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quarta-feira, 13 de julho de 2011

AI - 'Espiritismo na Igreja Primitiva'




Espiritismo
na
Igreja Primitiva


Reformador (FEB) Abril 1966

            Não constitui segredo que a Igreja Cristã dos primeiros séculos foi uma instituição de caráter espírita. Isso é perfeitamente compreensível e explica o extraordinário desenvolvimento alcançado pelo Cristianismo em tão curto espaço de tempo. Graças ao intercâmbio que então se estabeleceu e praticou, os mensageiros do mundo espiritual vinham trazer sua orientação ao movimento que então se iniciava.

            Paulo, na sua notável Epístola aos Coríntios, a Primeira, chega mesmo a transmitir aos seus discípulos de Corinto instruções bem pormenorizadas sobre a maneira de organizar os trabalhos mediúnicos, como distinguir e classificar as diferentes mediunidades e como interpretar, criticar e aplicar as instruções recebidas dos irmãos do espaço.

            O Livro intitulado “Atos dos Apóstolos”, colocado imediatamente após o Evangelho atribuído a João, é um documento em que figuram inúmeros fenômenos de natureza espirítica, sem nenhum conflito com o Cristianismo infante.

            Sobre esse fascinante assunto, que sempre me despertou o mais profundo interesse, tenho agora um folheto em que ;e reproduzida uma conferência pronunciada, em 7-7-1957, por J. Arthur Findlay, eminente escritor espírita britânico (Um dos seus livros foi publicado pela FEB sob o título “No Limiar do Etéreo”.)

            A conferência de Findlay tem a sua história. Após uma reunião pública em que foram demonstrados e debatidos fenômenos espíritas, começaram a aparecer nos jornais, em Essex, cartas escritas por sacerdotes, denunciando o Espiritismo como perigoso e daninho. Muitos trechos da Bíblia foram citados em pretenso apoio dessas críticas contundentes, mas, como diz Findlay, não se aplicavam ao caso. Saiu, então, o autor em campo para demonstrar a sua tese de que a “Igreja Cristã primitiva foi uma Igreja Espírita e que a Igreja Cristã a partir do quarto século, afastou-se muito das crenças dos cristãos do primeiro, segundo e terceiro séculos”.

            Lembra Findlay que, de acordo com os dispositivos do chamado “Witchcraft Act” (A Lei  da Feitiçaria), que até alguns anos vigorou na Inglaterra, tanto Jesus quanto Paulo, Pedro e muitas outras eminentes figuras do Cristianismo primitivo poderiam ser processadas como marginais e vagabundas e sujeitas às penas da lei e à prisão. 

            O “Witchcraft Act”, felizmente, já foi revogado na Inglaterra. Médiuns espíritas podem até visitar confrades doentes e fazer-lhes passes. Também há instituições públicas protegidas pela lei, em que médiuns curadores (“Healers”) recebem e tratam verdadeiras multidões, como é o caso de Harry Edwards e tantos outros.

            No Brasil ainda botamos médiuns na cadeia à falta de penalidade mais cruel, que não existe, graças a Deus, na legislação. Bem que seria do agrado de alguns mais alvoroçados, acender aqui e ali algumas fogueiras inquisitoriais. Os tempos mudaram; entretanto, muitos homens ainda guardam rancores antigos, pelos quais terão de responder mais cedo ou mais tarde. Mudaram os tempos e apagaram-se as fogueiras, mas, perante a lei brasileira, ai daquele que for apanhado em flagrante, a fazer passe com a intenção de curar. Leiam “A Mediunidade e a Lei”, do Dr. Carlos Imbassahy. Podemos fazer gestos à vontade, que nada acontece, nem ninguém vai à cadeia por eles, mas, se for pressentida no gesto de aliviar uma dor física ou moral, desgraçado do autor do gesto!

            Na Igreja Primitiva, durante os primeiros séculos, médiuns recebiam Espíritos, psicografavam, transmitiam mensagens em diversas línguas e impunham as mãos para curar, tal como ensinava Jesus e como ele próprio o fazia. Dessa forma, curavam males físicos e morais, restituíam a vista aos cegos, os movimentos aos paralíticos, a voz aos mudos, a audição aos surdos. Também, e com enorme freqüência, expulsavam demônios, isto é, curavam obsessões, fazendo que o Espírito obsessor abandonasse o infeliz obsidiado. E ninguém ia para a cadeia por isso. E nem para fogueira, ou para o inferno.

            Segundo a Enciclopédia Britânica, os médiuns ocupavam posição de destaque na Igreja Primitiva. As comunidades que não os possuíam eram visitadas, de tempos em tempos, por médiuns itinerantes que punham as suas faculdades a serviço de todas. Isso não poderia deixar de despertar o ciúme dos primeiros sacerdotes, ainda impregnados dos ritos, dogmas e procedimentos canônicos do judaísmo de onde vinham muitos dos novos cristãos. E começou a campanha contra os médiuns, até que o Concílio de Nicéia decidiu a questão contra a mediunidade. Isso no ano 325. A esse tempo a espada de um imperador romano - Constantino - foi desembainhada, pela primeira vez, para ‘propagar’ a fé. Os livros que continham referências às práticas mediúnicas dos primeiros tempos foram destruídos, mutilados, interpolados e desmoralizados, com a finalidade de apagar, tanto quanto possível, todos os vestígios daquela prática que passou a ser considerada abominável sob todos os aspectos.  Daí em diante, a guerra entre médiuns e sacerdotes iria ser de vida ou morte e iria perdurar pelos séculos afora. Milhões de pessoas foram literalmente trucidadas, queimadas, enforcadas ou apodreceram em cárceres tumulares, somente porque tiveram a desgraça de nascer dotadas de faculdades mediúnicas. Mesmo os santos católicos que manifestaram tais faculdades eram postos em discreta, mas desconfiadíssima quarentena. Alguns, como Joana d’Arc, primeiro foram condenados e depois tiveram seus processos reexaminados para canonização.

            A vida dos santos, aliás, está pontilhada de fenômenos mediúnicos: Visões, levitações, experiências de projeção consciente do corpo espiritual, intuições, curas, bilocação, materializações, psicografia, psicofonia.
            Ilusão foi pensar que se suprimia a mediunidade por decreto e pelo fogo. Conseguiu-se, porém, sufoca-la por algum tempo sob um tenebroso regime de terror, durante o qual o médium era sumariamente considerado instrumento do demônio. Dessa forma, perderam-se quase todos os documentos que contavam a verdadeira história das origens do Cristianismo e de suas práticas.

            Em 1873, porém, como lembra Findlay, um bispo grego descobriu no Mosteiro do Santo Sepulcro, em Jerusalém, um precioso manuscrito entitulado “Os Ensinamentos dos 12 Apóstolos”. Era um documento autêntico, publicado pela primeira vez ai por volta do ano 140 da nossa era. Como ficou 1700 anos a salvo das alterações de teólogos tendenciosos, conservou a narrativa acerca da vida de Jesus e de seus ensinamentos, da maneira mais pura possível. E lá não se encontra referência alguma à Santíssima Trindade, à encarnação, aos sacramentos, à ressurreição, à ascensão, à salvação e outras doutrinas e cerimônias. Encontram-se, porém, inúmeras referências aos dotes psíquicos dos cristãos da época e aos trabalhos mediúnicos que então realizavam. Conselhos são dados aos médiuns e orientação sobre a posição deles na estrutura hierárquica da Igreja.  

            Um pouco antes do Cristianismo, cerca de um século, já os essênios haviam fundado sua seita, que sem ter deixado de ser judaica, em seus princípios fundamentais, divergia em outros não menos importantes. Esses homens se intitulavam “therapeutae”, isto é, curadores.

            Assim, a imagem que temos da Igreja Primitiva Cristã é a de uma comunidade de gente simples, empenhada em cultuar a memória do Mestre, praticar a caridade e realizar trabalhos mediúnicos, pelos quais aprendiam a doutrina e praticavam a cura por meio de passe e de imposição das mãos.

            E pergunta Findlay: como é que uma instituição dessas, tão simples e humana, se converteu na que chegou aos nossos tempos, emaranhada em dogmas, em credos, em doutrinas nas quais é preciso crer para salvar-se? “Como foi que Jesus se transformou numa vítima sacrificada, massacrada pelos crimes da Humanidade e em seguida elevado à posição de Salvador, Juiz, Mediador e Redentor e finalmente a segunda pessoa de uma trindade de deuses?”

            Acha Findlay que se deve isso a Paulo, que teria “transformado Jesus, em Cristo, o deus”. De minha parte, não julgo assim tão fácil atribuir a Paulo esse passe de mágica, embora fosse ele realmente quem primeiro tenha compreendido a universalidade dos ensinos do Mestre e tenha procurado tirar dos judeus a exclusividade a que se julgavam com direito, no que tocava a esses ensinamentos. É bem conhecida a séria divergência surgida entre Paulo e seus seguidores imediatos e a corrente apostólica chefiada por Pedro. Estes achavam que o Cristianismo era um judaísmo reformado, mas judaísmo puro, e que somente judeus poderiam ser cristãos. Paulo, ao contrário, achava que a pregação do Cristo era destinada a toda a Terra. Daí o seu nome de Apóstolo dos Gentios e nisso tem ele um mérito que a perspectiva do tempo somente pode engrandecer. Ainda na madrugada do Cristianismo, ele já havia percebido que ali estava uma grande concepção filosófica de caráter universal e não apenas uma seita judaica, como a dos fariseus ou saduceus.

            Não me parece, porém, que ele haja endeusado o Mestre, ainda que suas epístolas tenham sido um verdadeiro campo de batalha durante 19 séculos de disputas teológicas. Não nos podemos esquecer de que foi uma frase sua que disparou o dispositivo reformista de Lutero - a salvação pela fé.

            Ainda, porém, que Paulo tenha causado algum dano com a sua teologia e os esboços que deixou dos primeiros dogmas, além do mérito já mencionado, ele não procurou condenar a mediunidade; pelo contrário, incentivou a sua prática, chegando mesmo a traçar normas disciplinadoras para o seu exercício, como expõe com minúcias e com extrema segurança na sua Primeira Epístola aos Coríntios. Sua observações sobre a mediunidade são válidas até hoje.

            Seja como for, nem mesmo suas recomendações impediram que a Igreja Cristã tentasse riscar a mediunidade dos planos de Deus, o que foi um dos episódios mais lamentáveis de toda a sua história. Sabe-se lá que magnífico estado de evolução não teria alcançado hoje a Humanidade, após quase dois mil anos de Espiritismo cristão?

            O trabalho de J. Arthur Findlay é muito oportuno e deve ter ensinado muita coisa útil, inclusive à aqueles que mesmo dentro das Igrejas Cristãs de hoje (Católica, Protestante e Anglicana) ignoravam as verdadeiras origens das práticas cristãs-mediúnicas.

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