Saibamos ser espíritas
Djalma de
Matos
Reformador
(FEB) Fevereiro 1942
Procurar conhecer-se a si mesmo com a preocupação
constante, quotidiana, de corrigir os próprios defeitos, constitui o dever precípuo
de todo verdadeiro espírita.
De que serve ao crente conhecer a fundo a doutrina
e observar teórica e exteriormente os seus ensinamentos, se, no que diz
respeito à alma, ao próprio eu, não faz esforço por melhorar-se, para dar a
demonstração de que o Espiritismo não é como a figueira estéril do Evangelho,
mas, sim, árvore fecunda e frondosa, que dá bom fruto e acolhedora sombra?
Não pretenda ninguém ser perfeito, sob pena
de se lhe turvar a vista - porque a perfeição, neste mundo, como o moto-contínuo
e a pedra filosofal, ainda não houve quem a alcançasse.
Pela terra, um único Espírito perfeito já
passou: o de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Muito já faz quem mantiver o propósito sincero
e diuturno de melhorar-se, observando e corrigindo as próprias imperfeições,
perdoando, fazendo por esquecer as faltas que provêm das imperfeições alheias.
E, para não fraquejarmos, não nos sujeitarmos a falir, neste meritório intento,
devemos apelar sempre para a humildade, sem jamais esquecermos a sábia e salutar
recomendação do Mestre: -- Orai e vigiai, para não cairdes em tentação!
Se, quando o procedimento alheio nos
causasse ofensa ou prejuízo, quer direta, quer indiretamente, antes de irrogarmos
ao nosso Irmão censuras e recriminações, de levantarmos a voz para o acusar, nos
detivéssemos um momento a raciocinar e, atentando nas imperfeições do nosso ser,
nos puséssemos na posição do que cometeu a falta, no mesmo grau de adiantamento
moral ou intelectual em que ele se encontra, haveríamos de ver que, na maioria
dos casos, a revolta se transformaria em compaixão e a acusação nos inspiraria
uma prece em benefício daquele que faliu por ignorância ou por fraqueza.
Se este é o critério aconselhável no cultivo
das relações mundanas, muito mais será de observar-se as coisas que dizem
respeito propriamente ao Espiritismo.
Não podemos, por isso, concordar com alguns
confrades que, animados, aliás, de boas intenções, entendem que se deve
hostilizar a todos aqueles que praticam as diversas modalidades do baixo, ou,
melhor, do falso espiritismo, vigiando-os e denunciando-os à polícia, sob à
alegação de que desacreditam o verdadeiro Espiritismo. Discordamos deste modo
de pensar, porque temos como certo que a missão dos espíritas não é acusar, nem
delatar, mas aconselhar e moralizar pela exemplificação dos preceitos evangélicos,
sem jamais recorrer aos métodos coercitivos da violência e do escândalo.
Não julgueis para não serdes julgados - disse
Jesus.
E qual será o mais culpado - aquele que por
ignorante (que outro qualificativo se não pode dar) pratica a feitiçaria, a
macumba, etc., sob o rótulo de Espiritismo, ou o que, tendo-se por conhecedor
da verdadeira doutrina e da moral evangélica, não faz o que nelas se ensina,
isto é, perdoar para ser perdoado, não fazer ao próximo o que não quereria que
lhe fizessem?
A resposta não é difícil... Mais censurável
é aquele que, tendo o caminho iluminado à sua frente, dele se desvia do que o
que pouco enxerga e se precipita no lodaçal.
Encarada assim a questão, sob o justo critério
da relatividade, cuidemos em que não nos caiba a increpação de Jesus aos fariseus,
que viam o argueiro no olho do vizinho e não percebiam a trave no próprio olho.
Não há, a nosso ver, o menor perigo para o Espiritismo
legitimo - que não é obra dos homens e sim dos invisíveis mensageiros do Senhor
- de ser prejudicado pelo falso espiritismo, porque a verdade jamais se poderá
confundir com a impostura, assim como o azeite se não confunde com o vinagre.
Bem saberão extremar um do outro as pessoas sensatas, esclarecidas e
criteriosas, cujo juízo tão somente nos deve preocupar - porque o
das de má fé, das de cérebro entenebrecido pelas teias de aranha dos prejuízos
e preconceitos não devemos recear, nem dele cogitar.
O nosso pensamento sobre o assunto é este: -
Tenha cada espírita o firme e constante propósito de corrigir as próprias
imperfeições, procurando ser bom e justo, para combater, pelo conselho e pelo
exemplo, o erro e a ignorância, dentro do âmbito arejado da caridade e da tolerância,
sem julgar necessário recorrer aos meios compulsórios da repressão oficial.
Foi recorrendo a esses meios que começaram aqueles
que chegaram, na Idade Média, a criar, de conivência com os poderes temporais, os
tribunais do Santo Oficio, a acender as fogueiras da Inquisição - como se para
demandar as coisas de Deus, fosse mister apelar para a espada de Cesar.
Saibamos, pois, ser rigorosos para com os nossos
próprios defeitos e tolerantes para. com as faltas alheias.
Só assim seremos dignos de nos dizermos espíritas.
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