O Santo
Ofício contra o Espiritismo
A Redação
Reformador (FEB) Dezembro
1918
As linhas que se seguem
foram transcritas da revista italiana “Lucce e Ombra” e são de autoria de conhecido
escritor Maurice Leblanc:
“Nestes últimos dias o Santo Ofício, em sua Acto Apostollicae Sedis (1º de Junho de
1917, pág. 268) publicou um decreto de estreitas proibições das práticas espíritas.
É uma proibição absoluta que exclui até o estudo sério desapaixonado dos fenômenos
mediúnicos, o que parecia tacitamente admitido pelo costume.
Essa afirmação e intransigência responde à tradição do Vaticano,
tradição altamente misoneísta hostil ao espirito moderno, e mais característica
ainda para a nossa crença, dada a função histórica que o Espiritismo, em suas
diversas formas e sob as mais variadas denominações, tem sempre exercido nos
momentos supremos que a evolução da civilização assinalou.
É inegável que todo o mundo de hoje fala do Espiritismo: muitos
cientistas negam que ele possa ser o resultado da ilusão e reconhecem um fundo
de realidade objetiva de de um altíssimo interesse cientifico em experiências.
Em Filosofia, toda a corrente de pensamentos espirituais empresta
ao Espiritismo novas explicações psicológicas para os movimentos da alma e do
cérebro.
Recorrendo à história do Espiritismo encontramos a alternativa
da sua fortuna: houve épocas em que as suas práticas não somente foram reconhecidas
como úteis, mas também elevadas à dignidade de culto religioso: em outras
épocas foram perseguidas e proscritas. Todavia, esta oscilação se pode
considerar como natural; com o florescimento do Espiritismo coincidia o renascimento
dos tempos, com o progresso da História e com as instituições do sacerdócio; quando
as classes dominantes se dobram às religiões oficiais, o culto do espírito decai,
e isto se nota na campanha, entre os povos, nas cidades, nas quais se não pode
tirar a ideia do culto aos mortos, primeira forma de reconhecimento da imortalidade
da alma, base principal do Espiritismo.
Quero recordar com esta vasta asserção um fato que, na
histeria da Europa, teve grande transcendência.
Os leitores hão de recordar que, depois da batalha de Tsushima
entre russos e japoneses, o almirante Togo telegrafou ao Mikado anunciando a vitória,
que atribuía não só ao valor da marinha, mas à intervenção dos Manes do imperador.
A velha Europa ficou estupefata ao receber e publicar tal telegrama, pois não podia
compreender o tesouro de força que encerravam aquelas frases.
Poderíamos recordar também que a dilaceração do ventre,
com que os japoneses costumam-se eliminar de preferência a cair prisioneiros de
guerra não é um suicídio, mas um ato que afirma a liberdade do espírito humano,
devido à fé na imortalidade da alma, e o desejo de se passar ao mundo dos
espíritos para libertar-se das misérias da vida humana.
Assim florescia no Japão o culto dos mortos junto à sua história,
que até 1850 se achava cristalizado.
Na própria Itália, o culto das catacumbas foi a religião dos
italianos desde os tempos dos etruscos.
Na aurora do Cristianismo, a religião dos espíritos proclama
o antigo culto, uma veneração fervente cerca os túmulos dos mártires, nas
catacumbas.
Os santuários gregos dos tempos pré-helênicos se consagram
ao culto dos mistérios, evocando os espíritos, como revelam as representações
sagradas de Eleusis e de Samotracia.
Ainda hoje o culto dos mortos floresce de tal maneira na
humanidade.
Dante fez a mais grandiosa apologia dessa crença e, afinal,
esse Espiritismo tão traído, tão condenado por aqueles que não tem interesse que
a verdade resplandeça e que continuemos a viver na ignorância de fórmulas retrógradas
anuncia e sempre há de anunciar uma nova fé, apesar de velha tradição de que já
sabemos tudo quanto nos queiram ensinar.
Pensarão os legisladores do Santo Ofício que proibindo as
práticas do Espiritismo haverão de conseguir habilmente abolir as manifestações
do sobrenatural? Cremos que não; é a empresa difícil, porque a crença no sobrenatural
é um fato lógico, primitivo, universal e permanente, não só na vida, mas ainda na
história do gênero humano.
Interrogar-se o gênero humano em todos os tempos, em
todos os lugares e em todas as categorias sociais e sempre se encontrará alguém
que acredite no sobrenatural; basta que este alguém exista para que se torne
difícil extinguir a ideia: uma semente é o suficiente para que germine todo um mundo
de pensamentos sobre matéria tão vasta e de tão grande proporções como o Espiritismo.”
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