Coletânia
por
Joseph Fabre
Reformador (FEB) Setembro 1917
Orígenes
Discípulo e sucessor
de S. Clemente, Orígenes foi espírito erudito, gênio brilhante, alma austera e
entusiasta.
Havia estudado todos os sistemas de filosofia,
especialmente as doutrinas de Pitágoras e de Platão, que o inspiraram.
A exemplo de S. Clemente, tendo porém, mais profundeza e
ousadia, procurava firmar o dogma cristão em princípios racionais.
Entendendo que não deve ater-se às noções vulgares quem
pode elevar-se ao conhecimento das causas, Orígenes, como os Cabalistas, como Fílon,
sustentava que uma interpretação inteligente devia ser dada à primitiva
narração das Escrituras e a seus preceitos, Dizia ele:
“Se fosse obrigado a
cingir-me a letra da lei, entendendo-a, como as palavras soam, teria vergonha de
proclama-la como obra divina, achando que maiores e mais racionais foram as
leis humanas, como as de Atenas, da Lacedemonia e de Roma. Sendo assim, onde
encontrar um espírito medíocre e grosseiro para nos dizer que Deus se entregava
a exercícios agrícolas, plantando árvores no Jardim do Éden? que uma delas era
a árvore da vida e uma outra podia produzir a ciência do bem e do mal?
Ninguém
pode ver aí, cuido eu, senão figuras que ocultam mistérios.”
Liberto da letra da lei, Orígenes nos falava em Deus como
um Ser supremo, cuja existência podemos afirmar, sem saber quem seja Ele, visto
como a sua natureza está acima de a natureza de todas as categorias do pensamento
humano, Pretendia explicar a formação do universo, não como criação absoluta, mas
por ato inefável da Divindade, da qual tudo procede. Deus revela-se pelo Verbo.
Segundo Orígenes, éramos perfeitos e felizes, mas decaímos
desse estado, porque abusamos da liberdade, indóceis aos ditames da razão. Professava
a doutrina da preexistência e transmigração das almas, que, conforme as suas culpas,
ocupariam corpos mais ou menos grosseiros. A situação atual das almas
encarnadas só poderia ser explicada e justificada pelos atos praticados durante
as vidas anteriores.
Depois das provações múltiplas e expiações, de acordo com
as exigências da justiça, Deus, em sua bondade, acolherá todas as almas, ainda
as que mais se degradaram. Quando soar a hora da redenção final, ficarão aniquilados
os corpos, que são a negação do ser, sinais da nossa inferioridade e causa ocasional
das faltas.
Acreditava que desapareceria então o próprio princípio do
mal e Satã estaria regenerado pela influência vitoriosa do Verbo. Seria o triunfo
completo do espírito sobre a matéria, havendo comunhão eterna do amor entre
todos os seres reunidos no seio de Deus.
A elevada filosofia de Orígenes apaixonou o Oriente e
assombrou o mundo. A igreja excomunhou o homem e condenou-lhe a doutrina. Foi anatematizado,
principalmente, porque desprezava o corpo e pugnava pela reabilitação universal
das almas.
A sua última tendência foi a fusão do Cristianismo com o
helenismo, a conciliação entre a fé e a razão. Os criadores do dogmatismo católico
repudiaram, como era de prever o ousado comentador da Escritura. Doutos
teólogos, porém, em várias épocas, o admiravam.
Quando faleceu, fizeram-lhe o elogio S. Panfilo e Eusébio
de Cesaréia, o pai da histeria eclesiástica.
Abelardo, no século XI, repetia de continuo que Orígenes
foi o primeiro entre todos os filósofos cristãos.
Extraído de “La pensèe chretienne”.
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