“Preeminência
da Humildade”
Em
gozo de férias, encaramujei-me no meio do mato. Uma fazenda, perdida lá nas
estâncias de Pati do Alferes, foi meu oásis na desértica jornada das minhas
lutas pelo pão de cada dia.
Depoís
da primeira semana de descanso, ressenti-me da entrevista, às quintas-feiras,
com os companheiros encarnados e desencarnados do Grupo Ismael. Foi então que
me propus: saí à procura dum centro espírita para visitar. Acompanhou-me uma
consóror que conheci na fazenda e minha mulher. Informação daqui, orientação
dali, acabei convidando-me para a reunião de que participava uma prestativa
serviçal da fazenda, aquela que nos servia as refeições.
Reuniam-se
nos fundos duma garagem, em ambiente extremamente tosco, acanhado, cheio de
teias de aranha pelo teto e muito poeira pelos cantos. Uma mesa modestíssima,
porta e janela gastas pelo tempo, apenas uma lâmpada (40 velas?) dependurada e,
para os frequentadores, bancos compridos de caixote, sem encosto e sem pintura.
Senti-me
bem, tão logo entrei. Não demos nossos nomes, nem quiseram sabê-Ios , Ali,
gente da terra ou visitante do Rio, são todos iguais. Porém, educados que eram,
agradeceram sensibilizados a nossa presença, confrades que, afinal, jamais
esperavam aparecerem por ali.
A
sessão teve início. Primeiro, a leitura duma página escolhida a esmo em obra
psicografada. Depois, a prece proferida pelo dirigente. Seguiu-se a recepção
duma mensagem psicofônica, ditada por entidade de reconhecida elevação espiritual.
Passou-se ao estudo do ponto da noite, tomado a “o Livro dos Médiuns”, durante
o qual cada um de nós falou alguma coisa. Veio depois a parte de doutrinação
dos Espíritos necessitados, ao cabo do que tivemos novamente a presença do
mentor do grupo, ditando maravilhosa mensagem de sabedoria e amor. Finalmente o
presidente da reunião encerrou-a em nome de Deus, com uma prece gratulatória.
Fiquei-me
a meditar: notável! aquilo era um carbono, tal qual, da nossa reunião no Grupo
Ismael, aqui na Federação Espírita Brasileira! Como é que aquela gente tão
humilde, tão modesta, tão carente de condições materiais podia estar à altura
de realizar uma sessão de indiscutível zelo doutrinário?! Primeiro,
quanto às rotinas do trabalho; segundo, quanto à
colocação dos assuntos, dos temas abordados.
Carrego
e exagero propositadamente na exclamação, mas no íntimo tenho consciência desse
verdadeiro fenômeno que a rigor vale muitas vezes mais do que o mais inusitado
fenômeno de materialização ou de efeitos físicos! Trata-se do fenômeno da
humildade!... A humildade que alteia o conhecimento, a humildade que enseja a
prestância da assistência espiritual, a humildade que lobriga inesperados e
surpreendentes resultados.
Tenho
observado, em minhas passagens por inúmeros agrupamentos mediúnicos, esse
índice realmente maravilhoso: tanto mais são humildes e
desprovidos de recursos os homens, maior é a cobertura que os Espíritos lhes
dão, como o fazem, na mesma proporção, os pais encarnados em relação aos
filhos. A infância requer sempre atenção mais constante e direta, que diminui
na juventude e quase desaparece depois que se cresce e se atinge a maturidade.
Também os Espíritos suprem com mais frequência as lacunas passíveis de se
abrirem nas fileiras constituídas de criaturas menos providas de tempo para a
aculturação, para a intelectuaIização, para a atualização.
Por
isso é muito comum encontrarem-se no interior do país centros oferecendo
exemplos de inconfutável autoridade, geralmente sustentados por
médiuns que, pouco letrados, resultam em excelentes vasos de acomodação do
néctar provindo da verdadeira fonte do saber.
Isto
não é a apologia do médium inculto, eis que ao fazê-Ia estaríamos afrontando a
Doutrina Espírita. O médium deve estudar; o médium tem de estudar; o médium
precisa de estudar. Tanto mais absorva o ensinamento, melhor se conduzirá no
seu carreiro, propiciando ao Alto também melhores oportunidades de transmitir a
orientação de que carecemos aqui na Terra.
Situemos
bem o problema para achanar falsas e equívocas interpretações. Em geral,
tirante os casos de prova de identidade, os Espíritos transmitem ao médium
apenas pensamentos, ideias e imagens, deixando-lhe que formalize o ditado com
suas próprias palavras e seu próprio estilo. O médium que estudou, que
aprendeu, que assimilou, funcionará por isso com muito mais eficiência do que
aquele que despreza as lições e não tem de si mesmo nenhum recurso a oferecer.
Os Espíritos terão então de, num esforço extremamente maior (que, obviamente,
tem as suas limitações, pois é preciso não ignorar que há barreiras às vezes
inexpugnáveis entre um plano e outro), terão os Espíritos de “ajeitar” a
mensagem para que flua da maneira mais apreciável possível.
Contudo
- e aqui situo o outro lado da questão -, o médium sincero e humilde, pouco
instruído, enfurnado no meio do mato, sem condições reais para o estudo,
impossibilitado de frequentes contatos com os que lhe poderiam ensinar alguma
coisa - é deste médium que falo e que não ficará abandonado, mas, ao contrário,
forçará a misericórdia dos benfeitores, que passarão a assisti-Io de mais
perto, protegendo-o e amparando-o. É' este, precisamente este que ainda
necessita da ajuda paternal, a qual sem dúvida não lhe falta e se caracteriza
no maior carinho, na maior atenção e no maior cuidado.
Convém
departir bem o médium que pode e não quer estudar (por displicência, por
pretensão ou mesmo por orgulho) daquele que não tem recursos nem meios para
isso ou até nem sabe ainda que precisa de estudar, e que fazê-Io é ponto
fundamental da Doutrina.
É
por este último, com prioridade, que o Alto se interessa, estendendo-lhe a
merecida e justa proteção E é por isso, exatamente por isso, que os eventos
mais maravilhosos ocorrem pelo interior do País, a intrigar não tanto aos
espíritas, mas aos etnólogos, aos pesquisadores da etogenia, da geobiologia,
enfim, aos ecólogos dum modo geral, quando observam, por exemplo, nos costumes
dessa gente, o descuido pelas doenças, a despreocupação com os rigores da
moderna ciência, a negligência com as recomendações sanitárias. Um parto, nas
grandes metrópoles, se não seguir todo o ritual da técnica obstétrica pode
levar à morte a parturiente ou o nascituro , No interior, ele nasce no chão de
terra, sem nenhuma assepsia e não acontece nada. No cosmopolitismo dos grandes centros
urbanos uma ferida mais contusa requer a imediata e urgente aplicação de soro
antitetânico; nos brejos das colônias selvosas o caboclo joga em cima terra
misturada com açúcar e vai remexer o estrume da sua lavoura. Dirão os cépticos
das coisas do Espírito: o organismo reage na proporção do ataque e gera
anticorpos que o defendem. Sim, mas isso não exclui a participação do Alto.
Posso recolocar a equação noutros termos: os anticorpos se criam em função de
sábias leis do astral fiscalizadas, estas, pelos prepostos do Senhor. Afinal,
há que reconhecer a relatividade dessa auto vacinação, eis que nem sempre é
eficaz. Pode falhar. Há casos em que falha. Logo ...
Mas não
quero delongar-me no exame dessa angulação científico-espiritual. Voltemos à
nossa reuniãozinha lá nos confins de Pati do Alferes. Reporto-me, em remate
deste artigo, a um aspecto final que endossa de vez a minha opinião, festeja o
meu entusiasmo e coroa definitivamente a humildade como padrão preeminente de
todas as virtudes. Trata-se da mensagem de despedida do mentor espiritual. Cá entre nós, leitores meus desta fabulosa metrópole
carioca, que ninguém nos ouça: a mensagem estava muitos furos acima da
capacidade normal do médium e minha, e foi uma inaudita e inenarrável alocução
de invulgar sabedoria e extraordinária elevação moral.
Ora,
ora os anticorpos ...
por Luciano dos Anjos
Reformador (FEB) Junho 1970
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