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sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

01/03 Docetismo



01/03 Docetismo

            Os Dicionários e Enciclopédias assim definem o Docetismo: doutrina herética dos primeiros séculos do Cristianismo, variante do Gnosticismo, e que consistia em ensinar a não realidade carnal do corpo de Jesus, não aceitando, por conseguinte, seu nascimento, sofrimento, morte e ressurreição, senão em aparência. Alguns estudiosos pensam ter sido Júlio Cassiano[1] o autor dessas ideias; contudo, isso não se pode provar, por falta de dados positivos. Os seguidores dessa doutrina denominavam-se docetas ou docetes (do grego dókesis - aparência), e professavam o mais puro monoteísmo.

            Parece ter sido a primeira «heresia» cristã conhecida, pois S. Jerônimo, o autor da Vulgata, diz que "o sangue do Cristo estava ainda fresco na Judéia, quando o seu corpo foi considerado como tendo sido um fantasma".

            O nome Docetismo aparece citado, pela primeira vez, no século II, conforme os documentos que se conservaram, num manuscrito do bispo de Antioquia, Serapião, embora seja a doutrina anterior a essa época, conforme tudo parece confirmar. Até hoje é ignorado se o Docetismo designava uma seita, como o pretenderam Clemente de Alexandria e Teodoreto, ou, simplesmente, uma opinião muito difundida, sobretudo entre os gnósticos, como afirmaram Epifânio e Filástrio.

            Os docetas reconheciam na pessoa do Cristo apenas a natureza divina, não negando, contudo, a realidade de seu corpo, que consideravam aparente, aéreo, como um «fantasma», e, por esse corpo, explicavam os fatos da encarnação e morte do Filho do homem.

            Inteligência de primeira ordem, de pureza perfeita - refletiam eles -, o Cristo não podia diminuir-se e tomar um envoltório de matéria corrompida, opinião esta generalizada em todas as doutrinas gnósticas. O termo Gnosticismo não tem uma definição específica; foi mais um nome coletivo que abrangeu as mais variadas seitas e ideias que floresceram pelo menos até ao século V da era cristã, estando em contradição, sob vários pontos, com as reflexões católicas.

            É justo anotar que do Gnosticismo saíram os primeiros exegetas cristãos, com a finalidade de tornar mais claro ao povo o sentido obscuro das Escrituras.

            No sentir dos gnósticos, Jesus veio somente para salvar os homens, ou seja, para os instruir e esclarecer; ao desempenho desse fim, eram-lhe suficientes as aparências da natureza humana. Para salvar os homens - expunham os gnósticos - tornava-se apenas necessário a sua instrução, visto que a corrupção e o apego dos homens à Terra provinham da ignorância em que se achavam acerca da sua própria grandeza, dignidade e destino.

            Desde que as almas das criaturas estavam ligadas, aprisionadas aos órgãos corporais, somente por mediação dos sentidos se lhes podia esclarecer o espírito. Por isso, Jesus teve necessidade de tomar as aparências de um corpo, assemelhando-se aos homens, para com eles conversar, esclarecendo-os e instruindo-os; ele, porém, observavam os gnósticos, não estava unido a esse corpo “fantástico”, como se acha unida a nossa alma ao corpo humano, pois semelhante união, além de desnecessária na instrução aos homens, teria degradado o Salvador. Em vista disso, inferiam que a obra da redenção, trazida pelo Mestre à Terra, ligava-se unicamente a um ministério de instrução. Podemos observar, nesses ensinos, reflexos doutrinários atualmente incluídos no Espiritismo.

            Santo Atanásio, ilustre doutor da Igreja grega, no seu tratado da “Encarnação do Verbo”, apesar de a ortodoxia não levar em consideração, sem motivo plausível, o seu pensamento, ensina que, em Jesus, não houve duas naturezas diferentes, conforme ficou firmado, mais tarde, nos Concílios de Éfeso (431), de Calcedônia (451) e de Constantinopla (680), e, sim, a única natureza divina encarnada; em outros termos: que a natureza humana não foi senão um instrumento para o Logos (Verbo). Assim professava a Escola de Alexandria, que fazia desaparecer, por conseguinte, na natureza divina a natureza humana, reduzida esta, desse modo, a uma simples aparência ou a uma matéria inerte. Em suma, tal Escola tinha a ideia dominante, de tendência platônica, de que do Deus Supremo havia saído uma inteligência perfeita, denominada Verbo, ou Espírito, e que a sua elevada condição tornava-lhe impossível unir-se à matéria ou revestir-se da natureza humana. Veem-se também traços de Docetismo até na grande ortodoxia dogmática de S. João Damasceno.

            A “heresia” em questão foi bem recebida pelos espíritos mais cultos e filosóficos, e uma das provas disso é a “Epístola de Santo Inácio aos Esmirneanos”, no século I, na qual, referindo-se aos docetas, o bispo de Antióquia, condenando-a, diz: “os poderes celestes, os anjos, os príncipes, sejam visíveis, sejam invisíveis, não permanecerão sem punição, se não crerem no sangue de Jesus Cristo. Ninguém deve orgulhar-se de sua posição ou do posto que ocupa.”

            Uma interpolação em tais cartas, talvez feita pelo próprio autor, traz, na passagem acima citada, a paráfrase seguinte, ainda mais frisante: “Quer seja este um rei ou um sacrificante, quer príncipe ou particular, senhor ou escravo, é em vão que ele se apoiará em sua classe, na sua dignidade ou nas suas riquezas.”

            Tais revelações trouxeram aos estudiosos a conclusão de que muitos dos docetas ocupavam altos postos na Igreja e no Governo.

Zêus Wantuil

Apêndice sob título ‘Docetismo’
 in “Elos Doutrinários” (FEB)  3ª Ed 1978



[1] Depois de composto este trabalho, tivemos a ventura de tomar parte numa reunião intima com o médium Francisco Cândido Xavier, em Pedro Leopoldo, no dia 30 de outubro de 1948. O médium descreveu-nos a presença de um Espírito muito luminoso, de elevada esfera, que lhe deu o nome de Júlio Cassíano, e manifestou sua aprovação pelas atividades de nosso jovem confrade Zêus Wantuil, de quem disse ter sido instrutor no século segundo. Por lamentável falta de memória, nenhum de nós, no momento, se recordou do nome de Júlio Cassiano, que, nessa ocasião, já estava escrito e composto para o "Reformador". - I. G. B.


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