‘Conceitos
às Avessas’
por Alberto
Nogueira da Gama
Reformador (FEB) Junho 1970
Isto
que vamos escrever, retificando, certamente Você nunca disse nem jamais dirá,
mas admitimos já tenha ouvido alguém dizer.
Como
se trata de coisas que, de modo truncado, se entendem com o Espiritismo, talvez
valha a pena entendermos o Espiritismo com relação a elas, em sentido trocado e
contrário, mas certo, assim mesmo às
avessas.
Veremos,
então, que, por vezes, os extremos se tocam.
*
“-
Meu santo é forte.”
-
Certo, concordo. Um Espírito bondoso é sempre forte. Graças a ele, Você se vê
livre de perigos ou se sai bem de situações difíceis. Todos os “santos”, caro
amigo, são “fortes”, porque se trata precisamente de Espíritos Guias e
Protetores, que nos assistem e amparam, nos orientam e defendem. Realmente, seu
santo é forte.
*
-
“Nossos santos não combinam.” “Meu santo não vai com o dele, de jeito nenhum.”
-
Errado, não concordo. Os ”santos” sempre se combinam. Você é que não combina
com o seu, porque não quer combinar com o próximo, com Beltrano ou Sicrano que
o magoou. Experimente perdoar para ver se a combinação não é completa, entre
Vocês dois e os seus respectivos santos. Eles não podem é empurrar um para o
outro, mas nunca deixarão de se alegrar com as pazes que se fizerem
reciprocamente, com toda a sinceridade.
*
-
“Eu tenho o corpo fechado.” “Meu corpo é fechado: nada me pega.””
-
Acredito que Você possa de fato ter o corpo fechado, não pelas tatuagens que
ele apresenta ou pelos pontos que cantou ou pelos despachos que fez ou pelo
patuá que carrega ao pescoço com a “oração” que aprendeu e se acha bem dobradinha
dentro dele.
Se
o Amigo tiver a mente pura e o coração limpo, isto é, se estiverem os dois sem
maldade, seu perispírito, note bem: perispírito (seu invólucro fluídico) e não
corpo (sua armação de carne) será inacessível às influências más, o mal não
repercutirá em suas fibras, ninguém o prejudicará, porque Você próprio não se
prejudica. Pensando, sentindo e fazendo o melhor, receberemos também o melhor.
Seu Corpo perispiritual é fechado, sim, mas só assim desta maneira -- por
sintonizar numa faixa vibratória elevada, torna-se ele inacessível às impurezas
do meio ambiente, ao qual ajuda a purificar com as suas influências benéficas.
*
-
“Seu Espiritismo é de mesa, o meu é de terreiro.”
-
Eu não tenho um espiritismo meu, antes desejo ter o Espiritismo em mim ou
comigo. A Doutrina Espírita não é propriedade de ninguém, embora todos possam
possuí-Ia na intimidade de suas almas. Feita
esta ressalva, devo dizer que não sei em que sentido o amigo se expressa, mas
entendo que o Espiritismo pode ser de mesa. Este é o principal móvel de uma
casa, onde habitualmente os familiares fazem as suas refeições, ou seja, se
alimentam. Ora, os ensinamentos desta maravilhosa Doutrina são verdadeiros
alimentos para as nossas almas. Daí, em todos os Centros bem organizados haver
mesas com obras da Codificação Kardequiana para estudos, que são lidas e
comentadas normalmente duas vezes por semana. Quero dizer: é posta a mesa para
alimentação de todos os presentes. Mas entendo também que o Espiritismo pode
ser não só de mesa, como igualmente de terreiro, de planície, de colinas e
montanhas, de campos e vales, de terra, mar e ar, porque ele está em tudo e em
toda a parte, como nós podemos estar com ele a qualquer hora do dia e da noite
onde quer que nos encontremos.
*
-
“Eu sei que o amigo não gosta destas coisas, porque pertence à linha branca.”
-
Na realidade, eu pertenço, aliás, nós pertencemos - eu, Você e todo mundo -- à
linha dos encarnados e dos desencarnados. Se ela, por vezes, apresenta cor, nem
sempre será uma só para todos os casos. Vê-la-emos parda, cinzenta, amarela,
vermelha, preta e azul, de acordo com a natureza dos sentimentos de que estivermos
animados uns para com os outros, quer no mundo corpóreo, quer no incorpóreo. A
nosso ver, não há linhas de cores no Espiritismo e sim cores de linhas nos
espíritas, conforme se conduzam de uma maneira ou de outra, espelhando na sua
aura colorações que atraem entidades desencarnadas afins com elas. Neste
sentido, podemos dizer que seguimos uma linha dentro da Doutrina Espírita
(linha reta e justa), quando não perdemos a linha dentro dele, que poderá ter,
então, qualquer outra cor, menos a branca e a azul que denotariam em nós a
presença de paz e serenidade. Questão de interpretação, meu caro, pura questão
de interpretação.
Realmente,
eu não gosto do que Você gosta, mas reconheço-lhe o direito de não gostar do
que eu gosto. No entanto, não tenhamos dúvida de que chegaremos, um dia, nós
ambos, à destinação áurea e gloriosa que nos aguarda nas altiplanuras da
Espiritualidade, mesmo pensando e agindo hoje de maneira diferente.
*
-
“Quem é do científico ou do Kardecismo não aceita estas coisas.”
-
Eu não sou do científico nem do Kardecismo, como o amigo admite. O Espiritismo
não é nem isto, nem aquilo, nem uma coisa nem outra. Ele é um todo indivisível,
sem nome de personalidade humana, ainda que se trate da respeitabilíssima
pessoa do seu Codificador. Não sou do
científico, porque sou também do filosófico e do religioso, três aspectos que
igual e inseparavelmente o Espiritismo encerra em si. Por isso, sou
simplesmente espírita, pertenço única e exclusivamente ao Espiritismo, sem
qualquer outro “ismo” senão o dele mesmo, embora seja dos que admitem que o
conhecimento da Doutrina pede necessariamente o estudo criterioso e metódico da
Codificação Kardequiana.
Digamos
apenas: Espiritismo, espírita, espiritista, com exclusão das palavras
Kardecismo e kardecista.
De
fato, o aspecto científico identifica o caráter racional e lógico do
Espiritismo; o filosófico demonstra e comprova tudo; mas, só o cunho moral,
religioso ou evangélico classifica e qualifica o profitente na sua real
condição de adepto da Nova Revelação.
Eu
não aceito as coisas que Você pensa, diz e faz, porque as situo em outro ângulo
de convicções, mas não me permito constrangê-lo a aceitar as minhas. Continue
lá, que eu continuo cá. Aqui ou aí, trabalhamos alimentando a esperança de que,
separados, hoje, por injunção das circunstâncias, estaremos juntos, amanhã, por
determinismo divino.
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