Música Celeste
por João Teixeira de Paula
in ‘Estudos de Espiritismo’
(Ed. do Autor - 1960)
Parte 1
Música é a arte de exprimir
harmonias por meio de sons. É a arte por excelência, capaz de mexer com as mais
recônditas fibras do nosso coração. Em toda a grei humana é cultivada, a seu
modo, com dedicação e carinho sempre. Na lenda grega Anfião passa por haver
construído, ao som deleitoso da sua encantada lira, a cidade de Tebas. As
pedras ficaram tão impressionadas com os melífluos acordes, que por si mesmas acorreram
às construções e se ajustaram arquiteturalmente umas às outras. Quem não
conhece a fábula de Orfeu? O gandaino, quando se punha a tocar a flauta,
atraía, com os méleos flauteares, os quadrúpedes ferozes e movimentava os
galhos das árvores!
Se a música humana tem tamanha
influência, embora lendária, como não haverá de tê-la a música divina, que é
real, que nós espíritas conhecemos por música
celeste ou, segundo a denominação de psiquistas,
de música transcendental?
Os Espíritos Superiores, que nos
deram a Codificação, respondendo à pergunta de Allan Kardec se os Espíritos são
sensíveis à música, disseram-lhe:
"Aludis à música terrena? Que é
ela comparada à música celeste? A esta harmonia de que nada na Terra vos pode
dar ideia? Uma está para a outra como o canto do selvagem para
uma doce melodia. Não obstante, Espíritos vulgares podem experimentar certo
prazer em ouvir a vossa música, por lhes não ser dado ainda compreenderem outra
mais sublime. A
música possui infinitos encantos para os Espíritos, por terem eles muito
desenvolvidas as qualidades sensitivas. Refiro-me à música celeste, que é tudo
o que de mais belo e delicado
pode
a imaginação espiritual conceber" (1).
(1) Allan Kardec, Le Livre des Esprits, nº 251
Ernesto Bozzano, com aquela sua
extraordinária capacidade de apreensão e assimilação, for quem mais versou o
assunto, a cerca do qual chegou até a escrever substanciosa monografia: Musica trascendentale (2), que, juntamente
com mais duas outras de diferente teor, foi encaixada, na edição em português,
com tradução de Carlos Imbassahy, num único volume, a exemplo da edição
francesa, com o título genérico de Fenômenos Psíquicos
no Momento da Morte.
Cita lá valiosa bibliografia e aprecia diversos casos, cada qual mais digno de
ler-se. Dentro em pouco faremos menção a alguns.
(2) - Ernesto Bozzano, Musica Trascendentale, cd. de 1943.
Allan Kardec relata o que se deu com
uma das filhas de um seu amigo, a qual, sendo exímia musicista e ouvindo a
leitura de uma passagem de "O Livro dos Espíritos", em que se afirmava
haver música no Espaço, duvidou da asserção, para depois, caindo em transe, ser
levada a regiões etéreas, onde, inebriando-se com as sobrecelestes sonoridades,
não pôde sopitar frases admirativas. Abramos ouças ao próprio Codificador:
"Alguns instantes após, exclama
a moça:
- Papai, papai, estou adormecendo,
eu caio!
Acomodou-se depressa numa poltrona
para dizer-lhe novamente:
- Oh! papai, papai, que música
encantadora!... Desperte-me, porque senão me vou daqui!
Os assistentes, já atarantados, não
sabiam o que fazer para despertá-la, quando lhes ela ordenou:
Água! Água!
Com efeito umas poucas de gotas de
água aspergidas no rosto produziram rápida ação; ainda um tanto esturvinhada a
princípio, voltou a pouco e pouco em si sem contudo a mais pequena lembrança do
que acontecera ali" (3)
.
(3) - Allan Kardec, Oeuvres Posthumes, pág. 191, ed. de
1924.
André Luís descreve a célica
harmonia que ouviu na Colônia NOSSO LAR, executada por Ismália. Atentemos para
as palavras daquele dedicado Espírito:
“E,
ante nossa admiração comovida, começou a tocar maravilhosamente. Logo às
primeiras notas, alguma coisa me arrebatava ao sublime. Estávamos extasiados,
silenciosos. A melodia, tecida em misteriosa beleza, inundava-nos o Espírito em
torrentes de harmonia divina. Penetrava-me o coração num campo de vibrações
suavíssimas, quando fui surpreendido por percepções absolutamente inesperadas.
Com assombro, indefinível, reparei que a esposa de Alfredo não cantava, mas no
seio caricioso da música havia uma prece que atingia o sublime - oração que eu
não escutava com os ouvidos, mas recebia em cheio na Alma, através de vibrações
sutis, como se o som estivesse impregnado do verbo silencioso e criador. As
notas de louvor alcançaram-me o âmago do Espírito, arrancando-me lágrimas de
intraduzível emotividade" (4).
(4) - André Luís, Os Mensageiros, capítulo XXXII.
P. E. Cornillier, conhecido
psiquista francês, no dia 13 de maio de 1913 adormeceu Reine, médium com quem
vinha fazendo originais experiências de caráter supranormal. A médium, em
estado sonambúlico, lhe obedecia às ordens, indo, com assistência espiritual,
aos mais distantes lugares para pesquisas e estudos. Naquela sexta-feira foi
Reine mandada pelo Espaço afora para uma visita a Espíritos “azuis” (assim o declara o autor, repetindo
palavras da paciente), em fase de descanso e deleitação. Pôde ela assistir
então a um concerto espiritual, repleto de sensações maravilhosas, que a nossa
linguagem é incapaz de exprimir: merveilleuses
harmonies, que notre langage ne peut exprimer" (5).
(5) - P. E. Cornillier, La Survivance de L'Ame et son évolution
après Ia mort, págs. 318/9, ed. de 1927.
Continua Cornillier:
"Disse-me Reine que o Espírito,
quando é muito evoluído, tem o poder de provocar melodias admiráveis, indo o
encanto delas além do prodigioso quando os Espíritos adiantados se reúnem para
captar e combinar essa casta de ondas musicais! Assim é que, após as suas
gravibundas meditações, ou após o período de atividade empregada no socorro aos
miseráveis seres humanos, eles se encontram para produzir - ou então para
receber - essas extraordinárias vibrações, que são a própria essência daquilo
que na Terra consideramos como sendo a mais sublime das artes e que nada mais
é, entretanto, do que um apagado eco da divina fonte".
Andrew
Jackson Davis (6) em mais de uma página de sua obra nos fala de música
celeste, cuja harmonia (di-lo ele) os Espíritos mais sentem do que ouvem.
(6) - Andrew Jackson Davis, Nature's
Divine Revelations
Outros autores mais poderíamos
citar, mas preferimos mandar o leitor curioso para a bibliografia de Ernesto
Bozzano, com a qual poderá saciar-se a contento. Queremos agora encarar
a nossa questão mais de perto, sem embargos e com objetivos concludentes.
Está fora de dúvida que a música
transcendental é uma realidade. Quem, com menosprezo dos fatos, ainda lhe
opuser objeção, é pior do que São Tomé. Embora esteja no seu direito de
duvidar, dará demonstração de pequenez mental. Só o testemunho dos autores
supracitados, de indiscutível idoneidade moral, científica e literária, a par
de muitíssimos outros que se poderiam relacionar, seria o suficiente para nos
convencer da sua veracidade.
Como
se explicam os fenômenos? Realidade, alucinação, fraude, misticismo, toleria? É
possível que, ao lado da realidade, haja também alucinação, fraude, misticismo,
toleria. Porém uma coisa não invalida a outra, Se numa experimentação qualquer
se chega a noventa e nove fracassos e a um êxito - provada fica, graças ao
único êxito, a realidade da experimentação.
Principalmente para nós espíritas
não há meio termo: a música extraterrena é, conquanto muitíssimo mais rara, tão
natural como a terrena. Produz-se através da mediunidade musical, como lhe chama Ernesto Bozzano (7), ou de médium de efeitos musicais, na classificação de Allan Kardec (8).
(7) - Ernesto Bozzano, Musica Trascendentale, pág. 1 S.
(8) - Allan Kardec, Le Livre des
Médiuns, nº 189.
Ernesto Bozzano divide a mediunidade
musical em seis categorias, que abrangem toda a fenomenologia, que se situa em
dois grandes ramos: o do automatismo subconsciente (a parte anímica) e o
espirítico (hipótese espírita).
Na primeira categoria está propriamente
o fenômeno mediúnico provocado ou experimental. É o caso daquela senhora que,
convidada a cantar, ouviu juntamente com todos os assistentes as notas, em
escala muito mais suave, de uma harpa. Em outras ocasiões a mesma senhora, que
não conhecia música, sentava ao piano e improvisava melodias inimitáveis.
Na segunda categoria está a música
transcendental de realização telepática. É o caso, relatado por Camille
Flammarion; daquela senhora que adotara uma menina, que crescera e fora depois
para um convento. Era boa musicista e cantava bem. Um dia a mãe adotiva é
tomada de pânico e desmaia; voltando a si, declara aos presentes, entre
soluços:
- Que coisa horrível! Amélia morreu;
sei que morreu porque acabo de ouvi-la cantar e cantar assim só mesmo uma pessoa
morta.
De fato a filha havia morrido
naqueles instantes.
Na terceira categoria está a música
transcendental produzida em consequência de assombrações. É o caso daquelas
duas sensitivas que, visitando pela primeira vez o parque de Versalhes e o
Petit Trianon, tiveram uma visão daqueles logradouros tais quais eram no tempo
de Luís XIV e onde se achavam Maria Antonieta e outras personagens da época.
Uma das sensitivas chegara até a perceber o som de uma orquestra inexistente de
violinos, da qual apanhou doze compassos, que mais tarde verificou estarem
escritos no estilo do século XVIII.
Na quarta categoria está a música
transcendental percebida sem nenhuma relação com eventos de morte. É o caso
contado pelo renomado psiquista Dr. R. Hodgson, que aliás era o próprio
percipiente. Estando dormindo, ouviu uma música lindíssima, que o despertou;
porém mesmo acordado continuou a ouvi-la em êxtase durante um quarto de hora.
Era uma música muito complicada, rica de ritmos, muito doce, e que dava a
impressão de homogeneidade inefável, parecendo invadir inteiramente a
ambiência".
Na quinta categoria está a música
transcendental no leito de morte. O presente caso, por ser um cântico de amor à
Espiritualidade, entoado pelo coração inocente de uma criança de pouca idade,
merece transcrito por inteiro:
"Ela falava muitas vezes de seu
fim próximo e parecia ter tão nítida visão da vida futura e da felicidade que a
esperava, que não se perturbava absolutamente com o pensamento da morte.
O mistério da separação da alma e do
corpo não existia para ela. A morte era-lhe como a continuação da vida, com a
vantagem da passagem das condições precárias da existência terrestre às de uma
existência livre e feliz, cheia de luz e de exaltação, na morada de Deus.
Uma vez, disse ela:
- Ó papai, não ouves esta música
celeste? São os anjos que cantam. Não a ouves? E no entanto devias ouvi-la,
porque o quarto está cheio inteiramente dela. Percebo o coro de anjos
que cantam. Oh! quantos! quantos! Que multidão! Eles são muitos mil. Como são
gentis, prestando-se a cantar para uma criança como eu! Mas eu sei bem que no
céu não há diferença de grandeza; ninguém é pequeno, ninguém é grande: o amor é
tudo e envolve tudo ... " (9).
(9) - Ernesto Bozzano, Fenômenos
Psíquicos no Momento da Morte, págs. 237/8.
Na sexta categoria está a música
transcendental produzida depois de falecimento. É o caso daquela senhora,
esposa de um coronel irlandês. O casal ouvira diversas vezes uma soprano
cantar; era Júlia, amiga de ambos, a qual se casara e desaparecera do convívio
deles. Um dia a mulher do coronel cai de cama acometida de grave enfermidade;
às tantas pergunta
ao marido se não estava ouvindo blandíssonas vozes; responde-lhe ele que não,
torna-lhe a moribunda com a declaração de que já as ouvira muitas vezes antes e
que o Céu lhas enviava como boas-vindas. Interrompendo-se, põe em riste um dedo
para cima da cabeça do esposo e lhe diz:
É Júlia, está no canto do quarto;
vem vindo para cá, inclina-se sobre você, eleva as mãos e ora. Veja, ela se vai
embora... Foi-se!
Júlia (como se soube depois)
falecera onze dias atrás e durante os seus últimos momentos nada mais fizera do
que cantar com uma comoção que nunca tivera em toda a vida.
Os fatos, que aí ficam, são o
bastante para provar-nos a nós a veracidade da música transcendental, e, consequentemente,
a sobrevivência do Espírito: Os fatos são autoconscientes, são anímicos? Pouco
importa que o sejam, porque o Animismo prova o Espiritismo, como aliás já o
demonstrou o próprio Ernesto Bozzano em obra de grande tomo no formato e no
conteúdo. Porém se o Animismo não provasse o Espiritismo, a hipótese espírita
continuaria a ser a favorita para a explicação de tantos e tão belos fenômenos
paranormais.
Os médiuns de efeitos musicais são
raros e os mais notáveis, afora uns poucos mais de outros, foram Kate Fox (uma
das célebres irmãs Fox) , Daniel Dunglas Home, George Aubert, William Stainton
Moses.
Música Celeste
por João Teixeira de Paula
in ‘Estudos de Espiritismo’
(Ed. do Autor - 1960)
Parte 2
No capítulo anterior abordamos
despretenciosamente a questão da música celeste. Escrevemos o estudinho, como
aliás o fazemos com as nossas rascunharias, sem nenhum intuito senão o de
relatarmos alguns casos interessantes a cerca do assunto, um tanto desconhecido
dos religionários, conquanto até certo modo abundante na fenomenologia espirítica.
Essa a razão por que não procuramos
ser mais longos nem mais explícitos - como talvez seria de desejar e conviesse
à nossa finalidade.
Não obstante a simplicidade do
escrito, confrades houve que, por nímia gentileza, nos enviaram cartas
laudatórias, e, valendo-se do ensejo, nos propuseram questões: um queria saber
o que achamos da música em sessões espíritas; uma confreira, que se diz
musicista, nos mandou, com amáveis dedicatórias, quatro diferentes obras (que
muito lhe agradecemos) relativas à música sacra, solicitando-nos ao mesmo tempo
escrever mais a propósito da arte que ela tanto parece amar; outro ainda nos fez
as seguintes perguntas que gostosamente transmitimos aos leitores para que nos
ajudem, com os seus dados e
as suas informações, para a oportuna e exata resposta ao consulente:
1. Qual é o número
de hinos e corais espiritas existentes no Estado de São Paulo?
2. Quais são os
principais músicos espíritas de São Paulo?
3. Quais os nomes
dos principais hinos com músicas feitas por músicos espíritas paulistas?
Voltamos novamente ao tema. Nunca é
nossa tenção esgotar um tema, já por reputarmos isso prolixo, já sobretudo por
a nossa fonte de pesquisa não ser quase nunca rica, chegando às vezes até, sem
falsa modéstia, a ser muito pobre, pequena, ínfima quando não.
A um só tempo falaremos de música
terrena e música celeste, bem como daquela a que poderíamos chamar, salvo seja,
terreno-celeste, porque é a música cuja ação se processa simultaneamente nos
dois planos. O inteligente leitor fará por si só, e em cada caso, a necessária
distinção. Daremos assim generalizada resposta ao estimáveis epistológrafos.
Antigo e fracassado (por duas vezes, para amargura nossa!) estudante de
violino, amamos no entanto sobremaneira a música e nos contentamos hoje em
ouvi-la e apreciá-la em concertos teatrinos ou, o que é mais comum, através dos
famosos e caríssimos microssulcos...
*
Admite-se que os sons musicais foram
a linguagem de que primeiro fez uso o Homem; por certo antes de exprimirmos os
nossos pensamentos por sons articulados os exprimimos através de sons de
tonalidade aguda ou grave. Ernest Haeckel declarava alhures, numa pendenga de
música, que, tendo a Mulher uma voz mais doce do que o Homem, podemos concluir
terem sido elas as primeiras a possuir as faculdades musicais -
naturalmente para atrair o sexo oposto.
A música vez ou outra é nomeada na
famigerada Bíblia Santa para esse ou aquele fim. Léon Denis, nos informa que
"muitas vezes na antiguidade judaica se recorria à música para
favorecimento da prática de mediunidade", pedindo Eliseu um "tocador
de harpa para poder profetizar (H, Reis, III, 15), sendo a obscuridade
considerada como propícia a essa ordem de fenômenos" (1). Acrescenta logo
mais abaixo que ela era igualmente "empregada
para se acalmarem as pessoas atuadas por um mau Espírito, como se vê com Saul,
ao qual o jovem Davi aliviava com a sua harpa".
(1) - Léon Denis, Christianisme et Spiritisme,
págs, 446/7ª ed, ed. de 1910.
É conhecida a passagem que se
encontra em I Reis, 16, 23: Assim todas
as vezes que o maligno Espírito enviado pelo Senhor se apoderava de Saul, Davi
tocava a harpa, e a tocava com a sua mão, e Saul sentia alívio, e se achava
melhor: porque então se retirava dele o Espírito maligno.
Tem grande influência na cura ou
melhora de doenças. É prática usada desde os mais remotos sóis e ultimamente
comprovada por experimentados pesquisadores e com principalidade das ciências
hipnomagnéticas. Lemos no Barão du Potet (2) que Pitágoras
conhecia diversos gêneros de harmonias para suavizar as perturbações do corpo e
os desequilíbrios da alma; que Homero relata tirarem os gregos "grande
partido da música para o tratamento das afecções pestilenciais"; que assim
também procediam, segundo Plutarco, os lacedemônios; que Timóteo, inventor do
cromatismo, abrandava os furores imperiais de Alexandre; que o tibetano
Ismênias, graças à sua cítara, curava gotas ciáticas; que Demócrito afirma
haver várias doenças que não resistem aos efeitos de uma sinfonia; que Apolônio
de Tiana dizia o mesmo com relação à loucura e à epilepsia.
(2) - Barão du Potet; Traité complet
de Magnétisme animal, pág. 419, ed. de 1856.
Extraordinário poder tem a música em
cada um de nós individualmente. A influenciação musical é maior ou menor
conforme o nosso estado de receptividade ou de sensibilidade.
São muito para considerar as
experiências hipnomagnéticas realizadas profusamente por Albert de Rochas (3) com Lina, bem como as de Émile
Magnin (4) com Magdeleine G.
(3) - Albert de Rochas.
(4) - Émile Magnin, L'art et l'hypnose, Interprétation
plastique d'ouevres litteraires et musicales. Genéve, sem data.
Mormente o caso de Magdeleine G.
mereceu de Magnin uma volumosa obra, com numerosas e ricas gravuras. Magdeleine
era paciente muito sensível às impressões musicais. Possuía a incrível
facilidade de traduzir em movimento e em as mais curiosas atitudes, de
invejável plasticidade artística, os sentimentos que Magnin, depois de havê-la
posto em estado de hipnose, lhe sugeria pela palavra e principalmente pela
música. Eram
notáveis as suas interpretações automáticas sob os acordes de uma Ave Maria de Bach, de uma valsa de
Chopin, do Erotikon de Sjögren, da
Marcha Fúnebre de Siegfried...
A influência da música na verdade se
faz sentir em tudo. Não menos para admirar é a que ela exerce em animais. São
conhecidos centenares de casos, que dariam para uma recheada monografia à
Ernesto Bozzano. Citemos agora apenas dois.
O nosso Magnin transcreve de um
autor:
"Produziu-se o seguinte fato
quando Rubinstein deu os três famosos concertos no salão da Grande Harmonia em
Bruxelas: no estrado daquele vasto salão, tão velho quanto ainda prestativo,
foi vista, logo no segundo movimento da peça de Beethoven e no segundo trecho
do recital de Chopin, uma aranha descomunal, uma espécie de aranha perdida por
ali, de causar pavor, como aquelas que se encontram no Museum-, na coleção dos
aracnídeos dos trópicos, a qual, sob o domínio dos acordes divinos do mestre,
se pôs na cauda do piano. Quando os aplausos choviam, ela desaparecia numa
racha do palco.
Repetiu-se o fenômeno nos três
recitais. Houve depois mil e um concertos no salão da Grande Harmonia dados por
centenas de pianistas; porém nunca mais aquela monstruosa aranha fora vista.
Também nunca mais se ouviu lá outro pianista da estirpe de Rubinstein. Ainda
existem vinte testemunhas do caso, que se passou no dia 30 de abril e 2 e 4 de
maio de 1886" (5).
(5) - O mesmo, aí mesmo, pág. 11.
Relata um escritor demonólogo:
"O encanto da música consola,
no seu cativeiro, os elefantes aprisionados pelo Homem; na sua domesticidade,
são eles levados a executar movimentos cadenciados e regrados. Os cavalos da
Líbia são muito sensíveis à música, tornando-se ela um meio por que são
capturados; até os peixes não fogem ao seu poder e através dela são pescados
mais facilmente...
Os modernos, menos dispostos a crer
nessas coisas, são no entanto obrigados a reconhecer a ação que a música exerce
nas tartarugas e nas aranhas, sendo a sua influência nos elefantes verificada
por nós próprios.
Um viajante viu, muito surpreso,
enormes hipopótamos, que, dominados pelos sons de uma marcha guerreira,
seguiram a nado os tambores que se faziam ouvir ao longo de um rio. Os
lagartões e as iguanas, são suscetíveis de sensações ainda mais pronunciadas:
um canto, um silvo doce e cadenciado basta para pô-los mais de uma vez ao
alcance da mão do caçador" (6).
(6) – Eusèbe Salverte, Des Sciences Occultes ou essai sur Ia Magie, les prodiges et les miracles, t. I, págs.
357/8, ed. de 1829.
*
É útil a música em sessões
espíritas? Não há dúvida de que o é. As razões são óbvias. Ela mexe com os
nossos mais íntimos estados de alma, provocando-nos sentimentos vários, vibrações
de intensa emotividade. Felizmente o seu uso se está alastrando nas palestras
doutrinárias, que são quase sempre precedidas de número artístico.
Dennis Bradley confessa que lhe
"parece que a música aumenta consideravelmente a potência das manifestações"
(7).
(7) - H. Dennis Bradley, ... et ultra, pág.
25, ed. de 1927.
Léon Denis é mais taxativo, pois que
declara:
"Exerce a música, com efeito,
poderosa influência nas manifestações, facilitando-as e tornando-as mais ativas
como aliás o têm reconhecido numerosos experimentadores" (8) .
8) - Léon Denis, Dans l'Invisible. Spiritisme et Médiumnité, pág. 79, ed. de 1911.
Mas quem quiser conhecer umas belas
páginas a cerca da importância da música em sessões de Espiritismo poderá ler
com proveito uma brochurazinha escrita por vários e ilustres autores espíritas (9).
(9) - Um inquérito original. Tem
cabimento a música nos atos espíritas?
Música Celeste
por João Teixeira de Paula
in ‘Estudos de Espiritismo’
(Ed. do Autor - 1960)
Parte 3
Digno de registro é o fenômeno que
se dá com os chamados médiuns de efeitos musicais, dos quais alguns entendem de
música e outros não. O' Dr. J. Grasset aprecia o caso de duas médiuns, irmãs,
que no seu estado normal não entendiam de música; no entanto em determinados
momentos urna tocava harpa e a outra piano. Bastava dizer aos ouvidos delas o
nome de um mestre para que ambas executassem composições dele. Chegavam
ao ponto de formar um extravagante duo, cada uma com seu instrumento musical. O
Dr. Grasset admitia o fato, porém o explicava poligonalmente assim:
"Vemos por aí como são
numerosos e variados os meios de que os médiuns lançam mão para exteriorizar as
ideias do seu polígono desagregado" (1).
(1) - Dr. J. Grasset: L'Occultisme hier et aujourd'hui. Le Merveilleux
préscientifique, pág. 162, ed. de 1907.
Polígono desagregado! Que seria
isso, santo Deus?
Caso muito bonito é o de Iole
Catera, de que nos dá ciência uma excelente revista lusitana. A médium
"escrevia composições musicais para piano, para canto, para orquestra, o
que, evidentemente, exige conhecimento das leis da harmonia e do contraponto
que o automatismo não pode dar e que leva tempo a adquirir. Ora, Iole Catera
conseguia tudo isto sem ter o menor conhecimento da música" (2).
(2) - Revista de
Metapsicologia, Ano II, 1950, nº 3, pág. 70.
Escreve Louis Jacolliot:
"Cria terminada a sessão e ia
levantar uma das cortinas do terraço para arejar um pouco mais o interior do
compartimento, onde literalmente já me sentia sufocar, quando percebi que o
faquir não pensava em abandonar o posto; ouvi então uma modulação estranha,
executada num instrumento que me parecia ser a harmônica de que nos servíramos
dois dias atrás. Entretanto o fenômeno não me parecia possível, porque na véspera
o peishwa ma havia pedido e já se não
encontrava nos meus aposentos.
Os sons, a princípio muito
distantes, aproximaram-se de tal maneira, que davam a impressão de partirem dos
compartimentos vizinhos. Logo depois pareceu-me ouvi-los como se proviessem do
meu quarto de dormir... e pude ver, deslizando pela parede, o fantasma de um
músico do pagode, o qual tirava de uma harmônica gemebundos e monótonos sons
inteiramente característicos da música religiosa hindu.
Quando terminou de dar a volta pelo
meu quarto e pelo terraço, desapareceu e encontrei o instrumento de que se
servira no mesmo lugar de onde desaparecera. Era sem discussão a harmônica do
rajá. Verifiquei as portas, encontrei-as hermeticamente fechadas, estando as
chaves sempre no meu bolso" (3).
(3) – Louis Jacolliot – Le Spiritisme dans le monde, págs. 329/1, sem data.
William Crookes:
"Vimos muitas vezes, eu próprio
e outras pessoas, uma mão pressionando as teclas de um acordeão, enquanto ao
mesmo tempo víamos as mãos do médium, que algumas vezes estavam seguras por
aqueles que se encontravam ali perto dele" (4).
(4) - WilJiam Crookes: Recherches sur les phénomènes du
Spiritualisme. Novelles expériences sur Ia force psychique, pág. 162, ed.
de 1923.
O médium americano Henry Slade
prestou-se ao fenômeno:
"Com
o fim de procedermos a uma experiência com uma harmônica, fenômeno reproduzido
em presença de Home (descrito por Crookes e Muggins), além da campainha, um dos
meus amigos trouxe uma harmônica. A campainha foi colocada sob a mesa, como
pela manhã, e Slade segurou a harmônica pelo lado sem chaves, de modo que o
lado com o teclado caía ao longo da mesa. Enquanto a mão de Slade descansava sobre
a mesa, a direita segurava a parte superior da harmônica, que não tinha chaves;
a harmônica de repente pôs-se a tocar e a campainha a soar violentamente, por
conseguinte sem poder tocar o chão. Neste ponto Slade deu a harmônica ao
professor Schneiber e pediu-lhe que a segurasse do modo que ele o tinha feito,
sendo possível que em suas mãos ela tocasse sem o seu contato (de Slade).
Apenas Schneiber segurou a harmônica, ela começou a tocar e a campainha a soar
exatamente como antes" (5).
(5) - Johan Karl Friedrich Zöllner: Física transcendental, págs. 41/2, ed.
de 1908, tradução de Tomás Williams.
O Dr. Carlos Pereira de Castro,
médico, assistiu aqui em São Paulo a um fenômeno admirável com o médium Carmine
Mirabelli. Ei-lo, por causa da sua originalidade, na íntegra:
"Vamos relatar os fenômenos
extraordinários que se deram na tarde do dia 19 de fevereiro de 1920, em casa
do médium Mirabelli. Achávamo-nos na sala de jantar, quando ouvimos um som vago
e indistinto que nos pareceu ser o produzido por uma corda grossa de violão.
Dizendo isto ao médium, que também
ouvira os mesmos sons, pediu-me ele que passássemos à sala de visitas, onde,
provavelmente, ir-se-iam produzir outros muito mais nítidos. De fato, assim
aconteceu e eram mesmo de violão. O médium pediu ao Espírito, que já por vezes
se tinha ali manifestado, tocando flauta, que nos fizesse ouvir uma de suas
mais prediletas composições, mas em tom um pouco mais forte, para ser ouvida
por todos. Isto fora-nos concedido, e foi escutada a música que o autor tocava
em vida terrena, e muito apreciada. Nessa ocasião, o médium foi tomado pelo
Espírito que dissera ser o de Giuseppe Verdi, que confirmou ser essa a música
de que Patápio Silva, flautista brasileiro, mais gostava, pois era ele o músico
astral ali presente.
Nesse momento, o marechal Floriano
Peixoto baixou, para nos dizer que iríamos ouvir o toque da fanfarra militar,
que lhe havíamos pedido em outra ocasião, e que por motivos independentes de
sua vontade, não fôramos atendidos naquela época; mas que sua promessa ia ser
agora satisfeita.
O marechal tomou o médium,
perfilou-se e reproduziu as vozes de comando para ser ouvido o toque militar de
presença do general. Com a maior emoção além da que já estávamos possuídos,
ouvimos clara e distintamente o som da fanfarra, tocada pelo violão astral!
Disse-nos o marechal Floriano, que o
executador da música fora o mesmo Patápio Silva, que atendera à sua ordem.
Por ele também foi ordenado o toque
do "hino nacional" e o "hino de Garibaldi", que muito nos
comoveram.
Em seguida, compareceu um outro
músico, que dissera ser Carlos Gomes, e pedira também a Patápio que lhe tocasse
o "Guarani", no que foi prontamente atendido" (6).
(6) - Dr. Carlos Pereira de Castro:
O Espiritismo científico e as
extraordinárias mediunidades do Sr. Carlos Mirabelli, págs. 66/7, ed. de
1930.
Caso admirabilíssimo (o de um
Espírito materializado tocando violino!) foi o seguinte, relatado por
conceituada revista espírita brasileira:
"A 14 de março último, Mr. J.
Wilson, conhecido médium de materializações, de Chuds, visitou Elland para
realizar uma sessão em casa de Miss Hasselden.
Presentes vinte e três assistentes
e, antes de iniciar os trabalhos, o médium foi cuidadosamente examinado. Praticamente,
ele entrou despido no gabinete, este foi improvisado por uma cortina presa num
dos cantos da sala.
A luz branca foi substituída por boa
luz vermelha, permitindo a cada assistente ver perfeitamente o que aconteceria
no curso da sessão, como distinguir feições, etc., de qualquer forma a
aparecer.
Depois de curto período, Sussanah,
um dos guias do médium, apareceu, tomou um violino existente na sala e começou
a tocar, provando positivamente não ser sua aparência uma ilusão dos
assistentes, mas um ser real e inteligente.
A segunda forma foi de fácil
reconhecimento, era Mrs. Hasselden, falecida há seis meses e foi seguida pelas
materializações de Ben Taylor e R. H. Jates, pessoas conhecidas de Jochshire.
Mrs Jates por muito tempo foi secretária da União Espiritualista Nacional.
Ininterruptamente surgiram as
formas. Apareceu a seguir a forma de A. Clay e sua irmã, ambas
entusiasticamente saudadas por dois irmãos presentes à sessão.
Depois manifestou-se um menino que
assegurou ter habitado em West Yale e ter morrido há pouco tempo. Como prova
forneceu o nome Shaw.
Os guias do médium vinham frequentemente
e traziam outros, notadamente o casal Saville, antigos moradores de ElIand,
muito conhecido no distrito e ambos foram reconhecidos pelos presentes
(maioria).
Durante o período de uma hora e três
quartos, quanto durou a sessão, as formas se construíam e eram facilmente
reconhecidas por um ou outro assistente e às vezes por muitos ao mesmo tempo.
Todos Os assistentes manifestaram grande satisfação pelo que viram e ouviram.
O número total das formas, inclusive
os guias, foi de vinte.
Congratulações a Mr. Wilson pelos
excelentes resultados sob tão difíceis condições." (7).
(7) Revista Internacional do Espiritismo, nº de 15 de
setembro de 1936, pág. 250.
A revista em apreço ainda relata
outro caso de violinista invisível:
“Interessante é o seguinte fato,
ocorrido na Igreja Espiritualista de Southampton. Mrs. Lily Hope, de Nova
Zelândia, foi o médium e a sessão se realizou à luz do dia.
Estavam cantando um hino quando
todos ouviram os acordes de um violino que acompanhava o cântico. (Os arredores
estavam desertos).
Terminado o último verso, o médium
pediu entoassem em surdina determinado verso de outro hino e que todos
escutassem atentamente. O violino, magistralmente executado, foi por todos
ouvido durante o cântico de todo o verso e a música parecia vir do vazio acima
da plataforma. Salvo melhor juízo, é este o primeiro acontecimento do gênero
verificado no Reino Unido, mas, afirmou o médium, os mesmos fenômenos têm
ocorrido em Nova Zelândia", (8).
(8) - A mesma, nº de 15 de agosto de
1940, pág. 173.
Outro caso de espíritos que tocam
piano e distribuem flores:
"Raoul Montandon, conhecido
investigador psíquico, assistiu a uma das mais extraordinárias sessões, que há
17 anos se realizam em Nantes (França) na residência do casal Alexandre.
Madalena, falecida filha do casal, materializou-se de novo e todos os presentes
reconheceram-na imediatamente. Ela distribuiu flores, como habitualmente o faz,
em particular a Raoul Montandon, e este, aproveitando a ocasião, tocou a mão da
forma materializada, constatando temperatura perfeitamente normal. Em seguida,
Madalena tocou piano" (9).
(9) - A mesma, aí mesmo, pág. 172.
Àquela materialização seguiram-se
mais quatro: a de um doutor egípcio, que igualmente distribuiu flores, tocou
piano e falou
aos presentes; a do cardeal Dubois; a de um oficial francês e a de uma freira.
Esta demonstrou à assistência o seu descontentamento por já não poder
distribuir flores aos amigos.
Lendo, em um nosso costumeiro cavaco
doutrinário, estas insossas estiradas ao valoroso confrade Emilio Manso Vieira,
ouvimos dele o fato a seguir, que se deu há anos com duas irmãs suas, o qual
merece consignado:
Teixeira
amigo, acrescente aos seus casos mais este meu, que é inédito: em 1931 duas
irmãs minhas, com pouco mais de 16 anos, estavam aprendendo os primeiros
rudimentos de música. Certo dia a mais velha, sem motivo aparente, sentiu-se
perturbada e começou a tocar de maneira estranha. O fenômeno, notado por um dos
familiares, chamou a atenção dos demais, que começaram a observá-lo nos dias
subsequentes.
Em
pouco mais de uma semana, a improvisada pianista, que mal se iniciava nos
segredos da arte, estava, com assombroso desenvolvimento, executando peças
clássicas. Para se completar o êxito da prova, a mais nova sentou-se também
ao lado da outra e ambos passaram a executar, a quatro mãos, músicas que nunca
tinham ouvido.
A força que as impulsionava era
tamanha
(continuou o Manso Vieira), que lhes
produzia inchação completa nas juntas dos dedos. O Espírito envolvente nos
anunciou que iria tocar uma música denominada "Marcha para a Eternidade"
e o fez impecavelmente, pelo menos para o nosso entendimento.
Desde então (finalizou o
Manso) os fenômenos não mais se repetiram
e uma das médiuns passou a receber comunicações psicográficas.
Ponhamos ponto final à arenga.
Esperamos ter desta vez contentado indistintamente a todos os nossos leitores -
inclusive naturalmente aos nossos exigentes missivistas, por culpa dos quais
fomos obrigados a moxinifar novamente a cerca de tão palpitante e
agradabilíssimo assunto.
FIM
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