A Lição aproveitada
por
José Brígido (Indalício Mendes)
Reformador
(FEB) outubro 1964
- O que o Espiritismo nos pede é muito
difícil. Somente os santos podem cumprir a Doutrina. Vivemos num mundo de
solicitações inferiores, acotovelados por gente de toda espécie. Por muito que desejemos
resistir, acabamos cedendo e falhando.
- Concordo que a exemplificação real seja
muito difícil. O pior, entretanto, é não realizarmos nenhum esforço sério para
cumprir cada dia um pouco do muito que a Doutrina exige de nós, para o nosso bem.
O que não está certo é que vivamos a achar difícil fazer isto e aquilo, sem
fazer verdadeiramente nada de construtivo.
- Se você é tão claro nas lições que dá,
deverei ser também eficiente na exemplificação, meu amigo... – tornou o outro,
com certa ironia.
- Não estou dando lições, mas apenas
repito o que considero tão útil a mim como a você. Só Deus sabe a minha
tristeza por não resistir às tentações do erro. Faço planos, estabeleço o
propósito de não cair, mas a minha resistência nem sempre é forte. O pior de
tudo é que somente me apercebo de que fali, depois de praticado o erro. Antes,
tenho a noção de que vou errar. Armo-me para resistir, mas termino derrotado...
Todos os dias recomeço a luta, honestamente empenhado em respeitar a Doutrina
de alguma forma. Não desejo que você passe pelas provações que me assaltam. Você
já experimentou a mágoa de haver cometido uma ação censurável, quando sabia
antecipadamente que não deveria praticá-la, mas que, impotente, cedeu à sedução?
- Às vezes me acontece o mesmo. Por
isso é que acho a exemplificação da Doutrina Espírita muito difícil. Para não
me preocupar, prefiro não pensar nela.
- Discordo. A luta é grande. Somos
seres inferiorizados pela ausência de coragem para realizarmos a reconstrução da
nossa personalidade. Qualquer que seja o resultado de cada dia, devemos
insistir no respeito e na exemplificação da Doutrina. Alguma coisa há de ficar
dentro de nós e um belo dia veremos que estamos resistindo mais ao mal e
cedendo mais ao bem. Estou aprendendo com dificuldade, mas quero levantar-me
voluntariamente, sem forças para dele fugir.
- Acho muito bonito o que você diz,
mas muito pouco prático. Se os fatos demonstram que você luta em vão, ou quase
em vão, e que ainda se mostra preocupado com os erros que comete, melhor
situado estou eu, que já se não poder resistir e não penso na Doutrina, para
não me criar maiores aborrecimentos.
- Olhe quem vem aí: o Pedro. Ei, Pedro,
Pedro!
E o recém chegado, que era excelente médium,
saudou-os afetuosamente:
- Bons olhos os vejam! Está bem, “seu”
Anselmo? E o senhor “seu” Ivo?
- Tudo bem, Pedro. Nós estávamos
justamente falando da nossa dificuldade em cumprir a Doutrina. Acha o Anselmo
que é melhor não nos preocuparmos com ela, a fim de não termos muito trabalho.
Eu, que estou falhando dia a dia, reconheço, entretanto, que devemos continuar
fazendo força para dar alguma exemplificação boa. Que acha, Pedro?
- Acho que o senhor pensa acertadamente.
O melhor, quando temos uma ideia negativa, um pensamento inferior a nos
perseguir, é buscarmos um meio de derrota-lo. Se tivermos uma pessoa por perto,
devemos procura-la e puxar conversa sobre matéria que nos faça esquecer o
pensamento que nos vinha mortificando. Se não podemos fugir por esse meio,
temos o recurso de uma leitura boa, elevada, que realmente nos interesse.
Tirando o livro do bolso, Pedro
prosseguiu:
- A propósito. Trago aqui o livro “Ação
e Reação”, de André Luiz.
- Conheço-o de nome, Pedro – disse Ivo.
Mas Pedro, você tem forças e conta
com um “protetor” para ajudá-lo. É médium...
- A melhor resposta que eu lhe posso
dar, “seu” Ivo, é reler alguns trechos deste livro. Ouça: “Não me creiam
separado de vocês por virtudes que não possuo...” “A ninguém devemos o destino
senão a nós próprios. Entretanto, se é verdade que nos vemos hoje sob as ruínas
de nossas realizações deploráveis, não estamos sem esperança...” Essas são palavras
do Instrutor Druso.
Um médium não tem imunidades, meus amigos. Suas responsabilidades são até maiores e mais perigosas. Na realidade, ninguém tem o direito de se julgar livre, se continua prisioneiro de maus hábitos, de pensamentos sombrios e depressores. Nem os senhores estão sós nem eu. Ninguém está só. E por não estarmos sós, devemos estar mais vigilantes. Não resistir, demonstra que somos espíritas de boca, não de coração. Isto é o que eu penso de mim mesmo.
Fechando e reabrindo o livro, Pedro
frisou:
- Até parece que foi escolhido este
trecho. Aqui o Ministro Sânzio diz a André Luiz: “O “carma”, expressão vulgarizada
entre os hindus, que em sânscrito quer dizer “ação”, a rigor, designa “causa e
efeito”, de vez que toda ação ou movimento deriva de causas ou impulsos
anteriores. Para nós expressará a conta de cada um, englobando os créditos e os
débitos que, em particular, no digam respeito. Por isso mesmo, há conta dessa natureza,
não apenas catalogando e definindo individualidades, mas também povos e raças,
estados e instituições.”
Anselmo não estava gostando da
conversa. Interrompeu a leitura de Ivo e se despediu:
- Bem. Vocês estão com a vida ganha.
Preciso ir andando. Vou pensar no que leu, Pedro. Não gosto de fazer nada no
ar...
E saiu.
Ivo e Pedro continuaram trocando
ideias. Foram caminhando e, quando se separaram, Ivo levava o livro aberto entre
as mãos, engolfado na leitura preciosa que Pedro lhe proporcionara.
Cada lição representava um tijolo
para a reconstrução da sua personalidade afetada. Dali por diante, a sua
tranquilidade em face do futuro se acentuou. Ele não lia apenas por prazer:
assinalava as lições, procurando aplica-las nas oportunidades que a vida lhe
oferecia. Tornou-se até elemento útil no Centro que passara a frequentar com
assiduidade.
Nunca mais teve ocasião de rever
Anselmo, que, certamente, preferia continuar desconhecendo os deveres
determinados pela Doutrina Espírita, para não se preocupar...
Nenhum comentário:
Postar um comentário