De
direito e de fato
M. Quintão
Reformador (FEB) Outubro de
1937
Recebemos constantemente jornais, panfletos e
revistas, assinalados, em que se contêm diatribes (críticas) mais ou menos estultas (insensatas) e aleivosias (fraudes) transparentes, bolsadas à doutrina espiritista
e aos seus adeptos.
Adivinhamos a intenção dos remetentes, quase
sempre anônimos, a presumir neles o amor da verdade e um justíssimo
zelo de causa, que só pode suscitar apreço.
Nada obstante, quiséramos de uma vez por todas
acentuar que essa campanha é velha quanto inócua e não deve ser, em boa tese,
considerada um malefício capaz de alterar o desenvolvimento normal da doutrina,
que, de direito e de fato, não nos pertence, porque é de Jesus.
A crença, qualquer crença, se bem o
considerarmos, corresponde menos a quaisquer sistematizações de ideias
preconcebidas e de plano inculcadas, do que a um estado de consciência intrínseco,
ou, seja, aptidão psíquica e patrimonial, que traduzimos por capital realizado do Espírito em
evolução.
Querer galvanizar na sequência dos séculos um
sistema religioso ou filosófico é absurdo que atenta contra a
verdade histórica de toda a nossa chamada civilização.
As religiões são meios ocasionais, transitórios,
de progresso e nunca finalidades definitivas e acabadas no tempo e no espaço.
Como tais, podem elas justificar se em função
de um periodismo relativo, mas nunca, jamais, impedir a ascese e o ritmo da
evolução global, providencial e indefinita.
A recalcitrância na exação (exigência) dessa lei, em função de um livre arbítrio
parcial, mas, sotoposto (posto
por baixo)
sempre a um determinismo superior, pelo enquadrar tiranias abomináveis e até crimes
ignóbeis - quais o registra o sectarismo fanático de todos os tempos e matizes,
não deixa de, em sentido mais lato, corresponder àqueles meios reparadores que a Providência utiliza para o
progresso do Espírito na trama das reencarnações sucessivas. E são assim, de
paralelo, aqueles escândalos necessários,
propiciados ao resgate do último centil.
Em armadilhas de lobo só caem
lobos
- disse Jesus: de sorte que, entrevistos pelo prisma da nossa confissão genuinamente
evangélica, esses pobres foliculários (jornalistas) que julgam poder arrasar consciências e
modelar prosélitos à força de contumélias (desfeitas) e baldões (trabalhos sem utilidade), não passam mesmo de meros visionários,
enquadrados a preceito no capítulo dos cegos condutores de cegos, destinados ao
barranco.
E acompanha-los nos seus processos já não
seria, então, apenas, ombrear com eles na inópia ou na maldade,
para negarmos de público o fundamento de fé evangélica e uma superioridade
moral imprescindente aos nossos atos, mas perder de sobejo um tempo e vasa (vazante) preciosos na edificação do próximo. Quanto de
nós mesmos.
Abstração feita do cunho individual, variável
ao infinito, podemos classificar em duas categorias os antagonismos da
Revelação Espírita: - conscientes e inconscientes.
Entre os primeiros, destacam-se pela
desenvoltura e filáucia (amor
desmedido de si próprio) das
atitudes, os sacerdotes católicos e protestantes, empatranhados (repleto de mentiras) nos seus dogmas caducários (caducas) e ciosos de um regalismo (interferência de ‘reis’ nas religiões) tradicional. Misoneistas (hostis para com o novo), oportunistas, por índole e por hábito.
Jogando de mão a partida com os naipes da
ingenuidade e negligência humanas, entretendo e explorando essa quase
indiferença das massas por tudo que não diz com a solução do problema biofísico
- (Voltaire já dizia que três quartos do gênero humano não se preocupam com o ser
pensante) - é de ver-se lhes, a sequela dos acomodatícios, que não creem muito
nem pouco mas caminham de plano e defendem, unguibus
et rostro (com
garras e bico),
as posições conquistadas.
A esses que tais, inútil fora o tentar de
qualquer forma convencê-los. São os cegos
que não querem ver, e nós outros sabemos que nem Deus em sua onipotência
violenta o livre arbítrio da criatura. Só o tempo provido de experiência amarga
e sofrimentos longos poderá desbastar lhes a ganga do orgulho, estratificado e cultivado de muitas gerações.
Quanto aos outros, os da segunda categoria, ou,
sejam, precisamente, os componentes da massa a que nos referimos, será lícito
esclarece-los, trabalhar por eles e para eles, sem contudo os escandalizar com
a intransigência e a severidade de nossas atitudes, como quem sabe que tudo vem
a seu tempo e tem uma razão de ser. Mais: como quem sabe que só Deus tem o
poder de fazer das pedras filhos de
Abraão.
Não haverá, supomos, um só confrade consciencioso,
capaz de negar seja Jesus o Pastor do rebanho, cuias
ovelhas se hão de salvar sem perda de uma só. Dizendo ele que o pegureiro (pastor)
deixaria as ovelhas sãs para curar a doente e tresmalhada, nós outros, ovelhas convalescentes e que mal
ensaiamos os primeiros passos de retorno ao Aprisco, não devemos objurgar os que, nossos
comparsas de ontem, hoje nos detraem, mesmo os de má fé, que são por isso mesmo
os mais lastimáveis.
O Amor, só o Amor edifica, e, se a triste e
grande verdade é que nós, que tanto o apregoamos, ainda o não temos para
recompensar aos nossos inimigos, compreendamos, entretanto, a necessidade de
uma indulgência razoável, como premissa de fidelidade à palavra que diz; - amai aos vossos inimigos; fazei o bem aos
que vos odeiam; orai pelos que vos perseguem e caluniam (Mt. CV-44).
Ao invés, portanto, de torneios literários em
revides e pegadilhas, uma prece, uma
vibração de amor é o que
devemos reservar aos nossos pervicazes (teimosos) agressores. E não esquecer, ao demais, que
eles são preciosos auxiliares do nosso progresso real, com o facultar-nos o ensejo
de praticar, de fato, a Caridade, que tanto apregoamos de direito.
A humanidade contemporânea, em labores de
acelerada transição, está referta de teorias, de simbologias e
ficções balefas (amplas,
largas): e se o Espiritismo é,
iniludivelmente, a Ciência cheia da Vida e a Religião da Verdade, não devem
seus adeptos rebater na incude (bigorna) das paixões, que tem forjado e forjam ao
presente, mais talvez que nunca, a desgraça do mundo.
De resto, será essa uma cavilosa (ardilosa) tática dos nossos invisíveis quão argutos
inimigos, tendente a despertar e a entreter com discrimes (traduções) e polêmicas menos edificantes os nossos mal
extintos pruridos de homem velho.
A luta, bem o sabemos, é necessária e até
indispensável. No campo fecundo dos idealismos, é nela e por ela
que acendramos (purificamos) a fé e aclaramos a razão; mas, convenhamos em
que as nossas armas só lograrão triunfos definitivos, se modeladas na têmpera
evangélica.
Espalhar a semente onde a charrua da dor haja
revolvido a terra, regá-la de exemplos é dever de todos nós, precípuo, inelutável;
a fecundação e germinação da semente, porém, pertencem ao Senhor da Seara que,
só Ele, penetra o sacrário das consciências e lhes gradua a luz divina, sem
agravo de maiores responsabilidades.
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