quarta-feira, 16 de setembro de 2020

O Santo Ofício contra o Espiritismo

 

 O Santo Ofício contra o Espiritismo

A Redação

Reformador (FEB) Dezembro 1918

 

            As linhas que se seguem foram transcritas da revista italiana “Lucce e Ombra” e são de autoria de conhecido escritor Maurice Leblanc:  

             “Nestes últimos dias o Santo Ofício, em sua Acto Apostollicae Sedis (1º de Junho de 1917, pág. 268) publicou um decreto de estreitas proibições das práticas espíritas. É uma proibição absoluta que exclui até o estudo sério desapaixonado dos fenômenos mediúnicos, o que parecia tacitamente admitido pelo costume.

             Essa afirmação e intransigência responde à tradição do Vaticano, tradição altamente misoneísta hostil ao espirito moderno, e mais característica ainda para a nossa crença, dada a função histórica que o Espiritismo, em suas diversas formas e sob as mais variadas denominações, tem sempre exercido nos momentos supremos que a evolução da civilização assinalou.

             É inegável que todo o mundo de hoje fala do Espiritismo: muitos cientistas negam que ele possa ser o resultado da ilusão e reconhecem um fundo de realidade objetiva de de um altíssimo interesse cientifico em experiências.

             Em Filosofia, toda a corrente de pensamentos espirituais empresta ao Espiritismo novas explicações psicológicas para os movimentos da alma e do cérebro.  

             Recorrendo à história do Espiritismo encontramos a alternativa da sua fortuna: houve épocas em que as suas práticas não somente foram reconhecidas como úteis, mas também elevadas à dignidade de culto religioso: em outras épocas foram perseguidas e proscritas. Todavia, esta oscilação se pode considerar como natural; com o florescimento do Espiritismo coincidia o renascimento dos tempos, com o progresso da História e com as instituições do sacerdócio; quando as classes dominantes se dobram às religiões oficiais, o culto do espírito decai, e isto se nota na campanha, entre os povos, nas cidades, nas quais se não pode tirar a ideia do culto aos mortos, primeira forma de reconhecimento da imortalidade da alma, base principal do Espiritismo.

             Quero recordar com esta vasta asserção um fato que, na histeria da Europa, teve grande transcendência.  

             Os leitores hão de recordar que, depois da batalha de Tsushima entre russos e japoneses, o almirante Togo telegrafou ao Mikado anunciando a vitória, que atribuía não só ao valor da marinha, mas à intervenção dos Manes do imperador. A velha Europa ficou estupefata ao receber e publicar tal telegrama, pois não podia compreender o tesouro de força que encerravam aquelas frases.

             Poderíamos recordar também que a dilaceração do ventre, com que os japoneses costumam-se eliminar de preferência a cair prisioneiros de guerra não é um suicídio, mas um ato que afirma a liberdade do espírito humano, devido à fé na imortalidade da alma, e o desejo de se passar ao mundo dos espíritos para libertar-se das misérias da vida humana.

             Assim florescia no Japão o culto dos mortos junto à sua história, que até 1850 se achava cristalizado.  

             Na própria Itália, o culto das catacumbas foi a religião dos italianos desde os tempos dos etruscos.  

             Na aurora do Cristianismo, a religião dos espíritos proclama o antigo culto, uma veneração fervente cerca os túmulos dos mártires, nas catacumbas.

             Os santuários gregos dos tempos pré-helênicos se consagram ao culto dos mistérios, evocando os espíritos, como revelam as representações sagradas de Eleusis e de Samotracia.

             Ainda hoje o culto dos mortos floresce de tal maneira na humanidade.

             Dante fez a mais grandiosa apologia dessa crença e, afinal, esse Espiritismo tão traído, tão condenado por aqueles que não tem interesse que a verdade resplandeça e que continuemos a viver na ignorância de fórmulas retrógradas anuncia e sempre há de anunciar uma nova fé, apesar de velha tradição de que já sabemos tudo quanto nos queiram ensinar.

             Pensarão os legisladores do Santo Ofício que proibindo as práticas do Espiritismo haverão de conseguir habilmente abolir as manifestações do sobrenatural? Cremos que não; é a empresa difícil, porque a crença no sobrenatural é um fato lógico, primitivo, universal e permanente, não só na vida, mas ainda na história do gênero humano.

             Interrogar-se o gênero humano em todos os tempos, em todos os lugares e em todas as categorias sociais e sempre se encontrará alguém que acredite no sobrenatural; basta que este alguém exista para que se torne difícil extinguir a ideia: uma semente é o suficiente para que germine todo um mundo de pensamentos sobre matéria tão vasta e de tão grande proporções como o Espiritismo.”


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