01/03 Docetismo
Os Dicionários e Enciclopédias assim
definem o Docetismo: doutrina herética dos primeiros séculos do Cristianismo,
variante do Gnosticismo, e que consistia em ensinar a não realidade carnal do
corpo de Jesus, não aceitando, por conseguinte, seu nascimento, sofrimento,
morte e ressurreição, senão em aparência. Alguns estudiosos pensam ter sido
Júlio Cassiano[1] o autor
dessas ideias; contudo, isso não se pode provar, por falta de dados positivos.
Os seguidores dessa doutrina denominavam-se docetas ou docetes (do grego
dókesis - aparência), e professavam o mais puro monoteísmo.
Parece ter sido a primeira «heresia»
cristã conhecida, pois S. Jerônimo, o autor da Vulgata, diz que "o sangue do
Cristo estava ainda fresco na Judéia, quando o seu corpo foi considerado como
tendo sido um fantasma".
O nome Docetismo aparece citado,
pela primeira vez, no século II, conforme os documentos que se conservaram, num
manuscrito do bispo de Antioquia, Serapião, embora seja a doutrina anterior a
essa época, conforme tudo parece confirmar. Até hoje é ignorado se o Docetismo
designava uma seita, como o pretenderam Clemente de Alexandria e Teodoreto, ou,
simplesmente, uma opinião muito difundida, sobretudo entre os gnósticos, como
afirmaram Epifânio e Filástrio.
Os docetas reconheciam na pessoa do
Cristo apenas a natureza divina, não negando, contudo, a realidade de seu
corpo, que consideravam aparente, aéreo, como um «fantasma», e, por esse corpo,
explicavam os fatos da encarnação e morte do Filho do homem.
Inteligência de primeira ordem, de
pureza perfeita - refletiam eles -, o Cristo não podia diminuir-se e tomar um
envoltório de matéria corrompida, opinião esta generalizada em todas as
doutrinas gnósticas. O termo Gnosticismo não tem uma definição específica; foi
mais um nome coletivo que abrangeu as mais variadas seitas e ideias que floresceram pelo
menos até ao século V da era cristã, estando em contradição, sob vários pontos,
com as reflexões católicas.
É justo anotar que do Gnosticismo
saíram os primeiros exegetas cristãos, com a finalidade de tornar mais claro ao
povo o sentido obscuro das Escrituras.
No sentir dos gnósticos, Jesus veio
somente para salvar os homens, ou seja, para os instruir e esclarecer; ao
desempenho desse fim, eram-lhe suficientes as aparências da natureza humana.
Para salvar os homens - expunham os gnósticos - tornava-se apenas necessário a
sua instrução, visto que a corrupção e o apego dos
homens à Terra provinham da ignorância em que se achavam acerca da sua própria
grandeza, dignidade e destino.
Desde que as almas das criaturas
estavam ligadas, aprisionadas aos órgãos corporais, somente por mediação dos
sentidos se lhes podia esclarecer o espírito. Por isso, Jesus teve necessidade
de tomar as aparências
de um corpo, assemelhando-se aos homens, para com eles conversar,
esclarecendo-os e instruindo-os; ele, porém, observavam os gnósticos, não
estava unido a esse corpo “fantástico”, como se acha unida
a nossa alma ao corpo humano, pois semelhante união, além de desnecessária na
instrução aos homens, teria degradado o Salvador. Em vista disso, inferiam que
a obra da redenção, trazida pelo Mestre à Terra, ligava-se unicamente a um
ministério de instrução. Podemos observar, nesses ensinos, reflexos doutrinários
atualmente incluídos no Espiritismo.
Santo Atanásio, ilustre doutor da
Igreja grega, no seu tratado da “Encarnação do Verbo”, apesar de a ortodoxia
não levar em consideração, sem motivo plausível, o seu pensamento, ensina que,
em Jesus, não houve duas
naturezas diferentes, conforme ficou firmado, mais tarde, nos Concílios de
Éfeso (431), de Calcedônia (451) e de Constantinopla (680), e, sim, a única
natureza divina encarnada; em outros termos: que a natureza humana não foi
senão um instrumento para o Logos (Verbo). Assim professava a Escola de
Alexandria, que fazia desaparecer, por conseguinte, na natureza divina a
natureza humana, reduzida esta, desse modo, a uma simples aparência ou a uma
matéria inerte. Em suma, tal Escola tinha a ideia dominante, de tendência platônica,
de que do Deus Supremo havia saído uma inteligência perfeita, denominada Verbo,
ou Espírito, e que a sua elevada condição tornava-lhe impossível unir-se à
matéria ou revestir-se da natureza humana. Veem-se também traços de Docetismo
até na grande ortodoxia dogmática de S. João Damasceno.
A “heresia” em questão foi bem
recebida pelos espíritos mais cultos e filosóficos, e uma das provas disso é a “Epístola
de Santo Inácio aos Esmirneanos”, no século I, na qual, referindo-se aos
docetas, o bispo de Antióquia, condenando-a, diz: “os poderes celestes, os
anjos, os príncipes, sejam visíveis, sejam invisíveis, não permanecerão sem
punição, se não crerem no sangue de Jesus Cristo. Ninguém deve orgulhar-se de
sua posição ou do posto que ocupa.”
Uma interpolação em tais cartas,
talvez feita pelo próprio autor, traz, na passagem acima citada, a paráfrase
seguinte, ainda mais frisante: “Quer seja este um rei ou um sacrificante, quer
príncipe ou particular, senhor ou escravo, é em vão que ele se apoiará em sua
classe, na sua dignidade ou nas suas riquezas.”
Tais revelações trouxeram aos
estudiosos a conclusão de que muitos dos docetas ocupavam altos postos na
Igreja e no Governo.
Zêus
Wantuil
Apêndice sob título ‘Docetismo’
in
“Elos Doutrinários” (FEB) 3ª Ed 1978
[1] Depois
de composto este trabalho, tivemos a ventura de tomar parte numa reunião intima
com o médium Francisco Cândido Xavier, em Pedro Leopoldo, no dia 30 de outubro
de 1948. O médium descreveu-nos a presença de um Espírito muito luminoso, de
elevada esfera, que lhe deu o nome de Júlio Cassíano, e manifestou sua
aprovação pelas atividades de nosso jovem confrade Zêus Wantuil, de quem disse
ter sido instrutor no século segundo. Por lamentável falta de memória, nenhum
de nós, no momento, se recordou do nome de Júlio Cassiano, que, nessa ocasião,
já estava escrito e composto para o "Reformador". - I. G. B.
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