Perguntas
de um Pastor
com base em artigo de Carlos Imbassahy
Reformador (FEB) Dezembro 1943
Um pastor protestante, em S.J. da Boavista, SP, lança-nos perguntas, que tem como irrespondíveis.
Elas vêm ao pé de um longo artigo, como tiro de misericórdia...
Lá vai a primeira:
1. Porque no Livro dos Espíritos, resposta 625, se diz que Jesus é o mais perfeito guia e modelo e o Espiritismo desprezou o Evangelho de Cristo, para elaborar um Evangelho segundo o Espiritismo?
Quem disse, a não ser o pastor, que o Espiritismo desprezou o Evangelho do Cristo? E como desprezou? E porque desprezou? E onde desprezou?
Quando se declara - o Evangelho segundo Lucas, Marcos, Mateus ou João pretenderá alguém que o Evangelho do Cristo foi desprezado?
O Evangelho segundo João, Mateus, Marcos ou Lucas é o Evangelho do Cristo, que eles escreveram; o Evangelho segundo o espiritismo é o Evangelho do Cristo que os Espíritos interpretaram.
Nem ao menos o Evangelho conforme os Espíritos se desvia, se aparta ou difere daqueles apresentados pelos evangelistas. Os Espíritos aceitaram o espírito do Evangelho, de modo absoluto, e a letra, com poucas divergências. Como, porém, a letra mata e o espírito vivifica, trataram de vivificar os ensinos do Senhor para que não os matasse a letra obscura, que os exegetas não compreenderam e que as seitas do Cristianismo mantêm, em risco de prejudicar todo o monumentam edifício que o Mestre erigiu.
Assim, por exemplo, no Velho e no Novo Testamento se declara que o Criador quer a salvação do ímpio, a regeneração do pecador, a remissão do pecado, a reunião das ovelhas sob um só pastor.
Mas no texto sagrado se fala do fogo eterno. Logo daí inferiram a existência do inferno. E ficou o Pai, cheio de infinita bondade, a criar um instituto de infinito horror; e ficou o onisciente, o onipotente, desejando e prescrevendo umas tantas ordenanças que não se obedecem; e estabelecendo umas tantas leis que não se cumprem.
Por obviar a este disparate, os Espíritos trouxeram à terra os necessários esclarecimentos sobre o que podia ser o fogo eterno, ou seja o fogo da purificação, que não se apaga.
Assim, foram varrendo as nuvens que enevoavam os horizontes da palavra divina e daí o Evangelho segundo o Espiritismo. Mas, os Evangelhos são os mesmos como é o mesmo espírito das lições de Jesus.
2. Porque Jesus admitiu sofrimento sem culpa numa existência anterior (Jo 9:1-3) e o Espiritismo dogmatiza que o sofrimento tem sua explicação nos males cometidos numa existência anterior?
Por mais que lêssemos e examinássemos os versículos apontados, não vimos onde Jesus admite “sofrimento sem culpa numa existência anterior”. Dir-se-ía que o ilustre inquiridor está escrevendo para quem não conhece as Escrituras ou não as pode adquirir.
O que o texto diz é o seguinte:
“E ao passar viu Jesus um homem que era cego de nascença, seus filhos lhe perguntaram: Mestre, que pecado cometeu este homem ou cometeram seus pais, para que nascesse cego? Respondeu-lhes Jesus: Nem ele pecou nem pecaram seus pais; isto assim é para que nele se manifestassem as obras do poder de Deus.”
Quem nega aí a existência do sofrimento anterior?
Os discípulos só se poderiam referir à época presente, visto que nada conheciam de vidas pretéritas. Jesus lhes respondeu conforme à pergunta que fizeram, isto é, que, naquela vida, nem ele nem o pai pecaram.
As obras do poder de Deus podem ser interpretadas de diversos modos, se é que foi precisamente assim que falou Jesus.
Penso eu que estas obras seriam o poder de sua justiça, que seguia o seu curso. Era a dívida contraída que se saldava; era o final da expiação, - e tínhamos, então, nele, paciente, verificadas as obras do Criador.
Essa interpretação tem a vantagem de satisfazer a razão; por ela poderemos compreender a eqüidade de Deus. Por isso é que os Espíritos vieram elucidar os Evangelhos. O que não se compreenderia é que o Onipotente lançasse um cego no mundo, e o fizesse sofrer, só para que, a folhas tantas, tivesse o inefável prazer de operar um milagre, e mostrar aos discípulos, embasbacados, o seu formidando poder.
Esse procedimento estaria, por certo, muito de acordo com as mentes enfatuadas e pueris dos tiranetes deste mundo. Não se ajustaria, porém, à excelsa magnitude do Pai da Criação.
3. Porque o Espiritismo ensina a caridade, se ela atrasa o processo de purificação, por diminuir o sofrimento do padecente?
Permita-nos responder com uma pergunta. A cartilha, por onde rezam os presbíteros, diz o seguinte:
“Pelo decreto de Deus e para a manifestação de sua glória, alguns homens e alguns anjos são predestinados para a vida eterna e outros predestinados para a morte eterna.” (Confissão de Fé e os Catecismos da Igreja Presbiteriana)
E mais:
“Segundo o inescrutável conselho de sua própria vontade, pela qual ele concede ou recusa misericórdia, como lhe apraz, para a glória do seu soberano poder sobre as suas criaturas, o resto dos homens, para louvor de sua gloriosa justiça, foi Deus servido não contemplar e ordená-los para a desonra e ira por causa dos seus pecados.”
Das escrituras, conforme as entende e traduz o douto pastor, transparece que Deus cega e endurece suas criaturas, recusa-lhes a graça pela qual poderiam ser iluminadas em seus entendimentos e movidas em seus corações; tira-lhes, ainda, os dons que já possuíam e as expõem a objetos que lhes propiciam os pecados; entrega-as às próprias paixões, à tentações do mundo, ao poder se Satanás. E, assim, o Senhor, enquanto emprega meios para o abrandamento de uns, trata de endurecer outros.
Tudo isto parece curial e deve ser de uma grande justiça, diante do nosso digno contestante. Mas o que eu tinha a perguntar era o seguinte: Se os indivíduos estão previamente fadados para a vida eterna e para a morte eterna; se o que impera e dirige o mundo é o arbítrio divino, que emprega meios para o abrandamento de uns e o endurecimento de outros; se tudo está preordenado, predestinado, preestabelecido, que adianta o pastoreio do eminente contraditor?
“Deus, para sua própria glória, predestinou tudo que acontece, especialmente com referência aos anjos e aos homens.”
E, ainda:
“para patentear sua gloriosa graça, escolheu alguns homens para a vida eterna e os meios para conseguí-la e deixou e predestinou os mais à desonra e à ira.” (O Catecismo Maior)
Entretanto continua o pastor o apostolado de encaminhar as almas, de dirigir o rebanho, e, perseverante no magistério, não se lembrou de que perde o tempo, visto que a vontade divina é um imperativo contra o qual de nada valem os trabalhos, as canseiras, as lutas do preclaro escritor.
Porque, ainda, faz uso da tribuna e da pena, porque não esmorece no seu poder combativo, porque ataca implacavelmente o Espiritismo, se lhe não cabe mover um grão de areia contra a ordem estabelecida pela providência, pela previdência, pela presciência, pela vontade imutável do Criador?...
Enquanto fica o pastor a refletir, passo eu a responder às suas;
A prescrição do Pai é que façamos a caridade. O Cristo só indagará, quando tiver que colocar uns à direita e outros à esquerda, se eles deram de comer, de beber, de vestir... Desse modo, o Espiritismo estabeleceu que fora da Caridade não há salvação.
Os indivíduos, a quem estão reservadas as provas, passarão por elas infalivelmente. Teremos que lhes assistir ao sofrimento, de braços cruzados, como acontece agora diante das desgraças que assolam o mundo. Perecem sob o ferro, o fogo, as inundações, pela fome, pelo frio, pela tortura; passam por todas as dores possíveis, os nossos pobres irmãos, nos quatro cantos da terra. Que lhes podemos fazer? Não nos é permitido minorar-lhes o sofrimento, ainda que o queiramos. Cumpre-se, portanto, a lei, sem os receios que afligem o Sr. Pastor - o de que se atrase o processo de purificação.
A nossa caridade será, em alguns casos, em pura perda. Se ela, porém, se perde em relação àquele que dela é objeto, não se perderá nunca para quem a pratica.
É esta a principal razão da caridade, pastor amigo. E aí tem elucidada a sua terceira pergunta.
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