A propósito de um centenário Darwiniano (*)
Dr. Cristóforo Postiglioni
Reformador (FEB) Maio 1959
Na
confusão dos acontecimentos atuais, o homem da rua esquece que neste ano de
1959 se comemora o centenário de uma obra que revolucionou o pensamento da
época, constituindo luminoso marco do progresso das ciências humanas.
“A
Origem das Espécies” (The Origin of Species) é o nome com que esta obra passou
à imortalidade juntamente com onze outras posteriores, nas quais o leit-motiv (tema, motivo) é a evolução, a ontogenia (desenvolvimento de um indivíduo desde
a concepção até a maturidade), a filogenia (história
evolutiva de uma espécie), a adaptação ao
meio, as variações, a seleção natural e outras questões biológicas anexas.
O
autor deste monumental e revolucionário repositório de teorias e fatos científicos
foi CarIos Roberto (Charles Robert) Darwin, cujo sesquicentenário de nascimento
se verificou em Fevereiro p. passado.
Cerca
de um ano antes do aparecimento da mencionada obra, a 1º de Julho de 1858,
Darwin (1809-1884) e Alfredo Russel Wallace (1822- 1913) que haviam chegado
independentemente a idênticas conclusões, anunciaram, em conjunto, a teoria da
evolução das espécies por meio da seleção natural, fato que representou um
grande passo nos conhecimentos humanos, comparável à descoberta da lei da
gravitação por Newton.
Wallace,
jovem naturalista que se vinha correspondendo com Darwin, é quem praticamente
obrigou o colega a revelar-se. Havia muito que Darwin vinha empreendendo seus
estudos acerca da origem das espécies, assunto que igualmente entusiasmava
aquele outro notável investigador, mas, conforme suas próprias palavras
posteriores, preocupava-se tanto em evitar os preconceitos da época, que
resolvera, ao menos por algum tempo, não esboçar o mais breve esquema de suas
ideias evolucionistas. Um ano antes do célebre comunicado ao mundo científico,
recebera ele uma carta de Wallace, na qual este (que já havia escrito, em 1855,
uma obra relativa às suas próprias investigações em torno da origem das
espécies) lhe delineava a teoria da seleção natural, fato que tem seu
testemunho numa carta que o próprio Darwin remetera a seu amigo Gray (5 de
Setembro de 1857). Tudo isto surpreendeu vivamente o pai do darwinismo,
animando-o a revelar publicamente a importante descoberta, o que foi feito,
solidariamente, pelos dois ilustres naturalistas, ao mesmo tempo.
Não
é nosso intento deambular pelos caminhos percorridos pela Biologia, bela
companheira nossa mas o de destacar que existe um paralelismo eloquente, em que vemos
um sinal do Alto, no nascimento, no desenvolvimento e na vida de duas obras e
de dois homens. Geradas quase ao mesmo tempo, “Origem das Espécies" e
"O Livro dos Espíritos", ambas levantaram contra si uma verdadeira
guerra, pois vinham demolir intocáveis bastilhas de prejuízos e interesses
enraizados. Uma procurou dar luz a questões concernentes ao mundo físico,
exterior, do homem e seu meio; a outra, verdadeira bíblia laica, veio dar o testemunho da
realidade do mundo interno do homem, do mundo espiritual. Uma atendia à
evolução filogenética (ramo da biologia
que estuda a evolução das espécies de forma global. O objetivo desta disciplina
é conhecer a história evolutiva dos organismos vivos) do homem, e a outra explicava para que
e porque evolucionava o ser corporizado no invólucro humano, e bem assim os seres inferiores, seus irmãos.
Uma é a melodia da evolução; a outra, a sinfonia mesma da evolução criadora corpo-espírito,
traduzindo as leis divinas e eternas.
A
doutrina evolucionista vem pelo menos de Anaximandro (século VI a. C.) e foi
aceita por muitos grandes espíritos da antiguidade, mas só com Darwin e Wallace
ela adquiriu foros mundiais de verdade demonstrada. Assim também, a doutrina e
os fenômenos espíritas, conhecidos desde tempos imemoriais, só adquiriram conceituação
racional e científica com Allan Kardec.
Evolucionismo
e Espiritismo são, à luz das conquistas humanas, dois aspectos de uma mesma
questão. Ambos atraíram as iras de ilustres homens pertencentes à Igreja e à Ciência
acadêmica, porém, tanto Darwin quanto Kardec não desceram do terreno superior
em que suas inteligências milenárias os obrigavam a permanecer. Detratores
violentos foram cedendo e continuado es eméritos vieram dar mais lustre às suas
obras capitais.
“A
Origem das Espécies”, cuja influência no pensamento moderno foi sumamente
relevante, encontrou no Espiritismo imediata compreensão, tanto que o seu
genial Codificador, Allan Kardec, procurou relacionar a evolução orgânica ao
plano do Espírito, como se segue:
“O
Espírito não chega a receber a iluminação divina, que lhe dá, simultaneamente
com o livre arbítrio e a consciência, a noção de seus altos destinos, sem haver
passado pela série divinamente fatal dos seres inferiores, entre os quais se
elabora lentamente a obra da sua individualidade.” (Allan Kardec, “A Gênese”,
1868, cap. VI, § 19.)
Antes
mesmo de surgir o ruidoso livro de Darwin – “A Descendência do Homem” (1871),
que levantou grande celeuma e agitou contra si toda a teologia do mundo
contemporâneo, obra em que o autor demonstrava ser a raça humana originalmente
descendente de algum ancestral simiesco há muito tempo extinto, mas que provavelmente
teria sido antepassado comum dos antropóides existentes e do homem, já Kardec doutrinava em 1869:
“Ainda
que isso lhe fira o orgulho, tem o homem que se resignar a não ver no seu corpo
material mais do que o último anel da animalidade na Terra. Aí está o inexorável
argumento dos fatos, contra o qual seria inútil protestar.” (“A Gênese”, cap.
X. § 29)
O
Catolicismo e o Protestantismo foram duramente afetados pelos progressos revolucionários
que a Ciência e a Terceira Revelação trouxeram ao mundo. A fé tradicional, a fé
dogmática, que afirmava a Criação partindo do nada, que a limitava nos seis
dias bíblicos, numa interpretação inteiramente literal, entrou em declínio. “Foi,
sem dúvida. - escreveu o Prof. Edward McNall Burns da Rutgers University - a
hipótese de Darwin o progresso científico que determinou os mais profundos
efeitos na religião”, originando o movimento conhecido por modernismo, incrementando,
podemos acrescentar, o próprio materialismo, já que aquelas religiões não
podiam fornecer respostas racionais às indagações dos Intelectuais, o que seria
obstado se eles tivessem conhecido a nova Filosofia religiosa que despontara ao
mesmo tempo.
Muitos
clérigos jovens aceitam a doutrina evolucionista, mas foram severamente
admoestados, e um deles, o padre Jorge Tyrrell, que até pregava a adaptação do Catolicismo
ao progresso crescente da cultura geral, foi excomungado pelo papa Pio X, que,
também se dirigindo ao clero em geral, proibiu a este aceitasse as ideias
daquele sacerdote. A Igreja, porém, foi forçada à adaptação, que lenta e
amplamente tem sido levada a efeito, havendo atingido com Pio XII um grau
bastante significativo, papa que, afinal, permitiu o estudo do evolucionismo.
Mencionamos
atrás o nome de Alfredo Russel Wallace e a sua sábia contribuição à teoria
evolucionista, continuada através de várias obras sobre o mesmo assunto, sendo
que numa delas - "Contributions to the
Theory of Natural Selection”, London, 1870, ele mostrou como certos fatos,
poderiam ser explicados pela ação dos Espíritos, porquanto a Seleção Natural
não os conseguia elucidar. “Entretanto - escreveu, mais tarde, o grande
naturalista (“Miracles and Modern Spiritualism”
London, 1876) - emiti esta opinião anfibologicamente, (A anfibologia é considerada um vício de
linguagem que vem a ser, na lógica e na linguística moderna, um sinônimo de
ambiguidade, isto é, a duplicidade de sentido em uma construção sintática. Um
enunciado é ambíguo e, portanto, anfibológico quando permite mais de uma
interpretação.) e expus eu mesmo
as objeções a que ela estava sujeita. Desde, porém, que me convenci da verdade
do Espiritismo, tenho sustentado que esta doutrina é a única que pode dar a
explicação de certos fenômenos, sem ser, por isto, contrária à grande teoria da
Evolução por meio da Seleção Natural.”
Aliando
o Espiritismo ao Evolucionismo, Wallace atraiu para si o desdém de alguns
cientistas amigos, e sua reputação de grande naturalista e filósofo chegou até
mesmo a ficar ameaçada.
Nada,
porém, o demovem de suas novas ideias, baseadas em fatos cientificamente verificados,
o que o levou a divergir de Darwin e a orientar no sentido espiritualista seus
trabalhos sobre a seleção natural dos animais considerando que forças invisíveis
também intervinham no desenvolvimento da espécie humana com objeto e fins
determinados.
Darwin,
WaIlace e Kardec formam, assim, o trio de gigantes que em meados do século
passado alargaram e aprofundaram os horizontes do conhecimento humano, abalando
e demolindo arraigadas e rançosas concepções seculares, para sobre elas
alicerçarem um mundo mais belo é verdadeiro.
Estas
singelas reflexões por certo nos incentivam a cumprir melhor os deveres que
temos para com a Doutrina codificada por Allan Kardec, a fim de que seus
fundamentos sejam mais e mais reconhecidos em seus justos valores e na sua real
importância subsidiária para as investigações da chamada psicologia
experimental, por exemplo, bem como da evolução, que, sem a contribuição da
escola espírita, como Geley a denomina, continuará encerrada nos programas de
Filosofia e de Biologia, no desconhecimento da
página mais importante para a criatura
humana: o Espírito imortal.
Aí
está nossa homenagem e nosso reconhecimento a Darwin, na oportunidade do 1º
centenário de sua obra máxima, muito irmanada, por seus objetivos altamente
progressistas, à que Kardec publicara um ano antes, obras que para o espiritismo
representam as duas faces de uma mesma medalha, numa das quais está gravado
- EVOLUÇÃO ORGÂNICA - e, na outra:
EVOLUÇÃO ESPIRITUAL.
(*) do Blog: 2020 – 1859 = 161 anos...
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