à prova a sua personalidade em
formação, sustentando opiniões divergentes das dos padres, mesmo quando
isto lhe custasse punições severas. E não se abatia depois dos castigos,
olhando de frente
aqueles que o puniam por não lhe obterem a passiva anuência. Intimamente,
porém, seus
professores o admiravam, respeitando-lhe o talento. O famoso escritor inglês
Thomas Babington
Macaulay merecera a sua predileção. Conan Doyle se deleitava com suas obras e um
dia compreendeu que Macaulay, embora de forma cavalheiresca, não acreditava
muito no
Papa. Sua condição de católico e admirador de Macaulay lhe impôs o dever de
descobrir de
que lado estava a razão, até que um dia ouviu um padre irlandês afirmar em
público que todo
aquele que não era católico iria para o inferno. Aí, nesse pormenor
aparentemente insignificante,
estava o ponto inicial da sua futura atitude de abandonar a religião
tradicional da família. Conan Doyle ainda não havia pensado nessa situação
delicada, que, segundo o padre, conferia um privilégio especial aos católicos.
Estava certo, porém, de que a afirmativa do sacerdote continha um erro
essencial. Lembrou-se, então, de que sua mãe, a um tempo severa e romântica,
considerava banais as asseverações fradescas desse quilate, dizendo-lhe:
- Usa sempre roupas internas de
flanela, querido filho, e jamais acredites no castigo eterno.
Semelhante frase, dita por uma
senhora austera, católica e altamente equilibrada, denotava que sua
inteligência esclarecida não se amoldara a conceitos sectários e irracionais,
porque ela também não renunciava às suas opiniões, uma vez convencida de que
estava certa.
Mais tarde, Conan Doyle entrou em
contato com velho amigo da família, o Dr. Bryan Charles
Waller, sábio, bondoso, agnóstico em matéria de religião e igualmente positivo
em seus
argumentos.
*
O Dr. Bryan Charles Waller exerceu,
durante muitos anos, forte influência na vida intelectual de Conan Doyle,
despertando-lhe o espírito para problemas profundos, que, afinal, lhe
permitiram desvencilhar-se de vacilações oriundas do colégio de jesuítas, onde
estudara. Entretanto, Walter Scott e Macaulay foram os autores que mais
participação tiveram nos gostos e preferências de Conan Doyle, chegando mesmo a
determinar sua inclinação literária. Mais tarde, Conan Doyle viria a declarar
que Edgar AIlan Poe, tanto quanto aqueles, acentuara a tendência que tomaria
dentro da literatura. O primeiro conto de Poe - "O Escaravelho
Dourado" - foi lido por ele com grande sofreguidão.
Defesa
da vida interior
Em 1878, Arthur Conan Doyle recebeu
uma carta do Dr. Waller, na qual havia este trecho: "Esta vida interior viril é o que a Teologia quer destruir, fazendo-nos
crer que somos vis, pecaminosos e degradados, o que é uma falsidade pestilenta
e corta cerce o melhor que há dentro de nós, pois, se se tira o respeito que o
homem deve a si mesmo, faz-se muito para transformá-lo num magarefe e num
malvado." E acrescentou, incisivamente: "Fazer é uma palavra melhor do que crer, e ação é uma ordem mais segura que
fé." Pode-se perceber, portanto, o vigoroso instinto anticlerical do
Dr. Waller, que, assim, ia demolindo os já frágeis pontos de contato de Conan
Doyle com o Catolicismo.
Nesse ano, Arthur, aproveitando as
férias escolares, empregou-se como aprendiz de médico
num dispensário dos mais pobres bairros de Sheffield. A princípio, nada
ganhava, trabalhando por casa e comida. Isto já representava alguma coisa,
porque aliviava os encargos da sua valorosa mãe. Essa experiência durou apenas
três semanas, porque ele não possuía suficiente prática ou não podia, então,
atender às exigências do Dr. Richardson. A verdade
era também que os clientes, vendo Conan Doyle tão jovem, não confiavam muito nas
suas aptidões para a Medicina. Mais tarde ele comentaria o fato, ao escrever
para casa: "Esta gente de Sheffield preferiria ser
envenenada por um homem com barba do que ser salva por um homem
imberbe."
Trabalho
vão
Sem nenhuma ocupação, Conan Doyle
tinha ainda de esperar meses para iniciar o curso de outono da Universidade de
Edimburgo. Que fazer durante esse tempo? Resolveu seguir para Londres, para
tentar trabalho, e por meio da imprensa médica ofereceu seus serviços.
Hospedou-se em casa de seu tio Henry, em Clifton Gardens, onde foi recebido com
satisfação. Enquanto não arranjava nada, estudava pela manhã, e à tarde
passeava pelas ruas. Mas as coisas não podiam continuar assim. Sem esperança de
se empregar em terra, Conan Doyle decidiu entrar para a Marinha, como ajudante
de cirurgião. Nesse ínterim, recebeu uma carta do Dr. Elliot, do povoado de
Ruyton, em Shropshire, informando que aceitava seus serviços. Esse Dr. Elliot,
porém, não tinha um caráter muito firme e se enraivecia com facilidade. Um dia,
zangou-se porque Conan Doyle ponderou que
a pena de morte devia ser suprimida. "Não
tolero que semelhante opinião seja dita em minha casa,
entende, senhor?"
- esbravejou ele, dirigindo-se a Conan Doyle. Sem se alterar, este
lhe respondeu na mesma hora: "Senhor,
costumo expender minhas opiniões onde e quando queira."
Não tardou, assim, que Arthur
voltasse ao colégio, em fins de outubro. Trabalhara de graça para o Dr. Elliot,
mesmo porque não havia sido combinada nenhuma remuneração pelos meses de
trabalho que ali tivera. Mas, intimamente, confiava em que o Dr. Elliot lhe
desse alguma coisa. Não veio nada. Então, Conan Doyle perguntou-lhe se lhe
poderia pagar a viagem de volta e teve esta resposta, que define o perfil do
Dr. Elliot: - "Meu amigo, a lei é assim. Se um
assistente tem ordenado combinado, é pessoa reconhecida e com direito a
reclamar que suas despesas sejam pagas. Caso contrário, transforma-se num
cidadão que viaja para instruir-se. Por conseguinte, nada tem a receber..."
Convencido de que não dava resultado
ser ajudante de médico, pelos calotes que sofria, Conan Doyle voltou a
Edimburgo, onde, por força das circunstâncias, foi ser assistente de um Dr.
Reginald Tatcliffe Hoare, de Clifton House, em Birmingham, que, como médico dos
pobres, ganhava muito dinheiro.
Nessa época escreveu mais três
contos: "O mistério do Vale de
Sasassa", "A granja
encantada de Goresthorpe" e "O
conto do Americano".
Estava pensando em ser médico de um
navio sul-americano, quando seu amigo Claude Augustus Currie, estando
impossibilitado de viajar, lhe ofereceu seu camarote e sua função.
Iria como cirurgião nominal, ganhando ao todo cinquenta libras, e estaria
durante sete
meses percorrendo o Oceano Ártico.
Na
baleeira "Hope"
Em fevereiro de 1880, lá se foi ele
na baleeira "Hope", deixando o porto de Peterhead no fim desse mês.
Improvisaram uma luta de boxe e ele derrotou o mordomo do navio, logo na
primeira noite, ganhando prestígio a bordo. O encontro de manadas de focas foi
também motivo de alegria para Conan Doyle, que, assim, se refazia das muitas
decepções que havia tido em terra. Em setembro de 1881, deixou o navio e
regressou a Edimburgo,
com a sua estatura completamente desenvolvida.
Diplomado
Nesse mesmo ano de 1881, Arthur
Conan Doyle recebeu diploma de médico e durante algum tempo voltou a ser
assistente do Dr. Hoare. Vários fatos ocorreram, ameaçando a sua tranquilidade
profissional, até que conseguiu realizar seu desejo de fazer nova viagem
marítima. Lá se foi ele no navio "Mayumba", a caminho da costa
ocidental da África. Sua mãe o animava. Um ou dois anos de viagem lhe
permitiriam arranjar dinheiro suficiente para instalar um consultório por conta
própria. Em outubro desse ano, porém, o navio foi acossado por tremenda
tempestade, depois de Tuskar Light. E todos viram um médico gigante permanecer
destemerosamente metade da noite sobre o tombadilho lavado pelas águas. Foi
essa uma de suas últimas noites de satisfação a bordo, nessa viagem acidentada
à Costa do Ouro. Em janeiro de 1882, o "Mayumba" atracava de novo em
Liverpool. Sentou-se Arthur numa sala onde exalava insuportável fétido de
madeiras e metais
queimados, e escreveu à sua sempre lembrada mãe uma carta, de onde destacamos
estas linhas: "Escrevo-lhe para
dizer que cheguei são e salvo, depois de haver apanhado a febre africana e
quase ter sido devorado por um tubarão. Como cena final, o "Mayumba"
se incendiou entre a ilha da Madeira e a Inglaterra. Não penso voltar à África.
O que ganho é menos do que poderia ganhar com a minha pena ao mesmo tempo, e o
clima é atroz. Espero que não se
decepcione por eu haver abandonado o navio, mas isto não é suficiente. Eu seria capaz de
fazer qualquer coisa para não decepcioná-la ou causar-lhe desgosto. Podemos conversar a
esse respeito."
Conversaram e tudo se acomodou. Nessa ocasião, chegou uma carta da tia Anette,
chamando-o a Londres, a fim de falar-lhe de suas probabilidades para o futuro.
Choque
inevitável
Foi essa a primeira vez que Arthur
Conan Doyle defrontou a primeira crise real de sua existência.
Seus parentes católicos poderiam influir muito na sua vida futura. Mas ele,
fiel à
sua maneira de sentir, respondeu à tia Anette, dizendo que era agnóstico e que,
diante disto,
seria falta de honestidade de sua parte discutir o assunto com eles. Sua mãe,
que daria tudo para ver o filho triunfante, deixou que ele fizesse o que
pensava e guardou silêncio.
Não tardou que chegasse a resposta
da tia Anette, insistindo para que ele, mesmo assim, fosse a Londres.
E para lá partiu o jovem e
voluntarioso Arthur Conan Doyle.
*
Arthur Conan Doyle chegou à casa dos
tios disposto a manter sua opinião, mas desejoso de evitar uma ruptura. Passeou
os olhos pela sala de jantar da casa de Cambridge Terrace. Lá estava a grande
mesa, em volta da qual já haviam sentado homens preeminentes, como Walter
Scott, Disraeli, Thackeray, Coleridge, Wordsworth, Rossetti, Lever e muitos
outros, todos eles amigos de seu tio John e que representavam o mundo literário
que tanto atraía o jovem Arthur. Intimamente, não desejava crer que seus
parentes se aborrecessem tanto por simples questão religiosa. Mas era
justamente neste ponto que ele se enganava. "Para seus tios, já envelhecidos, superiores e sem descendência, a única
coisa que importava no mundo era a Igreja Católica. Seus antepassados tudo
haviam dado por ela e para ela. Os bens materiais eram efêmeros; só a fé era
real. No entanto, esse jovem Arthur, para quem eles haviam sido tão bondosos, estava
pondo a própria alma em perigo, por causa de um perverso capricho."
Iniciado O "conselho de
família", Conan Doyle foi franco: - Se eu exercesse minha profissão como
médico católico, teria que receber dinheiro e declarar que acredito em algo em
que realmente não creio. Vocês todos teriam o direito de me considerar o maior
canalha do mundo, se o fizesse. Vocês não procederiam assim, não é certo?
O tio Dick, que ele conhecera tão
sereno, estava furioso, e retrucou: Mas nós estamos falando da Igreja Católica.
E isso é diferente.
- Eu sei. Mas em que sentido é
diferente, tio Dick?
- Porque aquilo em que acreditamos é
verdadeiro.
A fria simplicidade desta observação
chocou-se com o ânimo de Conan Doyle, quando seu tio acrescentou:
- Se somente possuísses fé...
O rapaz, com a firmeza que lhe era
habitual, contestou:
- Sim, é isso o que todos me dizem.
Falam de ter fé como se fosse possível obtê-la por um ato voluntário. Poderiam
pedir--me também que tenha cabelos negros em vez de castanhos. A razão é a mais
alta faculdade que a criatura humana possui. Temos de fazer uso dela.
Esta resposta de Conan Doyle não
abalou os tios. E o de nome James indagou:
- Que te diz a razão?
- Diz-me que todos os males da
religião, dezenas de religiões destroçando-se umas às outras, provêm de serem
aceitas coisas que não podem ser provadas. Dizem-me que esse Cristianismo de
vocês contém muitas coisas nobres e magníficas, misturadas com uma quantidade
de absurdos e futilidades sem-nome. Dizem-me ...
Estava concluída a entrevista.
Ao deixar aquela casa, Arthur Conan
Doyle sabia que uma porta se havia fechado para ele definitivamente. Ainda que
os céus desabassem, jamais recorreria a esses tios - pensou com os seus botões.
Um sobrinho a quem tantas vezes haviam agasalhado passou a ser um estranho.
Alguém poderia dizer que ele pusera fora a grande oportunidade de sua vida. Mas
Arthur Conan Doyle possuía excelente formação moral, tinha um caráter rijo,
modelado por uma mãe excepcional. Por isto, reafirmou suas opiniões religiosas
e jurou que jamais aceitaria algo que não pudesse comprovar.
Tentando
a sorte
Decidido a vencer, Conan Doyle
pôs-se a procurar colocações a bordo, sem resultado. Recebeu,
nessa época, um telegrama de seu amigo Dr. Budd, que lhe oferecia um lugar em seu
consultório, pois tinha muito serviço, prometendo a Conan Doyle trezentas
libras no primeiro ano de trabalho, desde que ele se encarregasse de todas as
visitas, de toda a cirurgia, de todos os partos. Esse Budd, porém, era um
charlatão espetaculoso, embora médico capaz, e possuidor, realmente, de grande
clientela. Numa palavra, um cabotino.
O que se passou, dai por diante, foi
penoso para Conan Doyle, que ganhava apenas uma ou duas libras por semana.
Enquanto Budd prosperava, ele marcava passo. Seus credores aumentavam, porque
Budd não lhe pagava o que havia prometido. De boa-fé, Conan Doyle defendia o
amigo, quando sua mãe dizia que Budd não era relação que servisse para ele,
criticando duramente o caráter desse médico.
Indiscretos
Um dia, quando Conan Doyle estava
ausente, Budd e a mulher remexeram-lhe os móveis e encontraram as cartas em que
a mãe de Arthur se externava com franqueza a respeito desse falso amigo.
Traiçoeiro, Budd nada disse, esperando que chegasse o mês de junho, quando, da
maneira mais suave, declarou a Conan Doyle que este arruinara a sua clientela
desde o começo. E explicou: "Essa gente da roça tem a cabeça dura. Veem
uma porta com dois nomes de médico e se atrapalham. Querem o Dr. Budd, mas
receiam ser enganados pelo Dr. Doyle. Ficam nervosos e vão embora."
Conan Doyle, que nada sabia do que
havia sucedido, foi para o pátio e retirou com um martelo a placa que tinha o
seu nome na porta principal. Budd aproveitou o ensejo para alegar que ele estava
agindo precipitadamente e de mau humor. E lá se foi ele para Portsmouth, onde
abriu um consultório, também sem êxito. Os primeiros tempos de clínica eram
bastante difíceis. Como o Dr. Budd lhe havia prometido pagar-lhe uma libra por
mês, para que ele desfizesse o acordo estabelecido, ele contava com essa libra
para ir ajudando as despesas menores. Dois contos seus, "Ossos" e
"A ribanceira de Bluemansdyke", publicados pelo editor de
"London Society", lhe renderam sete libras, e quinze xelins lhe foram
pagos como adiantamento por outros trabalhos. Conan Doyle chamara seu irmão
Innes, de dez anos, para ajuda-lo como servente.
Comédia
Estava tudo indo assim, Conan Doyle
às voltas com o aluguel da casa que ocupava e com outras despesas que não podia
solver, quando o Dr. Budd lhe escreveu, dizendo haver encontrado, no quarto que
ele ocupara, pedaços de certa carta rasgada. Juntara esses pedaços, depois que
Arthur fora para Portsmouth, e verificara tratar-se de carta da mãe de Conan
Doyle, que continha pesados insultos a ele, Dr. Budd, chamando-lhe "pouco
escrupuloso" e "tapeador em falência". Ora, isso era uma
falsidade, pois a verdadeira carta se achava em poder de Conan Doyle. Mas, com
esse estratagema, Budd livrou-se da obrigação assumida de lhe dar uma libra
mensal...
Melhoria
Parece que, rompidos os laços que o
ligavam a Budd, as coisas começaram a melhorar e os primeiros clientes foram
chegando. Seu consultório tinha respeitabilidade e asseio. O tempo correra e um
belo dia o correio entrega a Conan Doyle uma carta da firma Smith, Elder &
Co., datada de 15 de julho de 1883, que saudava A. C. Doyle, e lhe fazia
entrega de um cheque de vinte e nove guinéus em pagamento de uma colaboração que
o escritor enviara ao "Cornhill Magazine", sob o título "A Observação
de Habakuk Jephson", que ainda não havia sido publicada.
Conan Doyle vibrou de satisfação.
Conseguira finalmente entrar na fortaleza ínexpugnável que era o "Cornhill
Magazine".
Entretanto...
*
A alegria de Conan Doyle por ver
aceito o seu trabalho "A Observação de Habakuk Jephson", pelo
"Cornhill Magazine", cujo editor havia sido anteriormente Thackeray e
estava então prestigiado pelo famoso novelista Robert Louis Stevenson, autor de
"A Ilha do Tesouro", "Dr. Jeckyll e o Sr. Hyde" e outros,
não foi tão completa como seria de desejar. É bem verdade que o "Cornhill
Magazine" só publicava trabalhos de real valor e seu editor, o eminente
James Payn, era muito exigente a esse respeito. Acontece, porém, que omitiram o
nome de Conan Doyle e "Habakuk" apareceu sem a sua assinatura, tendo
um crítico atribuído sua autoria a Stevenson, comparando-o a Edgar Allan Poe. É fácil imaginar o estado de espírito de Conan
Doyle, ao ver um trabalho seu ser tão elogiado e atribuído a outros escritores.
Foi preciso que ele se contivesse muito para deixar de dizer a todo o mundo ser
seu "A Observação de Habakuk Jephson". Lutando como estava, não pode
suprimir a colaboração para revistas más, modestas e baratas, como "London
Society", "AlI the Year Round" ou "Boy's Own Paper".
Até 1884, exerceu sem grandes
modificações a sua profissão de médico, sem abandonar, entretanto, a
literatura. Ainda arranjava tempo para orientar seu irmão Innes na redação de
um "diário".
Conan
Doyle salva o tio
Desde aquela entrevista em Cambridge
Terrace que Conan Doyle sofria de amargura e não havia feito as pazes com os
tios. Esteve uma ou duas vezes com o tio Dick, salvando-lhe a vida de um ataque
de apoplexia. Este, depois, lhe enviou uma carta de apresentação para o bispo
de Portsmouth, ajuntando que "não existia médico católico na cidade".
Ao ler isto, Conan Doyle ficou irritado. E a carta dizia mais: "Volta ao
aprisco; aceita a fé e não passarás fome." Num gesto brusco, largou a
carta ao fogo. Não era homem de enfraquecer por qualquer coisa. Aquela carta,
pelo contrário, lhe dava novas forças para enfrentar a situação delicada em que
vinha vivendo.
Simplicidade
Doutra feita, sua mãe, a quem ele
adorava, perguntou-lhe por que não usava em seus papéis o escudo de nobreza da
família, o escudo dos Foleys, que era o orgulho dela. Conan Doyle esclareceu
que "os escudos de família em uma folha de papel pareceria um pouco
ostentoso". As vezes não dava resposta às cartas que recebia, por falta de dinheiro
para o porte. Lutando sem desânimo, Conan Doyle começou, por fim, a derrubar as
primeiras barreiras. Sua clientela foi aumentando, fato que comprovou ao ser
saudado por seus conhecidos.
Exímio
no futebol
Suas façanhas no críquete e no
futebol contribuíam também para isso. Jogava com muita técnica e não menor
energia, tornando-se popular no esporte. Fez-se sócio da Sociedade Literária e
Científica, dividindo suas horas de lazer entre a literatura e o esporte.
Chegou até a ganhar bela caixa de charutos finos em virtude da sua perícia no
boliche. De quando em quando, para alegrar-se, recebia a visita de alguma de
suas irmãs.
Êxito
de "Habakuk"
Médico da Companhia de Seguros de
Vida Gressham, Conan Doyle viu sua renda aumentar. Teve ocasião de fazer a dura
experiência que o contato com a dor e a morte impõe aos médicos. Quanto mais se
dedicava à Medicina, mais se aprofundava nas letras. "Depois do
aparecimento de "A Observação de Habakuk Jephson" - diz seu biógrafo
Carr -, em janeiro de 1884, durante algum tempo não teve Conan Doyle oportunidade
de ver publicado outro trabalho no "Cornhill Magazine". Esse conto,
feito com muita imaginação, baseava-se num abandonado barco misterioso, de nome
"Mary Celeste". Teve repercussão muito além dos elogios dos críticos.
Ao longe, em Gibraltar, foi lido por um tal Sr. Solly Flood, intercessor de S.
M., que ficou petrificado, e, por intermédio da "Central News
Agency", enviou um telegrama que percorreu a Inglaterra inteira.
Esse Flood escreveu também um longo
relatório a seu Governo e aos jornais, salientando a ameaça que, para as
relações internacionais, representavam as pessoas como esse doutor Jephson, as
quais fingiam revelar fatos que oficialmente poderiam ser provados como falsos.
Antes que a situação ficasse esclarecida, os jornais se divertiram bastante com
os temores desse Sr. Flood. Para o doutor Conan Doyle essa ocorrência foi o princípio
de uma revelação. Poderia escrever ficções que muitas pessoas tomariam por ser
a verdade mesma.
Assim, o ano de 1884 começava para
ele com uma febre por escrever, mas o "Cornhill Magazine" lhe
devolvia todos os trabalhos que ele enviava para publicar. Mas o grande escritor
do futuro se alegrou ao receber convite para participar de um almoço que aquela
revista oferecia a seus colaboradores, no Barco, em Greenwich. Foi nesse almoço
que Conan Doyle conheceu Payn, diretor do "Cornhill Magazine".
Injustiça
Ao ser divulgado um concurso literário
do "Tit-Bits", Conan Doyle para lá mandou um artigo. Mas ficou
indignado ao ver que o prêmio havia sido concedido a um trabalho em todos
os aspectos inferior ao seu. O que o irritava é que não havia justiça. Resolveu
que os obrigaria
a ser justos!
Fez ele, então, uma
proposta-desafio, que o editor da citada revista deixou sem resposta, dada a
impossibilidade de desmenti-lo. Indiretamente Conan Doyle vencera...
*
Primeiro
casamento
Em junho de 1885, Conan Doyle,
depois de defender tese, recebeu o título de M. D., doutor em Medicina (Medical
Doctor), e em agosto casou-se com a suave Louise Hawkins, "Touie".
Sempre lutando para que seus trabalhos literários fossem aceitos e buscando
firmar-se na carreira médica, ele chegou ao Ano Novo de 1887.
Atraído
pelo psiquismo
Estava então inteiramente preocupado
com um novo e delicado assunto: o psiquismo. Havendo renunciado ao Catolicismo,
que não satisfazia ao seu espírito evoluído, permaneceu materialista, tal como
o historiador Gibbon, a quem tanto admirava. Mas o seu materialismo era mais de
superfície, tanto que escreveu: "É
verdade que se tem de subentender um Criador, se se concebe o mundo como um
imenso maquinismo de relógio balançando sobre o vácuo."
Contato
com o Espiritismo
Ao iniciar-se o ano de 1887, Conan
Doyle foi visitar um de seus doentes, o General Drayson, que lhe falou de
alguma coisa chamada "Espiritismo". Esse general era astrônomo e
matemático notável. Disse a Conan Doyle de suas conversações com um irmão já
desencarnado, razão pela qual se convertera ao Espiritismo. Conan Doyle ouvia,
mas nada dizia. O general lhe assegurou que a existência além da morte era um
fato provável. Prudente,
Conan Doyle respondeu com algumas palavras que o não comprometiam. Desde, porém,
que havia a possibilidade de prova, seu espírito ficou interessado em conhecer
melhor isso a que denominavam "Espiritismo". Em um caderno de notas intitulado
"Livros que devo ler", ele anotou certa quantidade de obras sobre o
assunto, que, ao cabo de um ano,
chegaram ao número de setenta e quatro. Depois de se dedicar ao estudo desses
livros, Conan Doyle meditou muito sobre tudo quanto despertara sua atenção e
dentro em pouco tempo conhecia profundamente os problemas oferecidos pelo Espiritismo.
Duma feita, citou apaixonadamente o Alcorão: "Podes crer que o céu e a terra e o que há entre eles há sido feito por
pilhéria?" Em outra ocasião, mencionou Hellenbach: "Há um ceticismo que
sobrepassa em imbecilidade a obtusidade de um camponês." Seria ele
um
cético
dessa espécie? Não, em absoluto. Já havia lido e comentado, escrevendo suas
notas, "Os
Milagres e o Espiritismo Moderno", de Wallace, e o "Magnetismo
Animal", de Binet e
Feré.
Experiências
práticas
Chamando seu amigo Ball, arquiteto
de Portsmouth, resolveu fazer sessões espíritas, que começaram em 24 de janeiro
de 1887 e, com pequenos intervalos, se prolongaram até princípios de julho. Fez
um relatório pormenorizado dessas reuniões, no qual se pode perceber a sua
compreensão e o seu profundo interesse pelos fenômenos mediúnicos. Seis sessões
foram realizadas com um médium experimentado, de nome Horstead. Numa dessas reuniões,
esse médium disse estar vendo o Espírito de um velho de cabelos grisalhos,
testa alta, lábios delgados e de fisionomia enérgica, que olhava fixamente para
Conan Doyle.
Mensagem
confirmada
Novamente, durante a sessão, esse
velho se fez notado e um membro da sessão recebeu dele uma mensagem alusiva a
Conan Doyle, a qual dizia: "Esse cavalheiro é médico. Não deve ler o livro
de Leigh Hunt." Ora, Conan Doyle confessou depois que estava vacilante
sobre se deveria ou não comprar o livro "Os dramaturgos cômicos da Restauração",
e que o não adquirira devido à sua linguagem libidinosa. Jamais havia revelado
esse fato a quem quer que seja, nem pensava nele nessa ocasião. "Portanto,
esclarece, não foi um caso de telepatia."
Impaciência
Depois da surpresa dessa noite,
Conan Doyle, atormentado pela dúvida e a indecisão, o que se pode notar pela
leitura de seu "diário", esforçava-se bastante por adquirir
conhecimentos cada vez mais profundos a respeito dos assuntos psíquicos. Não
era homem para aceitar as coisas facilmente, antes de provas que lhe dessem
cabal satisfação. Resolveu, assim, continuar investigando e lendo, porque,
depois de tantas leituras e severas investigações, ainda não havia chegado a
uma conclusão definitiva. Pensou lá com seus botões:
"Talvez eu não tenha investigado
bem, com a atenção necessária." E resolveu ser ainda
mais exigente.
*
Passemos por cima de outros fatos da
dinâmica vida de Arthur Conan Doyle, pois é nosso objetivo relatar
preferentemente as suas principais atividades no Espiritismo. Muita coisa
acontecera com ele, depois daquela primeira sessão espírita realizada em 24 de
janeiro de 1887, além do seu crescente êxito literário. Em fins de janeiro de
1889, nasceu-lhe a filha Mary Louise; sua mãe, renunciando ao Catolicismo-Romano,
ingressara na Igreja Anglicana. A famosa personagem de seus romances policiais,
Sherlock Holmes, granjeara imensa popularidade, fato que desconcertava Conan
Doyle, que desejava do público maiores
atenções para as suas novelas históricas. Tanto assim que, posteriormente,
"matou" Sherlock Holmes. Mas essa criação do seu pensamento foi tão
prodigiosa, tão genial, que ele se viu forçado a provocar-lhe a
"ressurreição", cedendo ao clamor de milhares de leitores, no Reino
Unido, na Europa, nos Estados Unidos, no mundo!
Conan
Doyle encontra Crookes
Encontrava-se o célebre escritor, em
1901, no vestíbulo de Whitehall Rooms, conversando com alguns amigos, quando do
grupo se acercou o notável físico William Crookes, portador de numerosos
títulos científicos e famoso também pela extraordinária coragem demonstrada, ao
enfrentar os misoneístas da época, na defesa da realidade dos fenômenos
espíritas, por ele investigados demorada e exaustivamente (ver "Fatos
Espíritas", edição da Federação Espírita Brasileira, Rio).
Negadores
desconcertados
Depois de ligeira parada, Crookes
continuou seu caminho. Então alguém disse estar surpreso ante o fato de um
homem de sua importância, de sua posição no mundo da Ciência, acreditar em
Espíritos.
Conan Doyle atalhou, imediatamente:
- Acredito que, por detrás das
crenças de Crookes, haja alguma coisa merecedora de...
- Não graceje! - exclamaram alguns
amigos.
- Não estou gracejando. Venho
estudando cuidadosamente, há muito tempo, as investigações de Crookes, Oliver
Lodge e Frederic Myers. Parece que há nesse assunto muita coisa digna de...
- Fé? - interrompeu um deles, com ar
de mofa.
- Pelo menos - concluiu Conan Doyle,
seriamente - de consideração, já que não de uma fé verdadeira.
Ao proferir essas palavras, sacudiu
a cabeça, de um modo que lhe era muito característico, e se dirigiu a outros
amigos que solicitavam sua presença.
Justamente no momento em que ele se
afastava, disseram-lhe:
- Até você, Arthur? Será que Saul
também se encontra entre os profetas?..
Arthur Conan Doyle
Parte 2 e final
por Indalício Mendes
in Reformador (FEB) Dezembro 1978
Em 1902, o Rei Eduardo VII, da
Inglaterra, considerando os grandes serviços prestados por Conan Doyle, a
propósito da guerra dos "boers", cogitava de conceder-lhe o título,
nobiliárquico de "Sir". Fiel a seus rígidos princípios, Conan Doyle
não se mostrava disposto a aceitar a honraria. Se havia sido útil a seu país,
esclarecendo fatos, restabelecendo
a verdade, fazendo crítica construtiva, até mesmo a autoridades inglesas; se
havia sido útil, enfim, cumprira apenas seu dever. Nada mais. "Não aceitaria o que considerava
condescendência, nem aceitaria vulgares migalhas de uma mesa qualquer" - escreveu
um de seus biógrafos.
E asseverava Conan Doyle:
- "Todo o meu trabalho em favor do Estado se macularia se eu aceitasse uma
dessas "recompensas". Pode parecer orgulho, pode parecer loucura, mas
eu não posso aceitá-la. O título de maior valor que possuo é o de "doutor",
que devo aos sacrifícios de minha mãe e à sua determinação.
Não quero trocar esse título por quaisquer outros."
Apesar de enérgica resistência,
Conan Doyle teve que aceitar os pontos de vista de sua mãe, que assim
argumentara:
- Arthur: se queres conservar teus
princípios, cometerás uma descortesia com o rei. Embora
contrariado, concordou Arthur Conan Doyle que seu nome figurasse na Lista de Honra
dos que seriam contemplados com o título de "Sir".
No "Dia da Coroação",
festejado alegremente na Grã-Bretanha e em todas as suas colônias, Conan Doyle
teve assento reservado junto ao de Oliver Lodge, autor de "Raymond" e
um dos grandes campeões do Espiritismo na Inglaterra, que receberia também
nessa data o referido título. Quase esquecendo o fim de sua presença naquele
local, começaram ambos a discutir assuntos do Espiritismo. Foi uma conversação
animada, durante a qual pontos importantes foram debatidos com profundo
interesse.
Curioso
episódio
No ano de 1906, a 17 de fevereiro, o
capitão Innes Doyle, seu irmão, que não o via desde que fizeram juntos a
excursão aos Estados Unidos da América, em 1894, foi visitá-lo. A certa altura,
enquanto Arthur Conan Doyle escrevia uma carta, ponderou Innes:
- "Sabes, Arthur? Seria
bastante estranho se a tua verdadeira carreira, em vez de estar na literatura,
estivesse na política."
O novelista, sem erguer a cabeça,
respondeu de imediato, quase automaticamente:
"-
Minha carreira não será nenhuma dessas.
Será a religião."
"- A religião?! - tomou Innes,
visivelmente surpreendido."
Foi quando Conan Doyle caiu em si,
olhando para o irmão com tal expressão de espanto no rosto, que ambos começaram
a rir. Não sabia ele como semelhante resposta lhe saíra dos lábios, e confessou
considerá-la idiota.
"- A verdade é que minha futura
carreira nada terá com a religião."
Nesse momento, ignorava Conan Doyle
para onde os fatos o levariam. As palavras irromperam-Ihe involuntariamente da
boca, como se algum Espírito dela se utilizasse para lhe dar aviso muito
antecipado da mudança que sua orientação iria sofrer nesse sentido.
Desde que iniciara os estudos
psíquicos, em Southsea, que Conan Doyle nutria grande afeto pelo Espiritismo,
porque, na sua opinião, nele poderiam ficar incluídos todos os credos religiosos.
Religião sem dogmas, sem liturgia nem intolerâncias, o Espiritismo
inspirara-lhe simpatia muito profunda, porque coincidia com o seu espírito
altamente humano, extraordinariamente reto e liberal.
Embora não houvesse dado maior
importância ao fato ocorrido durante a visita de Innes, a realidade estava
evidente: fora, sem dúvida, uma entidade invisível que se utilizara de
seus lábios e da excelente oportunidade para dizer o que ele próprio não
admitia: sua futura
carreira seria a religião, em vez da literatura ou da política.
Ninguém combateu com maior ardor do
que ele a fraude e a mistificação. Embora ainda fossem fortes as suas dúvidas,
não desistiu das investigações. Não podia compreender o recebimento de
mensagens banais em sessões espíritas. Mas o entendeu logo que se familiarizou
com a Doutrina. Admirava o Espiritismo por sua elevação moral, porque não é
religião sectária, não condena as criaturas humanas ao castigo eterno, não as
ameaça de perder a alma por causa de simples pormenores doutrinários, nem
possui a intolerância que tanto o irritara quando menino, predispondo-o contra
todos os credos dominantes
na Europa, como o Catolicismo e o Protestantismo. Com muito maior razão, depois
de homem, repeliria estreitos e sombrios preconceitos religiosos. Justamente
por motivo de sua experiência no Catolicismo, exigia provas concludentes no
Espiritismo, apesar do afeto profundo que devotava à Terceira Revelação.
O
livro de Myers
"A personalidade humana e sua
sobrevivência à morte do corpo", de Frederic Myers, publicado após o
decesso do autor, em 1901, impressionou-o bastante. Daí a decisão de Conan
Doyle, de fazer suas próprias experiências, com mesas e médiuns, sob severo
controle e com todas as precauções contra a fraude e a mistificação, pois a
campanha que se fazia, então, contra o Espiritismo, era tremenda,
principalmente por aqueles que o negavam aprioristicamente e se recusavam a
participar de longas e cansativas experiências para poderem chegar a honestas
conclusões.
Seu progresso era lento, mas seguro.
A enfermidade de sua primeira esposa
Touie, entretanto, não lhe permitia dispensar maior
tempo às investigações. A 4 de julho de 1906, ela desencarnou, vítima da
tuberculose, apesar da carinhosa assistência de Conan Doyle, que lhe
proporcionara viagens de cura, os melhores tratamentos conhecidos na época e o
máximo conforto.
Em seguida, sobreveio o célebre
"caso Edalji", que lhe valeu, após intenso trabalho, grande vitória,
pois pode provar irrefutavelmente a inocência do acusado.
Evidências
de mediunidade
Somos dos que admitem que todas as
criaturas humanas são dotadas de mediunidade latente. Algumas se desenvolvem
naturalmente ou mediante exercícios
adequados,
com a assistência do Invisível. Outras nada sentem e por isto se julgam
desprovidas desse dom. Tal era o caso de Arthur Conan Doyle. No entanto, ele
demonstrou no decurso de sua vida um poder de intuição magnífico, inclusive
através de suas novelas policiais e históricas.
Aquele episódio com o seu irmão
Innes, as profecias de seu conto "Perigo!", publicado em 1913,
antecipando práticas até então desconhecidas, que foram utilizadas na Guerra
Mundial iniciada em 1914, além de outros fatos, reforçam a nossa suposição de
ter sido Conan Doyle um médium intuitivo. Predisse a técnica da primeira
conflagração mundial, relatando com fidelidade a guerra submarina, os
torpedeamentos de navios neutros,
os ataques aéreos, etc.
Contou em 1913 o que aconteceria de
1914 a 1918!
...................................
Em setembro de 1907, consorciou-se
pela segunda vez. Sua nova esposa chamava-se Jean Leckie. Em 1909, nasceu-lhe o
primogênito desse matrimônio, Denis Percy Stewart Conan Doyle. Em 1910, o
segundo, Adrian Malcolm Conan Doyle. Em 1914, visitou de novo os Estados Unidos,
agora com sua esposa Jean, e foi ao Canadá, regressando à Inglaterra nos
primeiros dias de julho. A 23 desse mês, o Império austro-húngaro enviava o
ultimato à Sérvia, dando início à Grande Guerra.
Cresce
Conan Doyle diante da dor
Conan Doyle prestava valiosos
serviços a seu país, na frente interna, pois a idade não mais
lhe permitia o serviço militar. O primeiro golpe fatal desferido pela guerra em
sua família
atingiu o cunhado, Malcolm Leckie. O bondoso gigante de Edimburgo tinha, porém, grandes
reservas de força moral. Suportava corajosamente os contratempos, mas sofria, vendo
o sofrimento das mães que reclamavam os filhos, das esposas que indagavam pela sorte
dos maridos, das noivas que choravam pelos noivos...
Conan Doyle era forte, mas não era
insensível. Conan Doyle, espírito percuciente, estudou a guerra pelo lado de
dentro, isto é, procurou penetrar o mundo íntimo das criaturas
que, de um momento para outro, se viam despojadas da felicidade. Aquelas que se
punham em contato com o Espiritismo, pareciam mais resignadas, porque
compreendiam melhor as coisas.
Onde
estão nossos mortos?
Jamais o mundo havia passado por
tamanha provação. Tal qual está no Evangelho, ouviam-se choros e ranger de
dentes. Começaram a chegar a seus ouvidos as perguntas dolorosas: "Onde
estão nossos mortos? onde estão nossos mortos?"
"Uma desventurada mãe, que
havia perdido o filho, procura explicar, meio dementada pela dor: "Ele
estava ali... ali... Então, explodiu uma granada. Nada restou dele, nada que pudesse
ser sepultado... " - escreveu Conan Doyle, emocionado.
Que
faria você?
Em fins de agosto, a “Gazeta
Psíquica Internacional" fez em suas páginas estas perguntas a vários
homens e mulheres eminentes: "Que faria você para consolar os que estão
dominados pela dor? Como procederia para ajudá-los?" Houve mais de cinquenta
respostas. A de Conan Doyle foi a mais curta: "Parece-me que nada posso
dizer que valha à pena. Só o tempo pode mitigar a dor." Suas palavras
foram divulgadas no número de outubro de 1915. Não é que ele não compreendesse
o sofrimento dos aflitos. Justamente porque o compreendia, não desejava dar
esperanças infundadas...
Prova
definitiva
Llly Loder-Symonds, amiga dos Doyle,
era médium e escrevia automaticamente. Conan Doyle comentara: "Tinha-se a
impressão de que alguma força se apoderava de seu braço e ela escrevia coisas
que pareciam vir de entre os mortos. Todavia, devemos sempre olhar com suspeita
a escritura automática, pois é tão fácil alguém enganar-se a si mesmo... Como
podemos saber se o médium está ou não dramatizando certas facetas de sua
personalidade?" Essa dúvida demonstrava que, ainda aí, Conan Doyle não
havia adquirido a convicção sólida que lhe veio depois.
Lily Loder-Symonds havia perdido
três irmãos na guerra, além de um amigo, na pessoa de Malcolm Leckie. Começou a
receber mensagens desses quatro jovens e algumas delas foram confirmadas
posteriormente. Comentou Conan Doyle:
- "As mensagens estavam cheias
de pormenores militares que a moça ignorava. Um de seus irmãos informou haver
conhecido um belga, e, como deu seu nome, pudemos averiguar que assim
acontecera efetivamente. Outros resultados, no entanto, foram falsos ou não
puderam ser comprovados."
Conan Doyle ficou impressionado com
essas comunicações, mas não prosseguiu. Depois, sucedeu alguma coisa. Ele
recebera uma mensagem de Malcolm Leckie, que mencionava fatos de caráter muito
pessoal, somente deles conhecidos.
Durante trinta anos,
aproximadamente, Conan Doyle havia buscado uma prova objetiva das comunicações
dos Espíritos. Encontrara-a, finalmente, nessa mensagem de Malcolm, que lhe
deixou profunda impressão.
Então, pôde afirmar:
- Por fim, deixei de duvidar.
Dois anos mais tarde, em 1918, Conan
Doyle publicou "A Nova Revelação" (livro editado pela Federação
Espírita Brasileira, Rio) e lá escreveu o seguinte sobre a comunicação de
Malcolm Leckie e outros fatos:
"Em face de um mundo que agonizava, ouvindo narrar diariamente como
morria a flor da nossa raça, nos primeiros albores da sua juventude,
observando, à volta de nós, as esposas e as mães sem fazerem ideia clara do
destino que teriam tido os seres a quem amavam, de pronto se me afigurou que o
assunto, com que desde tanto tempo eu brincava, não se resumia apenas no estudo
de uma força que escapa aos preceitos da ciência, que nele havia alguma coisa
verdadeiramente tremenda: o desabar de muralhas entre dois mundos, uma mensagem
inegável vinda diretamente do Além, um brado de esperança e de encaminhamento
para o gênero humano, na hora da sua mais viva aflição. O lado objetivo da questão deixou de me
interessar. Convencido, afinal, da sua veracidade, não havia mais porque
prosseguir. Seu lado religioso apresentava importância infinitamente maior. A
campainhada do telefone é coisa em si mesma pueril, mas pode dar-se que seja a
chamada para uma comunicação de vital interesse. Afigurou-me que todos esses
fenômenos, grandes e pequenos, eram campainhadas de telefones que, sem
significação em si mesmas, bradavam aos homens: "Levantai-vos! Alerta! Atendei!
Estes sinais são para vós outros! Eles vos previnem da mensagem que Deus vos
quer enviar!" O que tem valor real é a mensagem, não os sinais."
Em
inspeção
Em 1916, o Ministério do Exterior da
Inglaterra enviou Conan Doyle a uma viagem oficial de inspeção, além do Canal
da Mancha. Homem ativo, semelhante convite lhe causou grande contentamento.
Tivera a incumbência de visitar a frente italiana e escrever algo para
estimular os peninsulares na luta contra a Áustria. Aí, quase foi morto por uma
granada, mas gracejou: "Não me venham dizer que os austríacos não sabem
atirar!" Sentia-se leve e bem disposto, porque se achava em ambiente de
grande atividade, compatível com o seu temperamento, e também porque estava
colhendo dados para apregoar uma grande verdade ao mundo.
Piave...
Piave...
Sofrendo muito de insônia, Conan
Doyle, certa vez, ouviu incessantemente a palavra "Piave", atordoando
sua cabeça: "Piave... Piave... Piave...". Lembrava-se de ter ouvido
muito vagamente o nome desse rio que ficava atrás das linhas italianas. Não
havia, porém, razão
para que essa palavra martelasse seus ouvidos, pois nenhum caso particular o
ligava a ela. Dada a insistência, resolveu anotar o nome e mostrou-o a alguns
amigos. Conan Doyle lembrou-se dessa palavra, quando foi divulgada a notícia da
grande vitória italiana na batalha
às margens do referido rio. Tivera, pois, aviso do famoso acontecimento com
bastante antecedência.
Nova possibilidade de revelação
intuitiva a reforçar a hipótese de sua mediunidade é o que essa ocorrência
parece demonstrar.
Arthur Conan Doyle resumia sua
crença neste heptálogo:
1) A paternidade de
Deus;
2) A fraternidade
do homem;
3) A sobrevivência
da alma;
4) A comunicação
entre os vivos e os mortos;
5) A
responsabilidade pessoal;
6) Uma justiça
divina premiando a cada um
segundo seu merecimento e seus esforços;
7) Uma progressão
eterna.
"A revelação - disse ele em
"A Mensagem Vital" - anula a ideia dum inferno grotesco e dum céu
fantástico, por conceber uma elevação progressiva na escala da vida, sem
mudanças monstruosas que num instante nos transformem em anjos ou
demônios."
Conferências
Em 1917, Arthur Conan Doyle começou
a fazer conferências espíritas, expondo e analisando os fenômenos psíquicos.
Nunca mais parou, desde então, essa propaganda importante do
Espiritismo-Religião. O que ele fez, os esforços que despendeu, os ataques
sofridos, a fortaleza de ânimo revelada e a firmeza com que se sobrepôs aos
inimigos do Espiritismo, que também se tornaram, com isso, seus inimigos,
puseram em relevo a elevação
moral desse homem extraordinário, que não foi apenas um romancista de episódios
policiais, mas um escritor de grande erudição, servido por uma inteligência
viva e penetrante.
Tamanho é o prestígio de que ainda
hoje goza o seu nome que todas as suas obras, ou quase todas, foram há pouco
tempo publicadas em nosso país, não só as de aventuras, nas
quais Sherlock Holmes, o precursor da polícia técnica, é o herói, como as de
História, onde
Conan Doyle põe em relevo grande cultura e peculiar "maneira de
dizer".
Cooperação
Doía-lhe ver a Humanidade devastada
pela primeira conflagração bélica mundial. Em abril de 1917 os Estados Unidos
entraram na guerra. Logo depois, a Revolução Bolchevista aumentou as
preocupações da Europa. A frente russa, em julho, se desmorona perante o
inimigo. Conan Doyle não parava. Fazia conferências espíritas, chamando a
atenção do povo para a grandeza do Espiritismo, que constituía a prova cabal de
que a morte não significa o aniquilamento da alma; e, como bom patriota, agia,
colaborando com o Primeiro-Ministro inglês.
Kingsley
Preparava-se Conan Doyle para
iniciar uma palestra espírita, em Nottingham, quando recebeu
um telegrama, informando achar-se moribundo seu filho Kingsley. Homem forte, controlou-se.
Apenas seus olhos se umedeceram. Admitindo que Kingsley desejaria que ele não
suspendesse a conferência, iniciou-a em seguida. Sua palavra não denunciou um
só instante a emoção que o dominava. Duas semanas depois, era assinado o
armistício... Mais tarde,
numa fotografia de Conan Doyle, podia-se ver, ao seu lado, o Espírito de seu
filho Kingsley,
de uma nitidez admirável.
Em 1919, aos sessenta anos, Conan
Doyle poderia aposentar-se de todas as atividades, porque sua vida, até ali, já
fora bastante fecunda em numerosos sentidos. Ele, porém, não era homem de ficar
entregue à ociosidade e continuava empenhado, mais do que nunca, na propaganda
do Espiritismo.
Par
do Reino
Começou-se a falar em sua ascensão a
Par do Reino Unido da Grã-Bretanha, que é a maior distinção a que um homem pode
aspirar no império britânico. Era o reconhecimento, mais do que isto, a
ratificação oficial do seu grande valor moral e intelectual.
Acontece, porém, que havia uma
condição para que ele fosse Par do Reino: renunciar ao
Espiritismo! Arthur Conan Doyle não tinha, no entanto, o temperamento dos
acomodadores. Sabia que a sua fidelidade ao Espiritismo lhe faria perder a
grande oportunidade, além de muitos amigos presos a preconceitos sectários.
Mas, para ele, nada tinha tanto valor quanto a verdade e a verdade era o
Espiritismo, que trouxera uma mensagem nova de conhecimento, paz e amor para a
Humanidade que sofre!
Alguns anos antes, conta um de seus
biógrafos, Douglas Sladen escrevera o seguinte a seu respeito: "Trata-se de um homem a que se recorreria no
caso de crise. Há poucos em Londres que não
conheçam essa enorme figura, essa cabeça redonda com pômulos salientes e
intrépidos olhos azuis, esse rosto franco e de bom humor. É um conferencista
muito popular, agradável e entretido em assuntos leves, mas profundo e
convincente nos momentos de crise. De todos os escritores de nossa época, é
Arthur Conan Doyle quem mais merece ser chamado um grande homem."
Um escritor norte-americano, no
jornal "Free Press", de Detroit, se referia à visita de Conan Doyle
aos Estados Unidos, em 1894, e dissera: "sábio conselheiro nas resoluções de importância e um refúgio seguro
para os amigos que necessitam de seus bons ofícios."
Depois de sua atitude, recusando a
distinção de Par do Reino em troca do repúdio ao Espiritismo,
esses homens manteriam a mesma opinião a respeito dele ou mudariam de atitude,
para não perderem o prestígio e as vantagens decorrentes do apoio à
intolerância? Preferimos
não avançar mais, pois provavelmente optariam pela última dessas hipóteses.
Compreensão
Conan Doyle não se revoltou contra
aqueles que o criticaram e atacaram por causa disso. Achava que eles não tinham
culpa, pois não haviam sido alcançados pela revelação que lhe iluminara o espírito,
não fizeram as pesquisas e as experiências a que ele se dedicara
exaustivamente. "Tinham, pois, o
direito de ter opiniões contrárias, como ele, Conan Doyle, se julgava também
com o direito de sustentar as opiniões que defendia, se bem que o assunto, ele
o sabia, não era questão de opiniões, nem de teorias, nem de decisões"
- acrescenta o seu biógrafo.
Tolerante, superiormente
compreensivo, disse à esposa:
- Estejamos preparados para o que
disserem. Isso tem muita importância? - perguntou ele.
- Nada tem importância, Arthur, se
você crê que deve proceder desse modo.
- É a única atitude que posso tomar.
Toda a minha vida veio culminar nisto - o Espiritismo. É o mais grandioso fato
que existe no mundo.
Sua decisão estava tomada. Que desabasse
o mundo sobre ele. Arthur Conan Doyle continuaria de pé, como continuou.
Certa feita, quando se encontrava na
Austrália, Conan Doyle teve de suportar venenosas considerações de um tal
reverendo J. Blacket, a respeito do Espiritismo. Homem leal e decente, incapaz
de argumentos capciosos e falsidade, ele se desgostava quando encontrava
adversários que não tinham os mesmos escrúpulos. O reverendo, entre muitas das
sandices habituais lançadas contra a Terceira Revelação, repisava o tema de que
o Espiritismo é obra do demônio e os espíritas com este têm pacto firmado.
Encarando seriamente a questão, Conan Doyle escreveu: "Digamos que o
melhor exemplo é o do Cristo; quando os fariseus lhe fizeram essa imputação,
ele respondeu: Conhece-los-eis, pois, pelos seus
frutos.
Não posso compreender a mentalidade de quem pensa que é coisa do demônio o
querer provar a existência da vida além-túmulo, para poder assim refutar os materialistas.
Se isso é obra do demônio, então parece que ele se reformou."
Sua concepção filosófica, tal como a
espírita, afirmava que "não é crível que Deus ajude a um grupo da
Humanidade contra outro. O ensinamento é que a fé e as crenças têm pouca
importância ao lado do comportamento e do caráter. São estes últimos que
determinam o lugar que a alma ocupará no Além. Todos os credos religiosos,
cristãos e não cristãos, têm seus santos e seus pecadores; se um homem é
bondoso e humilde, não há por que temer pelo destino de sua alma, seja ou não
membro de uma igreja organizada na Terra".
Mediunidade
admitida
Muita gente tem perguntado se Arthur
Conan Doyle era médium. Acreditamos que sim. Ele mesmo, aliás, respondendo a
leitores que se interessavam por mais contos sobre Sherlock Holmes, respondeu
várias vezes:
- "Só posso escrever o que me
chega do Além."
Advertência
Em 1929, Conan Doyle completou 70
anos. Achava-se em Bignell Wood. Sentia-se capaz ainda de ir à Escandinávia,
cumprindo sua missão de conferencista. Pretendia depois visitar Roma, Atenas,
Constantinopla. Recordava o que escrevera ao fim de sua viagem à África
do Sul: "Voltarei mais forte de
saúde, com as minhas crenças ainda mais sólidas, com mais desejo que
nunca de combater pela maior de todas as causas: a regeneração por meio da religião, por
meio do Espiritismo, que é direto e prático e, além disso, é o antídoto único
contra o materialismo científico."
Visitou Haia e Copenhague, chegou à
Noruega e Suécia. Em Estocolmo, principalmente, fizeram-lhe calorosa acolhida e
as ruas se encheram de gente para saudá-lo. Ocupou o microfone de uma das rádio
emissoras locais, onde sua voz surgiu lenta, clara e vibrante.
Tinha o objetivo de regressar a
Londres para falar no Albert Hall, nas comemorações do Dia do Armístícío, pela
manhã, e no Queen's Hall, à noite. A neve começara a cair. Então,
repentinamente, o bondoso gigante de Edimburgo vacilou e caiu! Era a
advertência de que sua vida corria perigo.
Transportaram-no de trem para o nº
16 do Buckingham Palace Mansions. Seus médicos o avisaram de que seria um
suicídio se ele teimasse em usar da palavra, conforme prometera. Mas, como
fizera em toda a sua vida, Conan Doyle não quis ceder, nem mesmo diante da
"angina pectoris". Cumpriria sua palavra, não só por se haver
comprometido a fazê-lo, como porque se tratava da Cerimônia do Armistício em
honra dos que - como seus filhos Kingsley e Innes - haviam partido para a
guerra ao som da canção "Guardemos nossas
Preocupações".
Missão
cumprida
Falou em Albert Hall pela manhã
desse domingo, mas não sem dificuldade e com as pernas trôpegas. A noite, no
Queen's Hall, fez o mesmo. E depois, quando a multidão que não
pudera entrar, pois o local estava superlotado, pediu que ele falasse de novo,
Conan Doyle insistiu em se dirigir a um balcão, sem chapéu, debaixo da neve que
caía. Parecia que a sua força de vontade havia superado os males do corpo.
E cumprira sua missão. Estava
satisfeito.
Desencarnação
Na véspera do Natal, desceu para a
sala de jantar em Windlesham. Estava de bom humor,
embora só houvesse chupado algumas uvas. O Dr. John Lamond, pastor
presbiteriano, que
havia algum tempo era seu companheiro de Espiritismo e que tantas vezes o
ouvira imitar o professor Challenger, via Conan Doyle rir-se ao contar uma
visita que fizera a Barry, em
Stanway Court.
Na primavera de 1930, parecia que
sua saúde melhorara. Tudo se passara bem. Chega o verão. Ele continuava
trabalhando, continuava escrevendo, ocupando-se com a grande correspondência.
Quando passava do seu gabinete para o dormitório, caiu pesadamente ao chão. Ao
mordomo que acudira, aflito, para ajudá-lo, ele disse calmamente:
"- Não tem importância. Leve-me
devagar. Que ninguém saiba disso, ouviu?"
Não queria alarmar sua esposa Jean.
Aplicaram-lhe oxigênio. De seu
quarto, Conan Doyle viu o amanhecer de um dia esplendoroso. Embora se sentisse
muito fraco, quis levantar-se e sentar-se numa poltrona. Falava com
dificuldade, mas ainda assim teve estas palavras para a esposa desvelada:
"- Devia-se cunhar uma medalha
para você, com uma inscrição assim: Para a melhor das
enfermeiras."
Eram quase oito e meia. Jean e Adrian
ladeavam-no, segurando-lhe as mãos com ternura. Mais além se encontravam Denis,
Lena Jean e Mumpty.
Às oito e meia, Jean e Adrian
sentiram nas mãos uma pressão relativamente forte. Conan Doyle se reanimou um
instante e, embora sem fala, olhou um por um. Depois, com a maior serenidade se
reclinou e fechou os olhos para sempre.
Era 7 de julho, quando desencarnava
Arthur Conan Doyle, em Crowborough (Sussex) . Havia
partido da Terra um dos espíritos mais nobres e valorosos que a Humanidade tem conhecido.
A ele se referiu assim um de seus biógrafos, honesto e fiel, apesar de ser
contrário ao Espiritismo:
"Pela causa da religião espírita,
Conan Doyle deu seu coração, sua fortuna e, por último, sua vida. E num sentido
espírita, referindo-nos à influência que ele deixou atrás de
si, podemos acrescentar apenas isto:
- Não escrevamos seu epitáfio: ele
não morreu."
"História
do Espiritismo"
Antes de concluirmos este escorço
biográfico, sumamente lacunoso, pela impossibilidade de reproduzirmos tudo
quanto pudemos colher a respeito desse notável escritor e admirável espírita,
desejamos mencionar sua grande obra "História do Espiritismo",
aparecida pela primeira vez na Inglaterra, em 1926 (1º volume) e 1927 (2º
volume). Dela há várias edições, entre as quais uma em castelhano, publicada em
Buenos Aires,
e, mais recentemente, uma em nosso idioma, aparecida em 1960 (Editora "O
Pensamento",
São Paulo, SP).
Aspecto
religioso do Espiritismo
Tem o título acima um dos capítulos
desse livro importante. Vamos reproduzir alguns de seus trechos:
"O Espiritismo forma um conjunto de ideias e ensinamentos compatíveis
com todas as religiões. Seus princípios fundamentais são a continuidade da
personalidade humana e o poder de comunicações depois da morte, fatos básicos
que têm uma importância primordial no Bramanismo, Maometismo, Parsismo e
Cristianismo. Além disso, o Espiritismo se avantaja a essas religiões porque se
dirige a todo o mundo. Só existe uma escola com a qual é absolutamente
irreconciliável: a escola do materialismo, que tem esgotado o mundo e
é causa radical de todos os nossos infortúnios. A compreensão e aceitação do
Espiritismo são fatores essenciais para a salvação da Humanidade; do contrário,
cada vez cairá ela mais baixo dentro do campo utilitário e egoísta do Universo."
"Perguntar-se-á por que as
antigas religiões não salvam o mundo de sua degradação espiritual.
Responderemos: todas intentaram fazê-lo, mas todas têm fracassado. As Igrejas que
as representam degeneraram e se tornaram mundanas e materiais. Perderam todo o contato
com a vida do espírito e se contentaram com o referir-se aos tempos antigos e
entregar-se a umas orações e a um culto externo à base de tão arrevesadas e
incríveis teologias, que a inteligência honrada sente náuseas só em pensar
nelas. Ninguém há se mostrado tão céptico e incrédulo acerca das manifestações
do Espiritismo como o clero, não obstante ostentar uma crença que só se funda
em fatos análogos aos nossos, ocorridos outrora; sua absoluta negativa em
aceitar agora esses fatos dá a medida da sinceridade de suas convicções."
"Temos procurado demonstrar a
existência dos sinais materiais que os governantes invisíveis da Terra enviam
para satisfazer a procura de provas materiais exigidas pela mente da
Humanidade atual. Temos demonstrado, mesmo assim, que a esses sinais acompanham mensagens
espirituais semelhantes às que receberam as grandes figuras religiosas do mundo
primitivo, renovando a fogueira de crenças que hoje está quase convertida em
cinzas. Os homens haviam perdido o contato com as vastas forças que os rodeiam,
e o Espiritismo, que é o maior movimento registrado desde há dois mil anos, vem
salvar-nos dessa situação, dissipar as nuvens que os envolvem e mostrar-lhes
novos horizontes. Já brilha o sol da verdade no horizonte. Dentro em pouco o
vale também estará iluminado."
Bibliografia
"The
Lífe or Sir Arthur Conan Doyle", de John Dickson Carr, tradução de José
Donoso Yanez.
"EI
Espiritismo - Su historía, sus doctrinas, sus hechos", de Arthur Conan
Doyle.
"A
Nova Revelação", de Arthur Conan Doyle, edição da FEB", contendo
"A Mensagem Vital".
"Conan
Doyle - O Homem que eu Conheci", por Harvey Metcalfe, "apud"
Revista "Estudos Psíquicos", de Lisboa.
"Conan
Doyle", editorial da Revista "Constancia", de Buenos Aires.
"Sir
Arthur Conan Doyle" - Número especial de "La Revue Spirite”, de
setembro-outubro 1959, editorial e artigos de Conan Doyle, Hubert Forestier e
Annie Brierre.
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