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A Escolha
das
Provações
A Escolha
das provações segundo os Fatos e a Lição dos Espíritos
por Almerindo Martins de Castro
in ‘Reformador’ (FEB) Abril-Maio- Junho 1970
No tempo em que os livros escolares
destinados à infância eram cheios de bons ensinamentos e conselhos instrutivos,
li uma lição onde se contava que experiente e velha mosca, necessitando
ausentar-se de casa, chamou a filhinha, ingênua e tenra, e assim lhe falou: “Minha
filha, até que eu volte, não te afastes daqui;
poderias correr graves perigos, sem que tivesses quem te acudisse. Sê obediente
a esta ordem, minha filha, porque os conselhos das mães nos poupam de muitos
sofrimentos e fatais enganos.
Mas, tão logo a precavida mosca se
ausentou, a mosquinha começou a rir-se, dizendo: “Meu Deus, quão rabugentas são
as velhas e quanto gostam as mães de privar os filhos dos divertimentos e
passeios! Ora, perigos! Então eu não sei voar? Sou alguma tola, que se deixa
colher por qualquer?”
E começou a voar. Como era
esplêndido! Quantas coisas novas e belas!
E foi voando, e foi voando, até
chegar a um grande pátio, onde julgou ver linda nuvem, muito branca, movendo-se
para o alto e sumindo-se em seguida. E pensou: Oh! uma nuvem, e eu que tinha
tanta vontade de vê-Ias! E a rabugenta da mamãe, enganando-me, a dizer que as
nuvens estão no céu e as moscas não podem subir tão alto para contemplá-Ias
melhor! ... Ah! velhas rabugentas! ...
E voou mais rápido, para chegar
depressa. Mas, não era nuvem, ou, antes, era uma nuvem de vapor, desprendendo-se
de um tacho com água a ferver. E a mosquinha, que não conhecia o perigo e dele
não aprendera ainda a defender-se, viu-se envolvida pelo vapor fervente,
sufocada e desaparecida na voragem da morte.
No derradeiro instante, reconhecendo
o erro, seu pensamento correu célere em busca da mãe querida, à
qual quisera então dizer: Oh! minha mãezinha, perdoa à tua ingrata e louca
filha a dor que te causa. Insensata, porque não ouvi, porque desprezei os teus
conselhos, mãe?
Assim são aqueles que fecham os
ouvidos aos ensinamentos do Evangelho. À semelhança do carinho materno, a
Doutrina Espírita mostra aos orgulhosos e inexperientes entes humanos os
perigos da existência que não se norteia pelo espírito e verdade das leis de
Deus, apontando o da nuvem traiçoeira e mortífera, vapor que
sufoca e queima e mata; apresentado os fatos espíritas de todos os dias, aos
olhos da Humanidade inteira; indicando que é tempo de tomarmos os novos rumos
que nos são traçados pelos Espíritos amigos, e de fugirmos aos inevitáveis
sofrimentos que aguardam os incautos gozadores, insensíveis à palavra e às
lições que nos vêm
do Alto.
Mas, à semelhança da vaidosa
moscazinha, nós nos rimos ou duvidamos da verdade dos conselhos salvadores e,
supondo-nos abarrotados de poderes que não temos, vamos voando cegamente ao
encontro da morte. Somente depois que o Espírito se desprende da carne, a nossa
visão se aclara e se volta, cheia de pena e remorso,
para as verdadeiras realidades da vida espiritual, e para aqui nos volvemos
suplicando por uma prece que nos atenue os sofrimentos no Espaço e nos permita
obter mais rapidamente o resgate das nossas culpas.
Cegos, três vezes cegos, que não nos
convencemos, apesar das lições de todos os dias, de quanto é caro o preço pelo
qual compramos os prazeres efêmeros da vaidade, do orgulho, da inveja, das
vinganças, das iras castigadoras, da indiferença pelos males e agruras do nosso
próximo, desse próximo que o Cristo mandou amássemos
com o socorro da nossa caridade, do nosso pão, da nossa palavra amiga.
Foi também num desses livros para a
infância, que hoje não se escrevem mais, em nossa triste época, que li uma
filosófica comparação de Benjamim Franklin.
Tinha o grande homem menos de dois
lustros de idade quando, transitando pela rua, encontrou certo rapaz soprando
num assobio. Encantado com aquele insignificante canudinho que produzia sons,
aos seus ouvidos - inexcedíveis em beleza e harmonia - ele, que nunca tivera um
assobio, ficou maravilhado e desejoso de possuir
o mirífico instrumento. Correu a casa e, pegando em todo o dinheiro que
possuía, dádiva dos pais e padrinhos, comprou ao anônimo o assobio, voltando
radiante, mais contente decerto do que o rapazinho que recebera talvez o
víntuplo do valor do tal canudinho sonoro.
Porém, que desilusão, quando mostrou
e disse aos pais a compra que realizara! Fizeram-no compreender o absurdo
exagero do preço e quantos outros lindos brinquedos, flautinhas e assobios
podia ter adquirido com o dinheiro que entregara afoitamente! ...
Daí em diante, por toda a sua vida
de homem, sempre que encontrava uma vítima das enganosas aparências do mundo,
um vencido pelos esbanjamentos, pelos vícios, pelas imprudências, pelas falsas
galas que duram pouco e tanto custam - nada valendo, Benjamim Franklin dizia a
si próprio, lembrando a inesquecível lição que recebera: Pobre irmão, pagaste
bem caro o teu assobio!
Assim somos, quando vamos
descuidados pelos caminhos da vida.
O primeiro prazer falaz, tosco e
insignificante assobio, nos empolga e delícia e por ele entregamos todos os
dinheiros, todos os tesouros recebidos de nossos pais, dos mestres, dos Guias.
E só depois que a nossa desiludida sofreguidão compreende quantas coisas belas
trocamos por uma que não valia nada, é que nos voltamos, chorosos e
arrependidos, pedindo o remédio, às vezes impossível de encontrar, porque há
coisas que, perdidas uma vez, não se podem readquirir nesta vida.
À flor emurchecida podemos restituir
o perfume artificial das essências fabricadas nos laboratórios; mas, o viço, a
fragrância, a frescura da pétala, a aveludada cútis que a seiva do tronco
empresta à flor, isso não se restitui, porque a vida em tudo vem de Deus e a
Deus pertence dar, ou suprimir ...
Talvez porque o Espiritismo não se
propõe a fazer desses milagres, é que muita gente não o aceita. Exigem, por
exemplo, que transforme - num dia - o bandido em santo, ou então querem
maravilhas, pompas, palavras tétricas, castigos horríveis, poços de enxofre
fervente, cadáveres que não se decomponham e a cujo
contato desapareçam mazelas e feridas, loucuras e paralisias, verrugas e
capenguices.
O Espiritismo não faz milagres. A
sua doutrina é o Evangelho, em espírito e verdade. Ser espírita é cumprir os
dez mandamentos da lei de Deus; é seguir o Cristo pelos caminhos que traçou com
as palavras do sermão da montanha; é ser humilde e bom, mansueto e caritativo,
resignado na fé e ardoroso no trabalho, sincero,
leal, amigo da família, tolerante com os erros alheios, meigo na palavra,
honesto nas ações.
Ser espírita é abominar os vícios e
amar as virtudes.
Sem condenar as crenças de ninguém,
o Espiritismo afirma e quer demonstrar que o único caminho para Deus é o
Evangelho. Fora do Evangelho, não há verdade, não há salvação.
Na terra, não há deuses que salvem,
não há santos, não há milagres.
Deus é um só e está nas Alturas;
santos são aqueles que cumprem a lei do Senhor; milagres são as manifestações
dos Espíritos, revelando-nos a outra vida ao termo da qual está a luz
inextinguível, iluminando as derradeiras moradas do Pai.
Aí estão as comunicações dos
Espíritos. Eles nos dizem que, chegando ao Espaço e descortinando a verdade,
medindo toda a extensão dos erros cometidos, o Espírito volta para resgatar -
por vontade própria - os seus crimes e sofrer a depuração dos maus fluidos que lhe
escurecem a alva pureza de que necessita, para
remigiar mais alto e fruir as delícias dos outros mundos, onde se é mais
perfeito, mais esclarecido e se está, por assim dizer, junto de Deus.
Os que ainda não começaram esse
trabalho de aperfeiçoamento, ou que ainda se acham mergulhados nas trevas da
perturbação que se segue à desencarnação, quando o Espírito se liberta do corpo
material - esses aqui vêm mostrar-nos, chorando ou blasfemando, a realidade da
sobrevivência da alma, tranquila ou sofredora, conforme viveu, bem ou mal,
dentro ou fora das leis divinas.
Essa a principal razão dos fatos
espíritas.
As manifestações dos Espíritos não
são espetáculos de proscênio, para que nos regalemos com acontecimentos
sensacionais; não são exibições de prestidigitação, para provocar aplausos. São
avisos para que cuidemos da nossa alma e nos façamos dignos das bênçãos de
Deus, porque Deus nos deixa a escolha dos caminhos para chegarmos até Ele. Se
os erramos, teremos de reconhecer o engano, ao chegarmos ao fim da enganosa
estrada, e de recomeçar a viagem, sofrendo as fadigas do percurso, até
trilharmos o chão bendito.
Esta a verdade. Veja quem puder;
acredite quem quiser.
O Espiritismo diz apenas: Homem que
vives engolfado nas coisas materiais, sem reparar que tens uma alma imortal,
lembra-te de que és o operário da tua ventura ou da tua desgraça. Lembra-te de
que, se fazes o mal a outrem, sofrerás na Terra a consequência desse mal:
atenta, pois, em que, se encheres à tua consciência - que é o arquivo do
Espírito - de iniquidades, sofrerás na outra vida as consequências dessas
iniquidades.
Porque duvidar? Porque tomar como
fábulas, alucinações, truques, mentiras, os fatos abundantes, comprovados hoje
até pelas placas das máquinas fotográficas?
O Espiritismo não tem a prova
material de alguns casos, é certo; mas, possui a palavra dos Espíritos,
concordantes com as leis esboçadas em todos os ensinamentos dados
posteriormente à vinda de Jesus-Cristo.
Porque duvidar, por exemplo, de que
Maria Antonieta, a rainha esposa de Luís XVI, de França, seja uma reencarnação
de Salomé, a quem Herodes presenteou a cabeça decepada de João Batista?
Quando a guilhotina da Revolução
Francesa cortou a vida da rainha, não se estava cumprindo a lei de “quem com
ferro fere, com ferro será ferido”?
Não é perfeitamente lógico que a
provação escolhida corresponde ao sofrimento humilhante, que é rolar de um
trono para a ignomínia do cadafalso?
E porque duvidar também de que essa
mesma culpada, Maria Antonieta, é a meiga senhorita Smith, que o Dr. Flournoy,
professor da Universidade de Genebra, estudou num livro e que a Sociedade
Espírita Suíça aceita como sendo essa reencarnação?
Não está de acordo com a lição dos
Espíritos que as orgulhosas rainhas e princesas podem voltar à Terra, a fim de
serem um dia burguesinhas encantadoras e amoráveis, para enlevo dos pais e
consolo dos aflitos, a quem fizeram sofrer, e mais tarde socorrem com
verdadeira e evangélica piedade?
Não temos a lição, aqui mesmo, no
Brasil, em Belém do Pará, da grande, da extraordinária médium Ana Prado, que
morreu queimada, reencarnação de famoso inquisidor, que veio expiar
corajosamente, abnegadamente sofrer esse terrível gênero de morte, que outrora
fizera experimentar aos infelizes que, com o estigma de hereges, caíram nas
garras do Tribunal da Santa Inquisição?
Quem não sabe e não recorda o
conhecido caso do menino indiano, de azulados olhos e loiro cabelo, totalmente
diferente dos pais morenos, que, aos quatro anos de idade, disse ser a
reencarnação do major inglês D. J. Welsh, que perecera afogado em março de 1904
e cuja vida anterior e moradia descreveu, apesar de nunca ter visto o local
onde existira e morrera aquele oficial, na reencarnação precedente?
Os fatos são muitos, tantos que se
tornaram banais, tão banais que os homens já se acostumaram e não os aproveitam
nos profundos e admiráveis ensinos que encerram.
Hoje, vemos criaturas
extraordinárias, que nos merecem apenas uma complacente homenagem. Se tivessem
vivido assim em outras épocas, seriam outros tantos santinhos, de que vou
falar, iguais aos que certas ingênuas pessoas adoram, às vezes sem saber mesmo
quem foi em vida aquele homem ou aquela mulher, impingidos como ouro de fino
quilate nas virtudes e no progresso espiritual. Muitas vezes, vencidos pela
bondade e abnegação de alguém, dizemos: “Aquela criatura é uma santa!” Profunda
verdade, que não sabemos aproveitar, seguindo o exemplo de tal criatura,
superior, não raro, a muito santo de 4ª ordem, diante do qual nos vamos
ajoelhar ...
Porque é preciso não esquecer que
todos temos conhecido, em nosso trato quotidiano, algumas figuras humanas que
nunca possuíram um vício, sempre praticaram a caridade, sofreram resignadas,
tiveram e seguiram a verdadeira fé, foram, em suma, legítimas santas, e não
mereceram senão meia dúzia de palavras de elogio,
enquanto o esquecimento não veio apagar a sua da nossa memória. Outras, cujo
verdadeiro nome nem ao certo sabemos qual foi, vivem diante dos nossos olhos,
cheias de mimos, velas e rezinhas, quando, em verdade, feita uma justa
comparação, rigorosa, não merecem a centésima parte de um pequeníssimo encômio,
pois convém não esquecer que muitos dos chamados santos que estão nos altares
das igrejas, antes de principiarem a esmurrar os peitos contritos e a derreter
as banhas fartas, foram feiticeiros, bêbedos, jogadores, assassinos e ladrões.
Há, em verdade, entre os chamados santos, muitas e luminosas figuras projetando
luz para o futuro, mostrando, em toda a plenitude, a verdade da lei da
reencarnação e o valor das provações, quando o Espírito é bem assistido e não
fracassa na luta do corpo material, reagindo contra os terríveis padeceres que
o EU espiritual escolheu para seu progresso, para sua evolução.
Existiram essas figuras luminosas;
mas não foram santas.
O Espiritismo as explica na
simplicidade das provações, dentro da lei da reencarnação, do progresso
espiritual.
Só assim podem ser compreendidas
essas personagens. De outro modo, pareceriam loucos, pois sofrer, por livre e
espontâneo alvedrio, sem uma causa, sem um motivo, sem uma razão, seria admitir
que as provações terrenas são quase um esporte para alguns que as querem
passar, bastando, para outros que não estejam dispostos a tomar tanto trabalho,
agarrar-se a uma religião e comprar através dela a salvação, com rezas de
encomenda, cerimônias, etc. Além disso, só a vontade deliberada, trazida do
Alto, pode explicar a fortaleza de ânimo para suportar os rudes golpes de
certas amarguras, pois não há dentro da contingência humana
poder de vontade que nos faça sofrer - por simples engano - sem uma razão
espiritual, certas injustiças e agruras morais terríveis, que poderíamos
evitar, pronunciando apenas o nome do verdadeiro culpado, ou dizendo quem
somos.
Porque então sofrem certas criaturas
os maiores tormentos, resignadas, sem uma queixa, quase alegres e felizes,
dando graças ao Senhor por tantos martírios e tantas desventuras?
É que aquela foi a provação
escolhida. E quando a criatura se faz digna da ajuda de um bom Guia, não lhe
faltam forças para vencer; se assim não for, fracassará, como se vê, a cada
passo, em todos os aspectos da vida.
Eis alguns exemplos tirados dos
livros da Igreja católica apostólica romana, referentes a criaturas chamadas
santas.
Que as pessoas de boa fé examinem a
interpretação que lhes dá o Espiritismo e vejam, à luz de um raciocínio
desapaixonado, sincero, como devem ser encarados os fatos, as causas, as
consequências. Me ditem e vejam se foram santos ou Espíritos em provação.
Santa Rosa de Lima, assim chamada
por ser peruana, isto é, nascida em Lima, capital da República do Peru, veio ao
mundo em 1586, tendo por pai Gaspar Flores. Seu nome de batismo foi Isabel;
porém, devido ao encantador aspecto das faces, lembrando rosas, Rosa passou a
ser chamada.
Desde muito cedo, revelou a jovem o
feitio do seu Espírito, voltado para as coisas de Deus, alheia às vaidades e
aos aspectos fúteis da existência.
À proporção que aumentava a sua
peregrina beleza, mais lhe cresciam também a aversão às mundanices e o desejo
de destruir em si própria os motivos de fracassar nas provações que escolhera.
Assim, toda vez que necessitava sair à rua, esfregava o rosto com as folhas da
pimenteira e não raro com a mesma pimenta, de modo que a intumescência
corrosiva lhe desfigurasse a formosura. Era simples, piedosa e boa, sofrendo
resignada maus tratos dos pais, que desejavam casá-Ia à viva força.
Não havendo, naquela época, para
onde voltar-se espiritualmente, dentro em breve foi encerrar-se no convento de
São Domingos, em 1606, com bastante mágoa de seus pais, que, tendo ficado
pobres, viam na beleza da filha o seu tesouro e sempre sonharam vê-Ia casada,
rica e feliz, naquele lar onde mesmo solteira prestava
valioso auxílio, cultivando a terra e cosendo, para ajudá-los.
Mas a futura Santa Rosa assim não
entendeu, principalmente porque Espíritos atrasados, talvez inimigos e vítimas
dela em outras encarnações, a perseguiam tenazmente, fazendo-a sustentar lutas
terríveis para não fracassar, principalmente quando os pais a castigavam por
motivo de recusa ao casamento.
Ingressando na vida estéril do
convento, Rosa pouco ou quase nada pôde fazer em favor do próximo; mas, expiou
bem duramente as culpas de outras vidas, pois o rigor dos sofrimentos que se
impunha era de tal ordem, que misturava fel na comida.
Aos trinta anos de idade, voltou ao
Espaço.
Quem teria sido, anteriormente,
Isabel Flores, a Santa Rosa de Lima? Alguma jovem doidivana, causadora de males
e crimes? Uma daquelas malvadas abadessas que mandavam envenenar ou esconder
nos cárceres
dos conventos as freiras que lhes faziam inveja, ou recusavam sujeitar-se aos
agrados dos confessores privilegiados?
Não sabemos dizê-Io . Que Deus a
tenha conduzido já para a verdadeira mansão de onde nos possa auxiliar para
nossa instrução e aperfeiçoamento. E; se ainda não terminou o resgate da
dívida, que Deus a ajude a satisfazer a lei inexorável. Porque a lei é essa.
Disse o Cristo que da prisão não sairíamos sem haver pago até o
último ceitil (Mat. V, 26).
Corremos muitas vezes o risco de
ficar devendo milhares de ceitis, porque Espíritos atrasados e cegos (quiçá
inimigos adquiridos em outras encarnações) tentam perturbar-nos, ou se aproveitam
das oportunidades para nos causar males e retardar o nosso progresso
espiritual.
Na vida de Santo Antonino, arcebispo
italiano, nascido em 1389, fundador da ”Congregação dos Homens Bons”, que
parece ainda existir em Florença, há um caso típico.
Antonino era médium vidente e
audiente. Certa vez, quando ia para a sua catedral, em dia de festa solene,
enxergou, sobre o teto de uma pequena casinha da rua de Santo Ambrósio, vários
Espíritos de Luz. Diante de tão estranho contraste, entrou para ver quem vivia
ali, capaz de atrair tais Espíritos. Deparou com uma pobre
viúva, rodeada por três filhas, mal vestidas, descalças, que trabalhavam por
necessidade, para fora, até nos dias de festa. Mais admirado ficou, verificando
que mãe e filhas eram virtuosas, cheias de verdadeira fé, resignadas, quase
contentes com a vida que tinham. Por isso, depois de exortá-Ias a prosseguirem
no bom caminho que trilhavam, auxiliou-as com bastante dinheiro, a fim de que
não mais sofressem tão duras necessidades.
Porém, qual não foi o espanto de
Santo Antonino quando, ao passar, tempos depois, pela casinha da viúva,
divisou, não mais os Espíritos de Luz da visão anterior, mas Espíritos da
Treva, verdadeiros obsessores. Penetrou no predíozinho. A transformação era
completa. As jovens, outrora esfarrapadas e descalças, estavam garridamente
cobertas de enfeites e falavam, não mais a linguagem humilde e harmoniosa da
fé, mas a dos louvores aos divertimentos e folganças.
Ante a perplexidade de Antonino, o
seu Guia lhe deu a intuição de que não devemos SUPRIMIR as provações de
ninguém, e sim apenas atenuá-Ias, tornando-as mais suaves, e ajudar as
criaturas a vencê-Ias. Mas, Antonino, sem compreender toda a extensão da lei
que rege as vidas sucessivas, ficou perplexo ainda, buscando
atingir a incógnita daquele complexo problema.
Servindo-se da sua faculdade de
médium audiente, rogou ao Espírito protetor que lhe ensinasse a melhor perceber
a lição recebida. E o Guia lhe revelou que, no caminho do aperfeiçoamento,
vários são os meios de atingi-lo. Fê-lo saber que, ali mesmo, naquela cidade,
havia um humilde operário ao qual estava reservada tanta glória no Espaço,
quanto a ele, arcebispo, que procurava, por outros processos, servir também a
Deus.
E Santo Antonino procurou conhecer o
operário.
Era um remendão, alfaiate de
escassos recursos, pois, inábil na sua arte, não auferia dela senão parcos
proventos. Mesmo assim, reservava para si apenas o estritamente indispensável à
alimentação e à vestimenta, que era sempre dos mais grosseiros tecidos e do
mais módico preço. O resto distribuía-o em esmolas com os mais pobres. Quando
não tinha trabalho, ia para um modesto hospital chamado de S. Paulo, ajudar,
gratuitamente, no cuidado aos doentes. E mais ainda. Tinha em seu paupérrimo
abrigo um leproso, a quem tratava com evangélica paciência, e bem evangélica,
porque o lázaro, falhando na provação escolhida, era um revoltado contra a
doença, e injuriava com impropérios o seu caridoso amigo e enfermeiro.
Admirável lição esta, que nos
integra nas verdades do Evangelho: os humildes serão os exaltados.
João Batista nasceu no conforto do
lar de um grande sacerdote, e foi apenas um precursor; Jesus tomou corpo
deitado nas palhas de uma tosca manjedoura e era o Enviado de Deus!
Bem haja o sofredor resignado, que
sorri na dor, na desventura, cheio de força e de luzes espirituais, que lhe
mostram as realidades das provações nas vidas sucessivas e o futuro que o
aguarda; ditoso aquele que antes de suplicar o pão, que lhe mitigue a fome da
carne, sabe esperar a paz da Alma, orando para que lhe venham
as bênçãos, os auxílios, os fluidos benéficos dos nossos Guias do Espaço.
Quem fora o obscuro alfaiate, que um
Espírito-Guia declarou maior do que o arcebispo?
Não se pode responder. Sabe-se
apenas que do alfaiate nem o nome a História registou, enquanto que do
arcebispo se fez um - santo - para os altares da Igreja de Roma.
Estranho e curioso contraste, que
vemos ainda, em nossos tempos!
Os médiuns, quando pertencem à
Igreja, são santos; quando professam o Espiritismo, são loucos, visionários, ou
possuídos de Satanás ...
Para Teresinha de Jesus, a freira,
cânticos e louvores, altares e incenso, para Ana Prado, a médium, risotas e
insultos, a sepultura e o esquecimento! ...
Continua
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