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quarta-feira, 8 de maio de 2019

A igreja de amanhã



A Igreja de amanhã
Redação 
Reformador (FEB) Janeiro 1920

            Há cerca de dois mil anos baixou à Terra, morada das mais obscuras da casa do seu e nosso Pai – O Cristo, Senhor nosso e Redentor definitivo da Humanidade, de todos e para todos os tempos.

            Baixou, não na metrópole da civilização daquela época--a majestosa e opulenta Roma dos Senadores, dos Césares e de mil e um deuses, mas na rústica Judeia oprimida e quase ignota (desconhecida), dos povos avassalados, o mais desprezível e miserável, no conceito da orgulhosa cidadania de então.

            E como se para lição não bastara a exiguidade daquele cenáculo, em vez de Palácio e púrpuras o escuso desvão de um estábulo, um monte de palhas, o seio de Maria e nada mais! E era o Messias de Deus, que de si mesmo vinha dar ao mundo o testemunho de Deus!

            Quem o diria? Plebeu, errante, obscuro, EIe, o esperado Rei vingador do povo eleito e, no entanto escravizado, viveu e desapareceu entre os humildes!

            Quem o compreenderia? Nem mesmo os seus discípulos, antes que os iluminasse o Espírito Santo, isto é, antes que lhes fosse outorgado o dom das mediunidades, a vidência, a audição, a penetração das coisas divinas, bem acima das vulgaridades e convenções terrenas.

            Rudes e simples pescadores improvisados Apóstolos, foram eles, Pedro à testa, pelo mundo com o só tesouro da sua Fé instituir a Igreja da Vida, ou seja a comunhão de crentes nas promessas de Jesus.  

            De como catequisaram, a história no-lo diz: reuniam-se em qualquer parte, operavam curas, expeliam demônios (espíritos maus) e ao vivo contavam a vida e os feitos do Mestre Divino, ressuscitado. A tradição oral se fixava, assim, na maioria dos prosélitos, sofrendo na forma a influência do meio e dos costumes, mas, em todo caso, mantendo-se íntegra no fundo. Não havia templos nem imagens, hierarquias nem sacramentos, nem exegeses metafísicas. Os mais austeros e virtuosos eram sagrados chefes (episcopi) e dirigiam os trabalhos da comunidade, que se resumiam na oração de momento, na palavra dos inspirados, - médiuns intuitivos ou sonambúlicos, e na partilha do pão como símbolo de fraternidade. Depois, com o correr dos tempos, a política humana se foi insinuando no proselitismo incipiente e já quatro séculos depois do Calvário o concilio de Nicéia sob a pressão de Constantino (imperador pagão cem vezes criminoso e herético) (1) decretou a consubstancialidade do Filho, aliás por minoria ridícula de prelados. (2)

(1) Batizado in extremis por Eusébio, bispo excomungado, fazia devorar por feras os seus prisioneiros de guerra e mandou assassinar a mulher, o filho e o cunhado.

(2) Votaram o símbolo apenas 300 de 2.000 prelados, sendo que a maioria capitulou sob a pressão do grande imperador.


            E foi, a seguir, toda uma efervescência de Templos e Basílicas, qual mais rica e poderosa, disputando ascendentes e primazias em sutilezas dialéticas e com orações servilíssimas com o paganismo idólatra e sensualista.  

            O Cristo marmorificou-se, petrificou- se, entrou de aparecer às vistas da massa inconsciente e fanatizada, mas desertou dos corações.

            E o que era comunhão de almas, vibrações de amor, iluminação do alto, transformou-se em reunião de corpos e mistificação de sentidos.

            E os Evangelhos edificantes na sua singeleza, sublimes no seu simbolismo quando manuseados com aquele amor que engendra a iluminação interior - os Evangelhos foram substituídos pelos autores escolásticos, pelos catecismos tendenciosos, ao sabor das conveniências do momento.

            A figura do Deus, a igreja dos humildes deixou de ser evangélica para ser romana, para ser dos Césares que não d'O Cristo, da terra que não do céu

            O resultado dessa inversão ou antes subversão do meios e fins, constitui todo um acervo de lutas sangrentas disputas vergonhosas, que não culminaram na Inquisição porque perduram em nossos dias, para a vergonha nossa.

            A tática hoje, porém, é outra: não se queimam Joanas d' Are, não se apunhalam Collignys, mas sitia-se a presa imbele (fraca), estreita-se lhe o círculo das natividades sãs, reduzem-nas à fome, se tanto for preciso.

            Nem para outra coisa se fez a política das veneras (medalhas) e títulos, da diplomacia e dos tesouros que a traça rói...

            Mas, quanta ilusão! Ilusão, sim, para não dizer maldade, impenitência, erro confesso...

            Confesso porque é o próprio chefe da igreja de Roma que nos diz de público, falando agora à sua Corte Eclesiástica, pelo Natal, (1) que a humanidade está no ostracismo de Deus!

(1) Telegrama de Roma nos jornais.

            Grande e dolorosa verdade, que atesta a cavilação (trama) ou a impotência do catolicismo, na sua faina secular de patrona de consciências.

            Porque, de duas uma: ou a igreja católica não tem sabido, ou não tem podido cumprir a sua missão. No primeiro caso, ela deve emendar a mão, reconciliar-se com aquele espírito cristão, que produziu mártires e santos; no segundo ela deve abdicar de suas presunções e deixar a outrem o zelo da Arca Santa.

            Nós, porém, não acreditamos que o faça em caso algum e o resultado será que um dia se encontrará isolada em si mesma, morta das próprias ambições.

            E a razão de assim conjecturarmos é simples: é que, enquanto ela se aferra a sua suserania (poder de decidir), rebelde a toda a ideia de evolução e progresso, as gerações que despontarem o fazem apercebidas a voltar-lhe costas, na perquisição (investigação escrupulosa) da Igreja do Cristo, em anseios de amor e desejos de verdade incoercíveis.

            E a Igreja do Cristo voltará aos tempos áureos do apostolado inicial, não mais suscetível, pensamos, de degenerescência, porque os tempos são outros e a razão humana trabalhada e amadurecida por vinte séculos de reencarnações, aparelhada se encontra para não alienar a comunhão dos Espíritos, que vem em nome do Senhor realizar as suas promessas.

            Assim saibamos nós outros, os primeiros chamados desta hora de transição imprescritível, manter intacto o precioso legado do Espírito-Santo.

            Porque tudo mais, sabemo-lo, será dado de acréscimo.

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