A questão do luto
Gabriel Gobron
Reformador
(FEB) Junho 1937
São estritamente pessoais as
linhas que se seguem e que não visam ofender a ninguém, nem constranger pessoa
alguma. Quem as escreve pensa que muitos ainda não puderam - hereditariedade?
ambiência? - libertar-se inteiramente de uma longa tradição de culto de cadáveres,
antes que de religião das almas. A esses deixa ele completa liberdade de pensar
e de fazer o que lhes pareça mais conforme às suas opiniões e convicções do
momento.
Quanto a mim, no curso de
uma séria crise cardíaca, redigi assim o meu testamento moral:
PARA 0 CASO EM QUE EU VENHA
A MORRER.
Coche dos
pobres, caixão de madeira branca.
Enterramento
civil, fossa comum.
Discursos
junto ã minha sepultura (se possível, por um delegado da Revue Spirite de
Paris, para afirmar as minhas crenças no Além e na Reencarnação), a fim de que
fique atestado que sou espiritualista adogmático e que não morro como um cão.
Nada de
coroas. Algumas flores naturais dos campos, se a estação o permitir. Nada de
ornamentação fúnebre na casa.
Nada de
luto por parte dos meus, nem de choros, nem de tristezas! Mas, bons pensamentos
dirigidos à minha alma, que a possam reconfortar e vivificar em seu novo estado.
Sejam
instados o Diretor da Escola Primária superior e o Inspetor primário a que se
abstenham de participar, de qualquer maneira, do meu enterro. Insisto
expressamente neste ponto, porque não quero momices administrativas sobre a
minha sepultura, em virtude das chufas (zombarias) e
perseguições que durante anos e anos terei suportado, na qualidade de professor
livre e independente, apesar de tudo e de todos.
Tais são
as minhas últimas e únicas vontades, formuladas neste 19 de novembro de 1934, achando-me em
estado de perfeito equilíbrio mental e depois de madura reflexão. - GABRIEL GOBRON. - 19-11-1934.
Meses e meses se passaram
após esse testamento sempre em vigor. As minhas convicções filosóficas e
religiosas fortaleceram ainda mais as minhas resoluções.
A decoração funerária, o
luto das vestes, a arquitetura dos cemitérios são, a meu ver, grandes
aberrações do espírito, alimentadas pelo propagandismo e pelo materialismo das
religiões dogmáticas. Essa cor negra, que simboliza o luto católico, é
monstruoso erro. O branco (dos primeiros cristãos), o vermelho (que se nos
deparou na Hungria), o verde (de uso entre alguns espíritas) são muito
preferíveis ao preto da angústia e do nada.
As orações tarifadas, os
serviços pagos, as reuniões de conversadores que acompanham o féretro (estopada
(conversa
enfadonha) que se suporta praguejando), a discutir sobre negócios; as
visitas ruidosas aos cemitérios nos dias de finados, tudo isso desaparecerá no
futuro melhor esclarecido.
Os choros, os soluços e, até,
gritos retêm as almas nos lugares onde foram sepultados seus corpos, ao passo que
preces espontâneas, confiantes, repetidas muitas vezes ajudam os Espíritos
obscurecidos a “recobrar-se” no Além e a libertar-se, peja ascensão a esferas
cada vez mais luminosas.
Ainda sobre este ponto,
creio firmemente que a melhor maneira de se testemunhar amor a um ente caro que
se foi não consiste em chorar sobre os
seus despojos mortais (sobre hábitos contrariados, sobre interesses
lesados, convém dizê-lo corajosamente), mas,
em orar pela sua alma libertada dos laços da matéria, do fardo da carne,
tão exigente e tão fraca. Causei escândalo na minha aldeia, por não haver
chorado sobre o cadáver de meu pai. Entretanto, posso fazer a mim mesmo
justiça, declarando que desde 1920 (ano de sua morte), tenho orado quase todos
os dias para que sua alma encontre a Verdade e a Luz no mundo espiritual!
Como GabrieJ Delanne, tenho
os meus mortos, pelos quais faço as minhas encomendações quase todas as noites.
E a lista deles estende-se, estende-se, à medida que os anos fogem. Essa prece
que faço por todos os meus mortos - parentes, amigos e conhecidos - me parece
infinitamente mais útil, do que todas as lágrimas que pudesse derramar e que
prenderiam esses trespassados à lama atmosférica e à ganga terrena de que já
felizmente se livraram. Creio vivamente que se pode, pela prece pessoal e
espontânea, ajudar os “mortos” e facilitar-lhes o acesso à Luz e à Verdade.
Também concito calorosamente
os que me queiram dispensar algum crédito a fazer com frequência este pequeno
exercício:
Realizar o
que sucede após a morte: Visitação dos “mortos” que acorrem a festejar o nosso
regresso ao plano espiritual; desencarnação; Além trevoso; sono, torpor, peso; perambulação,
em torno de nós dos nossos entes sem substância, como nalguns dos nossos
sonhos, etc., a fim de adquirirmos rapidamente consciência do nosso novo estado
e de não prolongarmos em demasia essa vida crepuscular, em que tantos Espíritos
não conseguem inteirar-se do que com eles se está dando.
Com efeito, alguns Espíritos
procuram o Paraíso, o Purgatório, etc. e não logram
encontrá-los,
transviados que foram pelos dogmas das igrejas materialistas. É, todavia, exato que,
dentro de certos limites, essas seitas se reconstituem, nas esferas mais próximas
da Terra, e se esforçam por atormentar os que se tornaram presas suas, apresentando-lhes
como tendo existência real as miragens de que lhes falavam na Terra. Assim,
graças ao poder criador do pensamento, acontece que Espíritos crédulos, já uma
vez enganados neste mundo, o são segunda vez no Além, pelos mesmos sectários e
os mesmos fanáticos de sempre, e se deixam engodar com os seus cantos de
sereia.
Enfim, criar para si um
apadrinhamento espiritual, dirigindo um pensamento caloroso aos
verdadeiros Grandes Homens (eles são tão poucos!), que serviram à humanidade, porém
não por meio de massacres e carnificinas. Quase todas as noites, evoco assim os
meus “Deuses”, esses seres superiores aos quais, em minha fraqueza e miséria,
eu tanto e tanto desejara assemelhar-me, já neste mundo.
Creio demais no Além, para
deixar de condenar o luto que tortura os vivos e os
“mortos”.
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