O Syllabus
de Pio X
A
Redação
Reformador (FEB) Novembro 1907
O diário parisiense Le
Matin, de 29 de julho deste ano, publicou a seguinte carta do padre Hyacinthe
Loyson, reproduzida na Revue Scientifique
et Morale du Spiritisme, fascículo de Setembro:
Hei de escrever, provavelmente, algumas reflexões mais extensas
sobre o Syllabus de Pio X.
Preciso, porém, dizer, desde já, uma palavra referente a esse
ato que vai passando desapercebido no meio da indiferença desdenhosa de uns e da
aparente submissão de outros.
Depois das encíclicas de Gregório XIV e de Pio IX, depois
do Syllabus do segundo, o novo “catálogo” firma a oposição irredutível entre as
duas mentalidades antagônicas, a do papado e a da sociedade contemporânea.
Não podem, ainda que o quisessem, reconciliar-se.
Roma não pode desdizer-se, porque se o fizesse, não seria
mais Roma; perderia a infalibilidade. Se
a sociedade moderna se submetesse, voltaria ao pensamento medievo, ancilla theologiae, com esta diferença:
a serva era então sincera; hoje, seria mentirosa e covarde.
Muito padres e leigos católicos, que pensam como eu, mas
não tinham até agora gido do mesmo modo, vão chegar afinal a esta conclusão prática:
- harmonizar o procedimento com as convicções, rompendo abertamente com o
papado, que nos considera heréticos e cismáticos, quando ele é que é o grande
herético e cismático.
Esse rompimento, que se impõe, atualmente, como um dever,
encontro-o, já previsto, em livro notável, escrito, ha setenta anos, por um profeta
moderno, porque também temo-los, embora não sejam ouvidos, como não foram os de
Israel.
Lamenais acreditava, com razão, na eternidade da religião
e na eternidade do cristianismo, que é a forma superior daquela, mas, ao concluir
os Affaires de Roma, acrescentava:
“Se os homens,
urgidos pela necessidade imperiosa de reatar, por assim dizer, as suas
relações com Deus, de preencher o imenso vazio deixado pela religião, voltarem ao
cristianismo, este, fiquem certos, nunca será o que lhes apresentam com o nome
de catolicismo.
“Já
explicamos o porquê, mostrando, em futuro inevitável e muito próximo, o cristianismo
compreendido e o evangelho interpretado de um modo pelos povos e de outro modo pelo
pontificado: Roma, de um lado; do outro lado a raça humana.
“É quanto
basta...
“Cometem
desastroso erro os que pretendem dirigir o gênero humano por caminhos que o desviam
dos seus destinos.
“- Cumpre,
porém, que aconteça o que tem de acontecer e que cada um vá onde tem de ir.”
Lamenais tinha razão. É preciso que Roma vá até ao fim, até
a catástrofe que lhe prepara a sua cega e orgulhosa infalibilidade. Cumpre também
que o catolicismo liberal vá até ao fim com lealdade e lógica, afirmando o racionalismo
cristão, ou, para usar de melhores termos, o espiritualismo evangélico, única esperança
do futuro.
“A letra mata, mas o espírito vivifica”, disse S. Paulo.
Conservaremos todo o nosso amor, para as grandes verdades
e o nosso respeito aos grandes espíritos, que ainda estão nessa Igreja, onde,
outrora, vivemos; mas perseguiremos com ódio vigoroso os seus erros, o fanatismo
e, principalmente, a hipocrisia que, em nome dela, querem impor.
Diremos, como o salmista, falando, não aos homens, mas da
mentira: Perfecto odio oderam illos et
inimici facti sunt mihi. Eu os odiarei com o ódio perfeito e eles
tornaram-se meus inimigos.
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