por Canuto Abreu
Reformador (FEB) Maio 1930
Recebemos de Caxias, Maranhão, datada de 27 de março de 1930, a carta seguinte:
De certos dias para cá, a Exma. Sra. D. Guilhermina
Verás, ou Sinhá Veres - como é mais geralmente conhecida nesta cidade, onde
nasceu e reside à rua Senador Benedito Leite, em casa sem número, começou a notar
que, pela madrugada, ou depois de já ter dormido um pouco, de seu corpo
levemente tocado por suas próprias mãos ou pelas de outra qualquer pessoa,
dimana luz numa espécie de fagulhas ou irradiações luminosas que, às vistas das
inúmeras pessoas que as têm observado, se assemelham às ligeiras cintilações do
relâmpago! Como vedes, trata-se de um fenômeno que me parece tão empolgante e
extraordinário, quanto desconhecido pela ciência, quer médica como filosófica.
E é por isso que o submeto à vossa apreciação e estudos, fazendo jus aos
esclarecimentos que vos solicito sobre a sua causa ou origem, se devido à influência
de qualquer substância orgânica em superabundância, ou se devido à intervenção
de um poder oculto.
Certo de que haveis de vos interessar em dar-me qualquer explicação sobre o caso, ansioso aguardo a vossa resposta e, agradecido, subscrevo-me vosso irmão em crença. Eurides Augusto de Moura
O comunicado acima põe-nos diante dum fenômeno insólito, que “parece”, ao caro missivista, “desconhecido pela ciência, quer médica, como filosófica.”
Com muita satisfação atendemos-lhe ao pedido de “qualquer
explicação sobre o caso” não só por dever epistolar, como principalmente por
desejar que outros confrades ou simpatizantes, imitando o Sr. Eurides Augusto
de Moura, nos deem sempre a honra de comunicar os fatos fora do comum que
porventura presenciem. Será um relevante serviço prestado ao Reformador e que nos deixará
particularmente penhorado ao repórter.
Cumpre, entretanto, que as informações venham em
relatório circunstanciado, no qual o registro simples da manifestação sobrepuje
às expressões de surpresa ou entusiasmo e se desdobre em detalhes, até mínimos,
principalmente no que se refere
à pessoa do médium ou
suposto causador do fato, seus antecedentes morais, idade, profissão, residência,
estado mental e físico, suas crenças e o rol das testemunhas presenciais, com
individuação completa de cada uma. E tanto melhor se com o relatório vierem
documentos autenticados e fotografias.
O fenômeno é espírita, quando produzido por Espírito
desencarnado, com auxílio de um médium. Para que haja fenômeno espírita, é
necessário o concurso do Espírito e do fluido mediúnico. E, nos casos como o do
presente estudo - em que a manifestação é física - um terceiro requisito de
importância capital e “sine qua non” -
se impõe: a utilidade moral do fato.
Assim, preliminarmente, só temos como “espírita” o fenômeno
físico que possui estes três elementos:
2º) vontade ativa ou passiva do médium;
3º) utilidade, justiça ou graça imediata da manifestação.
Como é geralmente
sabido, mas deve ser sempre lembrado, “as manifestações físicas têm por fim
chamar-nos a atenção para alguma coisa e convencer-nos da presença duma força
superior ao homem” (1) Kardec, ‘Livro dos Médiuns’ (trad. de Guillon Ribeiro). Os Espíritos
inferiores não podem, por inidôneos, conhecer da moral do fenômeno que produzem
por ordem superior, mas sabem que, se o fenômeno não fosse necessário naquela
hora e naquele ponto, a sua produção lhes seria defesa, Eles, por sua natureza
grosseira, são os únicos que podem fazer à manifestação física, mas agem sempre
em obediência. Por isso é que o primeiro requisito é a vontade ativa ou passiva
do Espírito desencarnado. É ativa, quando recebem permissão, e passiva, quando
recebem ordem. Os Espíritos superiores jamais agem diretamente sobre a matéria,
para produção de fenômenos físicos. “Servem-se dos Espíritos inferiores, como
nos servimos de criados para as tarefas grosseiras (2) Idem, Idem. Não sendo
possível uma só manifestação espírita, de natureza física, sem permissão ou
ordem de Espíritos superiores, compreende-se facilmente que só a utilidade
moral imediata dá lugar ao fenômeno. Quanto ao segundo requisito, carece de
nenhuma justificativa...
O fenômeno narrado na carta acima, parece independente, senão dos três elementos, ao menos dos dois primeiros. Ele se produz após um estado sonambúlico; mas, por ação mecânicas, pelo roçar da mão sobre o corpo de D. Sinhá Verás e, talvez, sem interferência, notável pelo menos, de um ser invisível.
Portanto, nos estreitos limites da comunicação, é preferível
considerar o fato como metafísico, deixando a hipótese espírita para quando
novos detalhes, que aqui pedimos, cheguem ao nosso conhecimento.
Enquanto esta vai e aqueles vêm, conversemos um pouco.
O nosso caro missivista fala em “ciência médica” e “ciência
filosófica”.
Quanto à primeira, somos absolutamente incompetente para qualquer julgamento. Queremos, com tudo, supor que ela, chamada à presença de D. Sinhá Veras, se não encontrasse um fundamento patológico para o fenômeno, haveria de lhe descobrir um nome rebarbativo, capaz de manter à distância o vulgo ignorante, como, por exemplo, fotogenia ectoplasmática cuticular...
*
KARDEC, fundador do vocabulário espírita, chama de médium natural a pessoa que, sem intervenção
de Espíritos, produz fenômenos supranormais, como aquelas que ele, na Revue Spirite e no Livro dos Médiuns estuda como “elétricas”.
“As pessoas qualificadas de elétricas podem ser
consideradas médiuns?
-“Essas pessoas tiram de si mesmas o fluido necessário à produção
do fenômeno e podem operar sem o concurso de outros Espíritos. Não são,
portanto, médiuns, no sentido que se atribui a esta palavra. Mas, também pode
dar-se que um Espírito as assista e se aproveite de suas disposições naturais
(1).”
(1) Idem, idem.
*
- Não podem eles manifestar-se sob a forma de chama?
“- Podem produzir
chamas, clarões, como quaisquer outros efeitos para atestar sua presença; mas,
não são os próprios Espíritos que assim aparecem. A chama não passa muitas
vezes de uma miragem, ou de uma emanação do perispírito. Em todo caso nunca é
mais do que uma parcela deste. O períspirito não se mostra integralmente senão
nas visões.” (Livro dos Médiuns, n. 100.)
O que se passa em Caxias, com D. Sinhá Veras, tanto pode
ser produzido por Espíritos desencarnados, como pode ser resultado de combinações
biológicas, sem a interferência deles.
É até a hipótese
mais provável.
O corpo humano, principalmente o de certos nervosos ou
sensitivos, contém uma capacidade de irradiação luminosa, descoberta em época
remotíssima, pois a ela se referem os mais antigos registros de ocultismo. Pelo
fato de possuírem essa capacidade radioativa, não se segue que sejam tais
sensitivos médiuns, no sentido espirita. “Errado fora considera-las médiuns,
porquanto a verdadeira 'mediunidade supõe a intervenção direta de um Espírito.
Ora, no caso de que falamos, concludentes experiências hão provado que a
eletricidade é o agente único desses fenômenos (pessoas ditas elétricas). Esta
estranha
faculdade, que quase se
poderia considerar uma enfermidade, pode, às vezes, estar aliada à mediunidade.
Porém, as mais das vezes, de todo independe de qualquer faculdade mediúnica. A única
prova de intervenção dos Espíritos é o caráter inteligente das manifestações. Desde
que este caráter não exista, fundamento há para serem atribuídas a causas
puramente físicas. (1).
(1) Idem. Idem.
O célebre químico austríaco
Barão de Reichenbach (2) deu a esse eflúvio o nome de “ods”. Ele constatou em
numerosas experiências o que antes dele outros vislumbraram o escapamento de
luz do corpo humano.
(2) Cartas ódicas e magnéticas.
Se dos metais, como o zinco, o chumbo, o mercúrio, o níquel,
o estanho, se escapa uma força capaz de ferir uma chapa fotográfica (3); se do
corpo animal irradia constante calor (que é simples modalidade da energia que
produz luz ou eletricidade), porque não havermos de admitir que os raios “od”,
o fluido magnético animal, o nosso “aura”, enfim, a energia que dimana de nosso
organismo não possa, em determinadas condições mesológicas, produzir esses relâmpagos
de que fala a carta do nosso amigo Moura?
(3) Russel, Revue Scientifique, de 24 de dezembro de
1897.
O Dr. Maxwell, médico e advogado antigo de Bordéus, fez observações curiosas com os fluidos emanados das mãos humanas (4).
(4) “Phenomens Psychicos, pag. 118
(5) “Exteriorização
da Motricidade” pg. 22.
(6) “Aparições”, Tom.1, pg. 337;
Baraduc (7) também se
acerca de nosso ponto com experiências notáveis, rigorosamente científicas, que
demonstram dum modo categórico a existência de eflúvios luminosos em nosso
corpo.
Basta seguir a Revue Métapsychique e ler os relatórios dos congressos metapsíquicos espíritas.
Aguardemos, pois, os detalhes que nosso caro informante
por certo nos remeterá e, noutra ocasião, com mais vagar, voltaremos ao assunto.
Por hoje, nosso agradecimento sincero ao Sr. Eurides
Augusto de Moura e nosso voto de paz, saúde e alegrias a D. Sinhá Veras.
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