Rosas
e Espinhos
José
Brígido (Indalício
Mendes)
Reformador
(FEB) Agosto 1964
- Estás vendo, amor, quantas rosas
lindas e perfumosas?
- Sim, vovô. Como são belas! Vou colher
aquela ali, que tem a seu lado dois formosos botões...
- Cuidado, menina. Não te deixes
fascinar pela beleza das rosas a ponto de esqueceres os espinhos que as
acompanham. Eu mesmo tirarei uma delas.
Em seguida, o avô solícito se
aproximou da roseira e com extrema cautela pôs-se a vergar pequeno caule para
quebra-lo. Consegui-o logo, mas, não obstante o cuidado, foi picado por um espinho
e de seu dedo saiu uma gotícula de sangue.
- Está aí, menina. Observa bem que
de nada valeram a minha prevenção e a minha experiência. Colhi a rosa, mas
pague o tributo do sangue.
Inquieta, a netinha comentou
arrependida:
- Fui culpada, vovô. Para me
satisfazeres, sofreste essa espetadela.
- Tudo tem uma razão para acontecer.
Agora, ainda estás pequena, pouco sabes da vida. Doze anos quase nada
representam no começo da vida. Entretanto,
deves prestar muita atenção às minhas palavras e guardar esta lição, que poderá
ser muito útil a tua vida futura.
Passando carinhosamente a mão pelos
cabelos macios da menina, o avô continuou falando:
- Mais tarde, quando já estiveres bastante
crescida, sentirás a vaidade natural do teu sexo. Terás alegria em ser bonita e
admirada. A beleza física, quando desamparada da beleza moral, corre perigo.
Justamente porque é bela, a mulher é requestada. Experimenta secreto prazer por
ser admirada.
Ela se entrega aos desvelos de
cabelereiros exímios, reúne cosméticos e ingredientes especiais para realçar lhe
a beleza ou para apagar lhe os traços incompatíveis com os cânones do belo.
Dentro em pouco, todo o seu tempo será empregado nesse mister. Se desatenta de seus
deveres espirituais, acabará por esquece-los de vez. Toda a sua vida se
resumirá em mostrar-se bela e elegante. Sem o sentir, torna-se prisioneira de
si mesma, egocêntrica, fria e indiferente para tudo quanto não se relacione com
a sua pessoa.
Casa-se e, nos primeiros tempos,
quando ainda não está estabelecida uma familiaridade mais completa com o marido,
tudo irá aparentemente bem. Depois, ela cederá à tirania do ego. Se o esposo
for sensato, poderá reeduca-la devagar, com ternura, e recoloca-la no bom
caminho. Mas se estiver deslumbrado com
a sua beleza e fraquejar, então, minha filha, o pretenso amor do casal durará o
tempo desse deslumbramento.
Pode acontecer que o egocentrismo
exagerado corrompa até o sentimento materno de uma esposa em tais condições. A
ela pouco importará que os filhos estejam bem ou não, que se vistam
convenientemente ou que andem sujos e quase desnudos. Ela cuida de si, apenas
de si, deixando as crianças entregues a empregadas nem sempre pacientes e
dedicadas.
Enquanto isso, a rosa ostenta suas pétalas
maravilhosas e exala extasiante perfume. Todos se encantam com a sua beleza e
com o seu odor. Ela própria vive num mundo diferente, num mundo que é somente
seu, porque se constitui exclusivamente de si mesma.
Essa, minha querida neta, é a
primeira parte da história.
Tens mais, vovô?
- Sim. É o mais importante também.
- Já conversei contigo muitas vezes sobre pontos da Doutrina Espírita.
- E eu gosto muito quando falas
dela, vovô.
- Então, ouve. Como sabes, somos
Espíritos de passagem pela Terra, ainda em fase de aprendizado. Vimos do mundo
espiritual para o mundo terreno; depois, saímos do mundo espiritual para o
mundo terreno; depois, saímos do mundo terreno e voltamos para o mundo
espiritual, para, de novo, retornar à Terra. Essas idas e vindas estão
reguladas por leis muito sábias e corretivas, a mais importante das quais é a
denominada “Lei de Causa e Efeito”, que alguns dizem “Lei do Retorno” e os
orientais chamam “Carma”. Segundo essa lei, o nosso destino (deves entender “destino”
como “futuro”) depende principalmente da nossa maneira de pensar e agir em
todos os instantes da existência.
Aquela criatura que se fez centro de
gravitação universal, que somente pensa em si, que se tornou vítima de mórbido
narcisismo, não resistirá à ação do Tempo. Quando, tal qual a rosa bonita que
colhemos no jardim, a sua beleza começar a declinar, como a flor se irá
despetalando, irremissivelmente, então ela verá, em torno de sua alma, não o
vácuo, porque o vácuo não existe, mas entidades que lhe parecerão estranhas e
incômodas. Depois que a rosa desaparece, o que dela fica é apenas a haste nua,
eriçada de espinhos. Não há rosas sem acúleos perigosos, como não há vida sem
problemas e preocupações sérias. Todavia, o destino da rosa é aquele: embelezar
a Natureza que a criou e ceder sua vez a outras rosas para que se cumpra a sua
finalidade.
A mulher, entretanto, pode
engrandecer-se, crescer, ganhar louvores por seu amor desinteressado e fecundo.
Pode ser bela sem ser inútil. Pode cuidar de sua beleza sem olvidar as
obrigações naturais da sua função na vida familiar e social. Se busca refúgio
no culto à Espiritualidade, eleva-se, purifica-se, diviniza-se, principalmente quando
ingressa na maternidade e se desvela pelos filhos e pelo esposo, encontrando
ainda oportunidade para fazer algo de bom por seus semelhantes. Então, será uma
rosa sem espinhos, cujo perfume se embalsamará com as bênçãos do Alto, e sua beleza,
em vez de ser um tropeço, será um estímulo ao Bem, uma atração benéfica e
redentora.
A netinha apertou mais o braço do
vovô e o instigou:
- Conta mais, conta, vovô.
- Ainda não acabei. Aquela mulher bonita, que
só vivia para sua beleza, começou a sofrer quando percebeu que de nada
adiantavam os tratamentos a que se submetia para retardar os insultos da
velhice que se aproximava. As rugas começaram a marcar lhe o rosto belo: o
olhar foi perdendo aquele viço singular. Ela, então, redobrou em cuidados com a
sua pessoa. Os filhos continuavam crescendo sem a sua assistência permanente,
deseducados, hostis e inconvenientes. Seu lar, que era suportável enquanto eles
eram pequenos, já mostrava uma diferença sensível para pior. Os filhos não tinham
disciplina, eram exigentes e malcriados. Não respeitavam o pai nem a mãe e às
vezes até, no auge de discussões inúteis, a destratavam. A rosa ia perdendo as
pétalas e os espinhos se tornavam mais presentes do que nunca.
Então, ela começou a pensar um pouco
mais claramente. Abdicara há muito tempo do domínio do lar, porque nele quase
não permanecia e, mesmo quando se achava presente, era como se estivesse longe,
muito longe, omissa, alheia ao que se passava, ao que faziam os filhos, ao que
se passava, ao que faziam os filhos, ao que acontecia com os filhos.
Certa noite, indisposta, perguntou a si mesma
porque tinha filhos tão ingratos. E uma voz lhe chegou aos ouvidos.
- A ingratidão não é dos teus
filhos, mas de ti. Segundo a Lei, todos colhem o que semeiam. Todavia,
lembra-te do Evangelho. Lá está escrito: “Bem-aventurados os que choram, pois
que serão consolados.” Ainda terás muito tempo diante de ti. Aproveita-o
corajosamente para o resgate de teus erros. Ninguém te libertará dos
sofrimentos que te esperam, mas está em ti transformar esses sofrimentos em
degraus para a reabilitação.
Suas lágrimas se multiplicaram.
Chorou compulsivamente. Foi quando novamente pareceu ouvir uma voz impressionantemente
nítida que lhe dizia:
- Será muito difícil, agora, retomares
a autoridade que perdeste sobre os teus filhos. Eles são o que o teu descaso
criou. Foram modelados conforme a tua indiferença por eles. O dever da mãe é
sagrado. Nenhuma mulher é mãe apenas por imposição biológica. Cada uma traz um
compromisso sério. Tem que educar e orientar os seres que põe no mundo. Nada é
mais sério do que isso. Negligenciaste, presa da vaidade. Agora, que deverias
ter em torno de si o carinho e a solicitude dos filhos, encontras neles frieza
e alheamento. Fazem contigo o que com eles fizeste. É a lei de “Causa e Efeito”
em pleno vigor.
Entretanto, deves reagir e provar que estás
disposto a ressarcir, desde já, os débitos que contraíste com a vida terrena e
com a Lei. Se o fizeres, sem desânimo nem desespero, mas com humildade e convicção,
transformarás os espinhos que agora te ferem em rosas ainda mais belas e
perfumosas, porque terão as bênçãos do Alto. Chora, mulher! Tira o peso do teu
coração arrependido! Faze, porém, que essas lágrimas adubem o roseiral da tua
redenção, para que possas merecer a consolação anunciada no Evangelho!
***
Voltando-se para a netinha, observou
o vovô:
- Que tens menina? Ficaste
emocionada? Não chores. Vou te contar o fim da história.
Essa mulher, que em sua mocidade
fora tão fútil e vaidosa, compreendeu o erro praticado. Suportou estoicamente
mil agonias criadas pelos filhos. Pode, no entanto, recuperá-los também. Eles,
submetidos a atenções que nuca haviam tido, experimentaram uma mudança salutar.
Quando a mamãe, velhinha e já vovó, fechou os olhos materiais e despertou para
a vida na Espiritualidade, estava cercada de todos os filhos e netos. O que ela
não fizera com aqueles, quando pequenos, pudera realizar com estes últimos. E o
efeito do seu trabalho, cheio de amor e sacrifício, reconquistou para ela a
ternura dos filhos. Todos eles, contritos, cercava, o seu leito de agonia,
cheios de cuidados com o corpo frio e inanimado, e seu Espírito, liberto da
carne, se rejubilava, confortando-os. A luz dos círios fora ofuscada pela aura
brilhante que envolvia aquele Espírito redimido...
Bem-aventurados os que choram, pois
que serão consolados.”
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