Pesquisar este blog

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Preeminência da humildade



“Preeminência da Humildade”

                Em gozo de férias, encaramujei-me no meio do mato. Uma fazenda, perdida lá nas estâncias de Pati do Alferes, foi meu oásis na desértica jornada das minhas lutas pelo pão de cada dia.

                Depoís da primeira semana de descanso, ressenti-me da entrevista, às quintas-feiras, com os companheiros encarnados e desencarnados do Grupo Ismael. Foi então que me propus: saí à procura dum centro espírita para visitar. Acompanhou-me uma consóror que conheci na fazenda e minha mulher. Informação daqui, orientação dali, acabei convidando-me para a reunião de que participava uma prestativa serviçal da fazenda, aquela que nos servia as refeições.

                Reuniam-se nos fundos duma garagem, em ambiente extremamente tosco, acanhado, cheio de teias de aranha pelo teto e muito poeira pelos cantos. Uma mesa modestíssima, porta e janela gastas pelo tempo, apenas uma lâmpada (40 velas?) dependurada e, para os frequentadores, bancos compridos de caixote, sem encosto e sem pintura.

                Senti-me bem, tão logo entrei. Não demos nossos nomes, nem quiseram sabê-Ios , Ali, gente da terra ou visitante do Rio, são todos iguais. Porém, educados que eram, agradeceram sensibilizados a nossa presença, confrades que, afinal, jamais esperavam aparecerem por ali.

                A sessão teve início. Primeiro, a leitura duma página escolhida a esmo em obra psicografada. Depois, a prece proferida pelo dirigente. Seguiu-se a recepção duma mensagem psicofônica, ditada por entidade de reconhecida elevação espiritual. Passou-se ao estudo do ponto da noite, tomado a “o Livro dos Médiuns”, durante o qual cada um de nós falou alguma coisa. Veio depois a parte de doutrinação dos Espíritos necessitados, ao cabo do que tivemos novamente a presença do mentor do grupo, ditando maravilhosa mensagem de sabedoria e amor. Finalmente o presidente da reunião encerrou-a em nome de Deus, com uma prece gratulatória.

                Fiquei-me a meditar: notável! aquilo era um carbono, tal qual, da nossa reunião no Grupo Ismael, aqui na Federação Espírita Brasileira! Como é que aquela gente tão humilde, tão modesta, tão carente de condições materiais podia estar à altura de realizar uma sessão de indiscutível zelo doutrinário?! Primeiro,
quanto às rotinas do trabalho; segundo, quanto à colocação dos assuntos, dos temas abordados.

                Carrego e exagero propositadamente na exclamação, mas no íntimo tenho consciência desse verdadeiro fenômeno que a rigor vale muitas vezes mais do que o mais inusitado fenômeno de materialização ou de efeitos físicos! Trata-se do fenômeno da humildade!... A humildade que alteia o conhecimento, a humildade que enseja a prestância da assistência espiritual, a humildade que lobriga inesperados e surpreendentes resultados.         

                Tenho observado, em minhas passagens por inúmeros agrupamentos mediúnicos, esse índice realmente maravilhoso: tanto mais são humildes e desprovidos de recursos os homens, maior é a cobertura que os Espíritos lhes dão, como o fazem, na mesma proporção, os pais encarnados em relação aos filhos. A infância requer sempre atenção mais constante e direta, que diminui na juventude e quase desaparece depois que se cresce e se atinge a maturidade. Também os Espíritos suprem com mais frequência as lacunas passíveis de se abrirem nas fileiras constituídas de criaturas menos providas de tempo para a aculturação, para a intelectuaIização, para a atualização.

                Por isso é muito comum encontrarem-se no interior do país centros oferecendo exemplos de inconfutável autoridade, geralmente sustentados por médiuns que, pouco letrados, resultam em excelentes vasos de acomodação do néctar provindo da verdadeira fonte do saber.

                Isto não é a apologia do médium inculto, eis que ao fazê-Ia estaríamos afrontando a Doutrina Espírita. O médium deve estudar; o médium tem de estudar; o médium precisa de estudar. Tanto mais absorva o ensinamento, melhor se conduzirá no seu carreiro, propiciando ao Alto também melhores oportunidades de transmitir a orientação de que carecemos aqui na Terra.

                Situemos bem o problema para achanar falsas e equívocas interpretações. Em geral, tirante os casos de prova de identidade, os Espíritos transmitem ao médium apenas pensamentos, ideias e imagens, deixando-lhe que formalize o ditado com suas próprias palavras e seu próprio estilo. O médium que estudou, que aprendeu, que assimilou, funcionará por isso com muito mais eficiência do que aquele que despreza as lições e não tem de si mesmo nenhum recurso a oferecer. Os Espíritos terão então de, num esforço extremamente maior (que, obviamente, tem as suas limitações, pois é preciso não ignorar que há barreiras às vezes inexpugnáveis entre um plano e outro), terão os Espíritos de “ajeitar” a mensagem para que flua da maneira mais apreciável possível.

                Contudo - e aqui situo o outro lado da questão -, o médium sincero e humilde, pouco instruído, enfurnado no meio do mato, sem condições reais para o estudo, impossibilitado de frequentes contatos com os que lhe poderiam ensinar alguma coisa - é deste médium que falo e que não ficará abandonado, mas, ao contrário, forçará a misericórdia dos benfeitores, que passarão a assisti-Io de mais perto, protegendo-o e amparando-o. É' este, precisamente este que ainda necessita da ajuda paternal, a qual sem dúvida não lhe falta e se caracteriza no maior carinho, na maior atenção e no maior cuidado.

                Convém departir bem o médium que pode e não quer estudar (por displicência, por pretensão ou mesmo por orgulho) daquele que não tem recursos nem meios para isso ou até nem sabe ainda que precisa de estudar, e que fazê-Io é ponto fundamental da Doutrina.

                É por este último, com prioridade, que o Alto se interessa, estendendo-lhe a merecida e justa proteção E é por isso, exatamente por isso, que os eventos mais maravilhosos ocorrem pelo interior do País, a intrigar não tanto aos espíritas, mas aos etnólogos, aos pesquisadores da etogenia, da geobiologia, enfim, aos ecólogos dum modo geral, quando observam, por exemplo, nos costumes dessa gente, o descuido pelas doenças, a despreocupação com os rigores da moderna ciência, a negligência com as recomendações sanitárias. Um parto, nas grandes metrópoles, se não seguir todo o ritual da técnica obstétrica pode levar à morte a parturiente ou o nascituro , No interior, ele nasce no chão de terra, sem nenhuma assepsia e não acontece nada. No cosmopolitismo dos grandes centros urbanos uma ferida mais contusa requer a imediata e urgente aplicação de soro antitetânico; nos brejos das colônias selvosas o caboclo joga em cima terra misturada com açúcar e vai remexer o estrume da sua lavoura. Dirão os cépticos das coisas do Espírito: o organismo reage na proporção do ataque e gera anticorpos que o defendem. Sim, mas isso não exclui a participação do Alto. Posso recolocar a equação noutros termos: os anticorpos se criam em função de sábias leis do astral fiscalizadas, estas, pelos prepostos do Senhor. Afinal, há que reconhecer a relatividade dessa auto vacinação, eis que nem sempre é eficaz. Pode falhar. Há casos em que falha. Logo ...

                Mas não quero delongar-me no exame dessa angulação científico-espiritual. Voltemos à nossa reuniãozinha lá nos confins de Pati do Alferes. Reporto-me, em remate deste artigo, a um aspecto final que endossa de vez a minha opinião, festeja o meu entusiasmo e coroa definitivamente a humildade como padrão preeminente de todas as virtudes. Trata-se da mensagem de despedida do mentor espiritual. Cá entre nós, leitores meus desta fabulosa metrópole carioca, que ninguém nos ouça: a mensagem estava muitos furos acima da capacidade normal do médium e minha, e foi uma inaudita e inenarrável alocução de invulgar sabedoria e extraordinária elevação moral.

                Ora, ora os anticorpos ...


por Luciano dos Anjos
Reformador (FEB) Junho 1970

Nenhum comentário:

Postar um comentário