Croniqueta – 8
Manuel Quintão
Reformador (FEB) Setembro 1923
Há dias, em comunicado de um lúcido
espírito, em grupo íntimo de estudos evangélicos, nos foi dito que os templos
espíritas não careciam de fachadas, nem adornos outros, bastando-lhes conter um
só altar - o do sentimento - (e quem diz sentimento diz Amor), porque no dia em
que os tivéssemos assim constituídos, todos viriam espontaneamente bater-lhes à
porta.
Esta advertência vem a talho de foice,
quando se procura entre nós, de modo febricitante, exaltar as instituições
ditas de Caridade, pelos mesmos processos com que o fizeram e ainda o fazem os
nossos irmãos católicos, protestantes e até materialistas.
A impressão que se tem dessas
iniciativas mais ou menos retumbantes é a de uma tal ou qual emulação, para dar
na vista e impor-se à consideração do grande público, antes por volume que por
qualidade.
Sempre mantivemos as nossas reservas
quanto ao mérito absoluto dessas
organizações, por nos parecerem mais humanas que divinas,
mais formalísticas que naturais e até perigosas, se nelas não influir predominantemente
o amor pelo amor, isento de paixões, personalismos e conveniências sociais,
sempre susceptíveis de atritos e flutuações.
Entre espiritas já é comum dizer-se: F...
fundou o Asilo A; J... organizou
a escola B; L... instituiu a sociedade C...
E F... J... L... passam a ser tidos em
conta de grandes beneméritos da Causa, como se esta não fosse de Jesus e seus
prepostos desencarnados e houvesse Ele, Jesus, fundado uma instituição fixa,
limitada, condicional, que não a do Amor Universal aplicado a todos os seres e
coisas de todos e para todos os tempos.
Mas, perguntamos: é da falta de
institutos tais que anda enfermada e padecente a humanidade?
Ou será, antes, da falta de verdadeira
Caridade que essas iniciativas se justificam o móvel que nos leva a conduzir o
irmão enfermo a um hospital, a um asilo, a um manicômio, não significaria antes
egoísmo, conveniência, comodidade tabelados?
Dir-se-á que, ainda procedendo como
verdadeiros cristãos, não sanaríamos integralmente o mal, pois que muitos são
os necessitados e poucos os providos de recursos para fazer o benefício de
conta própria, individualmente.
Esse é, porém, um argumento aleatório:
primeiro, porque a missão do homem considerada rigorosamente do nosso ponto de
vista, não é arbitrária e sim providencial; e, segundo, porque as organizações
coletivas também não resolvem o problema de modo integral, antes o podem
comprometer na sua finalidade superior, tirando-lhe o caráter de espontaneidade
e até de sacrifício individual, que é o seu legítimo apanágio.
Em tese, não somos infenso a essas
arregimentações de fundo beneficente, mas esflorando o assunto, graças a
comunicação de um desencarnado que vê estas coisas de alto, sempre diremos ser
tempo de cuidar daquele sentimento que transforma cada lar em templo, asilo,
escola e hospital, sem classes nem tabelas, sem métodos nem programas, nem
dignidades, nem múnus (encargo, obrigação), nem galardões outros que o amor a Deus e ao próximo.
*
Os nossos queridos irmãos católicos são
engraçadíssimos na guerra que nos movem...
Sempre que se trata de zurzir (espantar) a “espiritalha”
(o termo é de um padre, truanesco, que “loroteia” lá para as bandas do Pará),
vem a tona o Cap. XVIII do Deuteronômio:
“... entre ti se não achará nem
encantador nem adivinho, nem quem pergunte a um espírito adivinhante, nem mágico,
nem quem pergunte aos mortos.”
Esquecem-se, ou, antes, fingem-se
ignorantes, sabidões que são, de que as evocações espíritas não são arbitrárias
e mais: não se precatam de que a ilação lógica a tirar daquele interdito atinge
em cheio o conhecimento que tinha o legislador hebreu das possibilidades não
só, mas do uso e até do abuso das comunicações.
Quando, porém, se trata de obra “pro domo
sua”, quem diz que os seráficos teólogos se lembram dos pristinos (antigos) rescriptos
(resoluções régias) do grande Moisés?
Ainda agora, no afã de petrificarem o Cristo
ali assim no alto do Corcovado, o clero e nobreza católicos, banqueiros e
condes de si mesmos, gente de vida desapertada, acabam de lançar aos quatro
ventos um apelo caloroso ao sentimento cristão do povo brasileiro, para que o
projeto em gestação difícil e dolorosa de dois anos tenha, finalmente, a sua
realidade prática.
Esse apelo foi uma surpresa pela forma
por que foi feito.
De princípio, dizia-se que a iniciativa
era católica, que a obra seria católica
e. conseguintemente, só os católicos deveriam concorrer.
Agora já se procura falar ao sentimento
cristão, sem distinção de classes e matizes, assim como quem confessa, quase,
que o dinheiro católico não anda lá para que se diga muito vadio e... monumentoso,
em que pese ao dreno constante dos gazofilácios, mafuás, caixas de paroquia et reliqua.
Apela-se, então, para o sentimento cristão
do povo e, que beleza!! todos devem concorrer, o pobre também precisa partilhar da glória
de petrificar o Cristo.
Se não pode dar um conto, dê um vintém,
mas dê...
E a gente, que tem a ingenuidade de acreditar
que as palavras servem para definir ideias, vai ao léxico e lê CRISTÃO: adj.,
que professa a religião de Cristo.
Que disse, então, que fez o Cristo? Mandou,
alguma vez, que se materializasse qualquer ideia, que se adorasse, ou mesmo se
venerasse qualquer símbolo?
Sim. O Cristo disse: Deus é Espírito, e
importa que os que o adoram o adorem em espírito e em verdade. (João, Cap. IV, v.24)
Ainda mesmo admitindo-se o dogma da
Trindade, o Deus-Cristo ou Cristo-
Deus, como queiram os fabriqueiros de dogmas, não poderia
ser “monumentado”, sem transgressão daquele seu verbal preceito.
E Moisés, o mesmo que interditou a evocação
dos mortos, tão do agrado dos nossos irmãos católicos, que disse neste particular?
“Não farás imagem de vulto, nem alguma semelhança do que
há a riba no céu, nem abaixo na terra, nem nas águas debaixo da terra». (Êxodo,
Cap. XX, v. 24:)
E que disseram os apóstolos?
“Sendo, pois, geração de Deus, não
havemos de cuidar que a Divindade seja semelhante a ouro, a prata, ou a pedra
esculpida por artifício e imaginação dos homens (Atos, Cap. XVIII, v. 29.)
E não contente com o rigor do preceito
escrito, como a dar-lhe significação absoluta, eis que o legislador hebreu
desce do Sinai, chama os da tribo de Levi e ordena aquela hecatombe - só três mil a fio de espada!
Bem se vê que a coerência católica também
está a exigir um monumento.
E, se houvesse acordo, poder-se-ia erigi-lo
cá por baixo mesmo, no plano raso das águas movediças da nossa Guanabara, na ilha
Fiscal, por exemplo, pois
que aí seria mais acessível ao povo, que sempre gosta de
ir na onda.
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