‘A Posição Zero’
por Luciano dos Anjos
em Reformador (FEB) Janeiro 1971
“A Posição Zero – Introdução Dialética a Roustaing” é um título do livro que tenho praticamente terminado, guardando apenas um pouco mais de tempo para uma última revisão, antes que o dê à publicidade. É trabalho simples (na medida em que a Filosofia pode ser simples) e acima de tudo – para não fugir ao chavão das apresentações – despretensioso; espécie de estágio introspectivo antes que o estudioso se decida à leitura de estreia (ou a uma nova leitura) dos quatro volumosos tomos da Revelação da Revelação”. Aqui nestas colunas disponho-me tão-somente a uma emenda perfunctória, visando a que o leitor, depois, venha ler-me em brochura com ainda menor “parti pris” do que esse, pervicaz, incrustante, que espero eliminar de seu espírito para quando estiver novamente, ou pela primeira vez, com Roustaing à cabeceira da cama.
Chamo “posição zero” ao estado introrso em que se é capaz de colocar a mente antes de examinar o problema. Se o leitor já me vai lendo “com um pé atrás”, tal como se diz vulgarmente, não conseguirei, com toda certeza, fazê-lo entender Roustaing. Preciso, antes de tudo, que se liberte de qualquer prevenção contra mim, contra a FEB, contra Collignon, contra Roustaing ou contra quem quer que seja para iniciar-se no conhecimento filosófico (filosófico aqui aplico por absoluto, puro) da noção do corpo fluídico de Jesus. Não importa que eu seja analfabeto (como já me disseram por carta), que eu seja ex católico (o que não é verdade), que seja “irmã vicentina” (?), que seja fanático pela Federação, que seja vaidoso, etc. Há cerca de 2 anos um leitor de Santa Catarina me mandava dizer, dentre outros insultos violentíssimos: “Com a cultura que o Sr. demonstra é no mínimo um dos mais perigosos inimigos da doutrina de Allan Kardec e depois de desencarnar terá muito que se arrepender”... A afirmativa, afinal, contrasta com a daquele outro, que me tomara por analfabeto. No mais, pobre de mim! que de fato não sou nem tão culto, nem um pouco perigoso, inimigo de ninguém e nunca arrependido do que sobre o assunto escrevi até hoje. Mas, dizia eu, linhas acima, nada disso importa. Importa sim, que o leitor esqueça de mim por 15 minutos apenas. Não mais. É o tempo de que preciso para que me leia, admitindo, em princípio, que nunca foi contra Roustaing e que Roustaing está certo, certíssimo. Não quero que se coloque em definitivo nem contra nem a meu favor. Não quero que medite se Kardec foi contra ou a favor do corpo fluídico. Não quero que pense por que Roustaing foi o escolhido para aclarar todos os pontos antes tão obscuros ou “misteriosos” do Evangelho, nem por que Kardec prometeu falar sobre o mistério da virgindade de Maria (“A Gênese”, pág. 333 da 13° edição da FEB, cap. XV), sem que o tivesse feito. Aliás, sinceramente, não sei como ele ia esclarecer a questão, se admitindo que Jesus era mesmo Deus e nasceu por obra e graça do Espírito Santo, ou dizendo que Maria não era tão pura assim e que o anjo Gabriel andou mentindo. Porque Maria não teve “relação com homem algum” (Lucas, 1-34) e “achou-se grávida” “sem que tivesse antes coabitado” (Mateus 1-18). Ou então o Evangelho está todo errado e não adianta acreditar em mais nada...
Se até aqui, leitor, não lhe foi possível afastar da mente (ou do coração) a ideia de que sou um tratante, que estou sofismando espetacularmente, que o estou induzindo a uma sucessão de paralogismos, então não continue, pois terei perdido já meu tempo, como o perdera Roustaing. Se, porém, tentou, mas está sentindo dificuldade nisso, faça um exercício muito simples: suponha-se no lugar do próprio Kardec, e repita para si as palavras do Codificador ao apreciar Roustaing pela primeira vez: “Homem cuja posição o coloca entre os mais esclarecidos”, “mestre em matéria de apreciação”, “o que lhe permitiu apreender rapidamente todas as consequências da importante questão do Espiritismo, e que, ao contrário de muitos, não ficou na superfície” (“Revue Spirite” de 1861, págs 167/172); “É um trabalho considerável e que tem, para os Espíritas, o mérito de não estar, por nenhum ponto, em contradição com a doutrina ensinada no “Livro dos Espíritos” e no “Livro dos Médiuns”; “nisso nada há sem dúvida de materialmente impossível para quem conhece as propriedades do invólucro perispiritual” (“Revue Spirite”, junho de 1866).
Agora prossigamos juntos. Até mesmo para explicar o sentido intrínseco do que chamo “posição zero” não me é tão fácil. Acabo, sem querer, tornando-me prolixo ou abstruso. Medito ensimesmado na idêntica dificuldade de Roustaing ao ferir o problema no seu fulcro central... Vou tentar, pois, um caminho que possivelmente nos seja, a todos nós, menos alcantilado.
Quero evitar o máximo de maranhar o leitor na floresta terminológica da Alta Filosofia, com seu inevitável subjetivismo e sua insuperável abstração. Assim, creio que o caminho que conduza a exemplos de entendimento apanhados à própria imagem do Cristo talvez seja o que melhor devamos palmilhar. O leitor está, pois, convidado à trilha, desculpando-me desde logo se aqui ou ali eu me afastar da simplicidade pretendida.
Como ponto de partida procedamos a uma análise fria do aspecto histórico - processológico das razões da condenação do Cristo. É certo que moralmente havia muitos príncipes indignos e desavergonhados. Havia até os que se vendiam por 30 dinheiros: e os que subornavam os traidores pelas mesmas moedas de prata. Havia os ambiciosos do poder, que sentiram os escanos faltar-lhes aos pés e preferiam mantê-los a custa do assassínio. E havia os oportunistas, os aproveitadores, que misturavam adrede o movimento cristão com ideias políticas de libertação, prejudicando ainda mais, com isso, o papel de Jesus. Mas, todas essas alusões configuram causas imediatas e objetivas. As causas mais remotas – por isso mesmo subjetivas – só muito mais tarde puderam ser identificadas. Todavia – sabemos hoje – foram as principais. Elas estavam no sistema (que peço o favor de não ser confundido com regime). O regime, às vezes, pode ser bom; mas o sistema, falho. Ocorre que o sistema não era e nem nunca será um fator à margem da História. Ou, mais precisamente, apanágio transcendente aos homens. Ao inverso: ele é e faz a História; ele é os homens é, acima de tudo, um ciclo conceptual. Por isso Jesus não é entendido àquela época. Por isso Pilatos se admira de todas as reações do Mestre. O governador romano não lhe entende o silencio, imagem de milhares e milhares de furos de evolução acima de todos nós. Pergunta a certa altura pela Verdade e Jesus cala. Poderia talvez ter repetido: “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida”, síntese de toda a sua mensagem. Mas Pilatos, César, Roma, o sumo - pontífice, os fariseus, o povo, o sistema histórico-processológio de então, o não entenderiam. Não o entenderam de fato. Não conceberam “aquela” Verdade. Exigiram a crucificação e levaram-no ao Calvário. No entanto, Jesus era a única Verdade que existe. Sua mensagem era porém uma revolução mais incrível do que a do regime: era a revolução do sistema! Não foi compreendido, não puderam senti-lo, senão uma minoria tocada ou pela bênção da revelação intuitiva (a graça digamos assim, fruto do Amor e do Bem, corolário de merecimento e de estágio evolutivo) ou pela dor, que extasia e rompe o círculo vicioso dos sistemas todos, sejam quais forem! Olhavam Jesus através dos filtros dum processo histórico, os quais, no momento, não podiam ser removidos abruptamente. E Jesus sabia disso, compreende isso e se deixa imolar augustamente. Sua mensagem era uma afirmativa diametralmente oposta à afirmação de todos os valores da época. A covardia, a súbitas, deveria ser entendida por tolerância; o heroísmo seria substituído pela humildade. Ora, isso não cabia, nem psicológica nem biologicamente na conceituação farisaica. Só havia, posta de lado a dor ou a faculdade medianímica, uma maneira de “escutar” o chamado do Cristo pela razão, e esta é a que ainda agora ofereço ao leitor, em face da revelação de Roustaing: a “POSIÇÃO ZERO”! Se o farisaísmo houvera, por 1 segundo, procedido a uma espécie de autolavagem cerebral, sem dúvida não teria crucificado o Salvador! O seu Salvador. Nessa exposição de ideias merece ouvida a palavra sempre cheia de sabedoria do incomparável Adolfo Bezerra de Menezes, que assim comenta no seu livro “A Doutrina Espírita como Filosofia Teogônica” (reeditado sob o título “Uma Carta de Bezerra de Menezes”), págs. 52, 53 e 84:
“O sacerdócio operou segundo as normas de todo fanatismo: só aceitar por verdade o que está aceito como verdade. O sacerdócio julgou que ofendia a Deus, se aprofundasse a nova revelação que reconstruía o templo sobre a mesma base, porém com diferente forma e material.”
“A Sinagoga tinha por artigo de fé que tudo quanto estava na Arca era verdade divina. Vendo, pois, atacadas muitas daquelas supostas verdades, sentiu-se ferida em sua fé e foi em nome de Deus que saiu a combater a Deus. Se ela tivesse mais prudente calma, se tivesse estudando a nova lei e estudado a lei geral da revelação divina, teria curvado o joelho diante do Filho direto do Altíssimo, em vez de se ter feito deicida. (O grifo é meu). “A razão está no mesmo engano cego que levou o sacerdócio hebreu a condenar a divina revelação que nos fez o Redentor, porque atacava os princípios tidos por verdade”.
Comportamento diferente daquelas criaturas seria talvez esforço utópico... Haveria de ter de esquecer todo o aprendido, renunciar a todo preconceito, abrir mão de toda idéia preconcebida para de repente admitir., à guisa de racionalização do problema, que Jesus estava com a Verdade, ou que era a Verdade. Muito esforço, digo; mas possível, viável e até aconselhável. Afinal, eles já tinham a primeira Revelação, que os preparara com bastante antecedência para a chegada do Messias.
Assim, leitor amigo, eis o que me parece o mais importante em toda a tese: romper o processo e raciocinar “fora dele”! É a isto que o convido, para entendimento do corpo fluídico de Jesus, sem diminuir o Salvador, sem enfraquece-lo, sem minimiza-lo, sem esvazia-lo. Aprendeu o leitor, durante milhares e milhares de anos, eras sobre eras, que só há uma maneira de se gerarem os corpos humanos. Aprendeu que fluido quer dizer apenas aparente. Você está biologicamente dentro de um sistema contra o qual todos os meus argumentos vão falhar. Preciso que você “saia” dele um instante e conceba comigo outra ideação. Faça de conta que de repente o criticismo transcendental revelou-se na maior verdade metafísica e procure raciocinar não mais em termos de fenômenos, mas de números. É difícil, eu sei. Mas não custa tentar. Vale a pena tentar...
É como se eu quisesse explicar a você que, se destruíssem o Templo-Jesus, ele o edificaria de novo em três dias – e, dada a explicação, você logo entendesse, e não ficasse a pensar na sinagoga de pedra... A distância que vai entre os símbolos físicos e os conceitos mentais é a grande tragédia do entendimento humano. Está na linguagem o ingente espetáculo, pois que sempre, em todos os tempos, foi precária e imperfeita. Bacon afirmou no seu célebre “De Dignitate et Aumentis Scientiarum” que as palavras “atiram tudo à confusão, e afundam a humanidade em vãs e falazes controvérsias sem fim”. Seu amigo e discípulo Tomas Hobbes, não menos famoso, proclamou que a linguagem “embaraça a mente numa rede de palavras” (Leviathan sive de Materia Forma et Potestate civitates ecclesiasticae et civilis”). Locke, em seu “Ensaio sobre o Entendimento Humano”, condena o método cientifico “as palavras difíceis ou malaplicadas, com pouco ou nenhum significado, confundidas com profundos conhecimentos e altas especulações”. Citemos também Schopenhauer, cujos ensinos agasalhavam a asserção de que “os pensamentos morrem no mesmo instante em que se encarnam em palavras” (“O Mundo como Representação e Vontade”). E, deixando de lado os filósofos, cheguemos até ao sociólogo norte-americano Stuart Chase, em cuja obra moderna “Poder das Palavras”, insere essa afirmativa lapidar à pág. 55: “A maioria dos conflitos humanos –sociais e políticos – não passam de resultado de imperfeição da língua, que impede aos homens de se entenderem”.
Voltemos das citas e, isto posto, entendamos afinal que fluídico quer dizer: de carne, igualzinho a qualquer ser humano. Afaste, leitor, de sua mente, a ideia do vazio, do impalpável, do diáfano. Nada disso. Mentalizem um homem normal, igual a nós outros, com todas as características de nosso corpo humano. Podendo ser operado, aberto e vistos lá dentro todos os seus humores, suas secreções, sua fisiologia, seu sangue e sua linfa circulando normalmente pelos vasos! Nada de fantasmas, espectros ou projeções etéreas. Não é esse o Jesus da ‘Revelação da Revelação’. O Jesus de personalidade fluídica não é sequer o do docetismo. Se aludimos, às vezes, aos docetas, é apenas para mostrar que a ideia da verdade já então estava sendo mais ou menos sentida, embora ainda através de algumas deformações conceptuais, dada a época (Século II). O “sentido espiritual” do docetismo estava certo; a formulação da sua doutrina tinha lacunas. Não podia ser diferente, tendo em vista a mentalidade daquele tempo. Por isso fizeram ideia de um Jesus aparentemente humano na literal acepção dessa expressão. Ora, não é nada disso que Roustaing veio revelar. Os vocábulos aparente, aparência, aparentemente são formas infelizmente insubstituíveis para significar uma nova concepção que – reconheço – é de complexa assimilação. Tinha carradas de razão o erudito filosofo suíço Ferdinand de Saussure, para quem “é um mau método partir das palavras para definir coisas”... ‘Fluídico’ não tem passado, para muita gente, duma concepção fictícia. No entanto, a grande verdade rustenista é que o corpo de Jesus era consistente e absolutamente normal. Isto é que é preciso que se conceba em nossa atual época, distanciada mais de 100 anos da de Kardec.
Virgílio, buscando fazer com que Dante, no Purgatório, se apercebesse da materialidade que o tornava visível, embora fosse de todo transparente, disse-lhe:
“Ora si innazi a me numa s’adombra
Non ti meravigliar piú che dei cieli
Che l’uno all’altro raggio non ingombra”
(Purgatório, cap. III)
(Ora, se diante de mim nada faz sombra –
Não te admires disso mais que dos céus –
Porquanto um raio não faz sombra a outro.)
Digamos, pois, que Jesus tinha um corpo humano, fluidicamente concebido. Será mais conforme com a doutrina de Roustaing, embora nos afastemos um pouco de Júlio Cassiano. Mas, afinal, nunca se afirmou que uma doutrina era a outra. A fazer comparações só o podemos, sem restrições fazê-las entre a ‘Revelação da Revelação’e os próprios Evangelhos, se se quer avultar a força da autenticidade. Mas, de resto, isto não surpreende: os autores foram os mesmos...
Se nós fossemos – Deus meu! Que pretensão a minha, só admissível a título de exemplificação! – se eu fosse fluídico, seria tal qual sou. Se o leitor tivesse corpo fluídico, não seria em nada diferente do que é na aparência. Mudariam apenas as suas faculdades e as suas necessidades estariam condicionadas à sua vontade de senti-las. E se dissessem a seu vizinho isso, ele acharia muita graça e não entenderia, porque essa realidade extra-humana lhe escaparia à concepção. Pensaria logo no seu parto, no seu crescimento, nos momentos em que o viu comendo ( ou mais acertadamente, parecendo comer), na sua compleição física absolutamente tangível e real. E, ainda que você dissessem com toda a franqueza: “Dou a minha vida para a reassumir; ninguém a tira de mim; tenho autoridade para a entregar e também reavê-la; este mandato recebi de meu Pai”. (João 10-17,18); ainda que você dissesse ser ‘sem pai, sem mãe, sem genealogia; que não teve princípios de dias nem fim de existência’; ‘constituído, não conforme a lei do mandamento carnal, mas segundo o poder de vida indissolúvel’ (Hebreus, 7-3,16); apesar de tudo, haveria sempre alguns que continuariam a querer ver o seu corpo pisado, macerado, triturado, porejando sangue vivo, senão de nada valerá sequer a sua própria confissão. Você terá de esperar alguns anos, até que o Consolador prometido chegasse para que, na mesma época, simultaneamente, você possa também contar toda a verdade, repetindo então “o mais moderno missionário da lei, que em muitos pontos vai além de Allan Kardec, porque é inspirado como este, mas teve por missão dizer o que este não podia” (Bezerra de Menezes, ‘Gazeta de Notícias” de 22 de abril de 1897).
Eis, leitor, a realidade nova do problema, que se aclara maravilhosamente quando a prevenção é sufocada e o raciocínio inicia sua nova elaboração conceitual, partindo da ‘posição zero’. Whitaker Penteado, na sua notável obra moderna intitulada “A Técnica da Comunicação Humana”, da qual, profissionalmente, tanto tenho-me valido, comenta a certa altura: “A grande maioria dos conflitos humanos nasce efetivamente do emprego descuidado de palavras abstratas. De que adianta reunir-se a Associação Comercial para estabelecer um lucro razoável nas operações mercantis, antes de chegar-se a um acordo sobre o que venha a ser lucro razoável? “Atrás de uma palavra nem sempre está uma coisa; são representações de coisas, quase sempre específicas, e por isso difíceis de serem transmitidas, com fidelidade, de uma cabeça para outra. Não resolvemos nossos problemas com palavras, ou modificando seus nomes. Antes de morrermos por uma palavra será útil procurar saber o que ela significa” (págs 106/107).
Para arrematar eu poderia lembrar aquele famoso poema de John Saxe sobre os seus professores cegos do Industão que foram chamados a definir um elefante. Cada qual o definiu de acordo com a parte do corpo do animal que as suas mãos haviam tocado... Se não basta, conto uma estória minha mesmo, sem h.
Num mudo longínquo, perdido nos espaços, havia uma raça de cegos. Cegos de nascença. Um dia apareceu ali uma criatura enviada por Deus para sugerir novos ensinamentos. Ele teria o privilégio de enxergar. Sua primeira preocupação foi chamar a atenção de odos para as belezas naturais da Criação, a fim de sensibilizar os corações e poder chegar à ideia de Desus. E começou por descrever o esplendor multicolorido dim arrebol estivo, seus matizes deslumbrantes e suas mutações pictóricas indizíveis!... Mas ninguém entendia nada. A palavra “cor” não tinha sentido. Nunca haviam visto cor alguma e o vocábulo não havia sido sequer criado. Beleza, belo, não passavam duma escuridão mais ou menos imaginativa. As dificuldades se multiplicavam. Aquela gente começou a achar o missionário louco, desiquilibrado, anormal, a falar de coisas absurdas. Missionário e povo não se entendiam. Mas, porque não vissem, não podiam saber aprimorar outros recursos técnicos e, vai dai, jamais haviam conseguido também produzir uma superfície absolutamente plana. O tato de que se serviam nunca pudera transmitir ao cérebro melhor sensação do que a das pedras brutas. O enviado então teve uma ideia genial: poliu uma grande pedra até obter a mais lisa superfície jamais algum dia sentida naquele mundo. Depois, tomou os dedos de seus ouvintes e fê-los tocar o trabalho, explicando-lhes ao mesmo tempo o que era a beleza daquele supremo e até então nunca obtido prazer táctil ... Então eles disseram, afinal, suspirosamente:
- Ah... que maravilha! Agora já sabemos o que é a cor...
E, sobre aquela percepção inaudita, conceberam todo um sistema de vida e toda uma filosofia! ... Ora, como seria possível alterar essa concepção? Dificilmente.
Haveria necessidade de que, num grande esforço de renúncia interior, se voltasse à “posição zero”, para conceber tudo de novo. Ou, então, muito mais simplesmente: pedindo a graça de obter – já não digo – mas ao menos 1 olho a fim de ver a nova realidade...
Reconheço que isto é uma espécie de estado interior que depois de alcançado, torna-se difícil explicar como foi alcançado. Cito aqui, para bem ilustrar o assunto, um diálogo havido entre mim e um amigo que queria apreender o sentido da nova concepção einsteineana do espaço curvo e finito, inteiramente oposta à secular noção objetivista de Newton que faz do espaço uma realidade independente. Depois de longa e naturalmente difícil explanação, ele respondeu:
- Já sei! e disse o que sabia, explicando-se demoradamente, ao que lhe retruquei:
- Não, meu caro; não é nada disso – e tornei a explicar tudo de novo, usando nova linguagem.
- Agora sim! Peguei! – exclamou feliz, enquanto dizia, desta vez em muito menos palavras, o que supunha ter “pegado”.
- Ainda não é bem isso, meu caro; mas está bem próximo.
Expliquei pela terceira vez e ele desabafou:
- Ora, afinal!
Mas, como nada dissesse do que “pegara”, pedi-lhe então:
- Muito bem; diga o que entendeu.
- Engraçado. Desta vez tenho certeza de que entendi, mas não sei dizer.
- Ótimo. Então entendeu mesmo.
Assim também o é a questão conceptual do corpo fluídico de Jesus. Depois de conseguir aquele abençoado olho, tenho a certeza de que o leitor me entenderá, e entenderá Roustaing, e entenderá o próprio Cristo. Mas, se porventura não logrou vencer o preconceito e não aceitou meu convite inicial de desarme antes de começar a ler-me; se ainda não quer nem ao menos procurar encontrar esse olho; se não deseja sequer esforçar-se por ocupar a “posição zero”, a fim de começar a conceber a questão por uma nova e maravilhosa angulação; se, embora lá na última gaveta de sua mente, ainda guarda de mim a impressão apriorística de que sou mesmo velhaco a usar a dialética para enganá-lo – perdoe-me a franqueza: fique com seu Jesus de carne, pois não lhe posso oferecer nada melhor, embora exista. Você só quer entender as coisas se elas lhe trazem a marca escarlate de sangue material do Mestre, empapando o Evangelho. Sinceramente, se Jesus houvesse morrido de morte natural e se não lhe tivessem arrancado nenhuma gota de sangue, não sei como você aceitaria a Mensagem Cristã... Certamente achá-la-ia insignificante e vazia de sentido preternatural...
Mas se o meu caro leitor foi capaz de atender a meu pedido e abstraiu-se realmente de outras posições interiores, se foi capaz de ser honesto consigo mesmo e aceitou o meu convite para o início desse novo entendimento; se observou lealmente o início desse novo entendimento; então prossiga, porque o resto é questão de lógica e bom-senso, sem que nada seja “misterioso”, nem mesmo a virgindade de Maria...
Não quero que o leitor apenas aceite Roustaing. Quero que entenda Roustaing. E, por entender, no caso, não aludo a compreender, mas a penetrar. Melhor dizendo, interpenetrar. No ato de interpenetrar há de alcançar por certo uma concepção nova. E então teremos vencido o pior obstáculo: o preconceito. Ofereço por isso ao leitor intransigente duas chaves: a “posição zero” e ... um olho para ver. Depois, haurida esta introdução dialética, é só começar a ler ou a reler a “Revelação da Revelação”. Quanta beleza e quanta verdade descobrirá!...
E agora, convido Beardesley Rumi para encerrar este artigo: “Homens razoáveis geralmente concordam, desde que saibam do que estão falando”...
QUE FALTA NOS FAZ UM SÁBIO DO PORTE DE LUCIANO DOS ANJOS, UM DOS GRANDES DO SÉCULO XX, MAS IMORTAL PARA SEMPRE:
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