quinta-feira, 19 de março de 2020

A propósito de um centenário Darwiniano






A propósito de um centenário Darwiniano (*)
Dr. Cristóforo Postiglioni
Reformador (FEB) Maio 1959

            Na confusão dos acontecimentos atuais, o homem da rua esquece que neste ano de 1959 se comemora o centenário de uma obra que revolucionou o pensamento da época, constituindo luminoso marco do progresso das ciências humanas.

            “A Origem das Espécies” (The Origin of Species) é o nome com que esta obra passou à imortalidade juntamente com onze outras posteriores, nas quais o leit-motiv (tema, motivo) é a evolução, a ontogenia (desenvolvimento de um indivíduo desde a concepção até a maturidade), a filogenia (história evolutiva de uma espécie), a adaptação ao meio, as variações, a seleção natural e outras questões biológicas anexas.

            O autor deste monumental e revolucionário repositório de teorias e fatos científicos foi CarIos Roberto (Charles Robert) Darwin, cujo sesquicentenário de nascimento se verificou em Fevereiro p. passado.

            Cerca de um ano antes do aparecimento da mencionada obra, a 1º de Julho de 1858, Darwin (1809-1884) e Alfredo Russel Wallace (1822- 1913) que haviam chegado independentemente a idênticas conclusões, anunciaram, em conjunto, a teoria da evolução das espécies por meio da seleção natural, fato que representou um grande passo nos conhecimentos humanos, comparável à descoberta da lei da gravitação por Newton.

            Wallace, jovem naturalista que se vinha correspondendo com Darwin, é quem praticamente obrigou o colega a revelar-se. Havia muito que Darwin vinha empreendendo seus estudos acerca da origem das espécies, assunto que igualmente entusiasmava aquele outro notável investigador, mas, conforme suas próprias palavras posteriores, preocupava-se tanto em evitar os preconceitos da época, que resolvera, ao menos por algum tempo, não esboçar o mais breve esquema de suas ideias evolucionistas. Um ano antes do célebre comunicado ao mundo científico, recebera ele uma carta de Wallace, na qual este (que já havia escrito, em 1855, uma obra relativa às suas próprias investigações em torno da origem das espécies) lhe delineava a teoria da seleção natural, fato que tem seu testemunho numa carta que o próprio Darwin remetera a seu amigo Gray (5 de Setembro de 1857). Tudo isto surpreendeu vivamente o pai do darwinismo, animando-o a revelar publicamente a importante descoberta, o que foi feito, solidariamente, pelos dois ilustres naturalistas, ao mesmo tempo.

            Não é nosso intento deambular pelos caminhos percorridos pela Biologia, bela companheira nossa mas o de destacar que existe um paralelismo eloquente, em que   vemos um sinal do Alto, no nascimento, no desenvolvimento e na vida de duas obras e de dois homens. Geradas quase ao mesmo tempo, “Origem das Espécies" e "O Livro dos Espíritos", ambas levantaram contra si uma verdadeira guerra, pois vinham demolir intocáveis bastilhas de prejuízos e interesses enraizados. Uma procurou dar luz a questões concernentes ao mundo físico, exterior, do homem e seu meio; a outra, verdadeira bíblia laica, veio dar o testemunho da realidade do mundo interno do homem, do mundo espiritual. Uma atendia à evolução filogenética (ramo da biologia que estuda a evolução das espécies de forma global. O objetivo desta disciplina é conhecer a história evolutiva dos organismos vivos) do homem, e a outra explicava para que e porque evolucionava o ser corporizado no invólucro humano, e bem assim os seres inferiores, seus irmãos. Uma é a melodia da evolução; a outra, a sinfonia mesma da evolução criadora corpo-espírito, traduzindo as leis divinas e eternas.

            A doutrina evolucionista vem pelo menos de Anaximandro (século VI a. C.) e foi aceita por muitos grandes espíritos da antiguidade, mas só com Darwin e Wallace ela adquiriu foros mundiais de verdade demonstrada. Assim também, a doutrina e os fenômenos espíritas, conhecidos desde tempos imemoriais, só adquiriram conceituação racional e científica com Allan Kardec.

            Evolucionismo e Espiritismo são, à luz das conquistas humanas, dois aspectos de uma mesma questão. Ambos atraíram as iras de ilustres homens pertencentes à Igreja e à Ciência acadêmica, porém, tanto Darwin quanto Kardec não desceram do terreno superior em que suas inteligências milenárias os obrigavam a permanecer. Detratores violentos foram cedendo e continuado es eméritos vieram dar mais lustre às suas obras capitais.

            “A Origem das Espécies”, cuja influência no pensamento moderno foi sumamente relevante, encontrou no Espiritismo imediata compreensão, tanto que o seu genial Codificador, Allan Kardec, procurou relacionar a evolução orgânica ao plano do Espírito, como se segue:     

            “O Espírito não chega a receber a iluminação divina, que lhe dá, simultaneamente com o livre arbítrio e a consciência, a noção de seus altos destinos, sem haver passado pela série divinamente fatal dos seres inferiores, entre os quais se elabora lentamente a obra da sua individualidade.” (Allan Kardec, “A Gênese”, 1868, cap. VI, § 19.)

            Antes mesmo de surgir o ruidoso livro de Darwin – “A Descendência do Homem” (1871), que levantou grande celeuma e agitou contra si toda a teologia do mundo contemporâneo, obra em que o autor demonstrava ser a raça humana originalmente descendente de algum ancestral simiesco há muito tempo extinto, mas que provavelmente teria sido antepassado comum dos antropóides existentes e do homem, já Kardec doutrinava em 1869:

            Ainda que isso lhe fira o orgulho, tem o homem que se resignar a não ver no seu corpo material mais do que o último anel da animalidade na Terra. Aí está o inexorável argumento dos fatos, contra o qual seria inútil protestar.” (“A Gênese”, cap. X. § 29)

            O Catolicismo e o Protestantismo foram duramente afetados pelos progressos revolucionários que a Ciência e a Terceira Revelação trouxeram ao mundo. A fé tradicional, a fé dogmática, que afirmava a Criação partindo do nada, que a limitava nos seis dias bíblicos, numa interpretação inteiramente literal, entrou em declínio. “Foi, sem dúvida. - escreveu o Prof. Edward McNall Burns da Rutgers University - a hipótese de Darwin o progresso científico que determinou os mais profundos efeitos na religião”, originando o movimento conhecido por modernismo, incrementando, podemos acrescentar, o próprio materialismo, já que aquelas religiões não podiam fornecer respostas racionais às indagações dos Intelectuais, o que seria obstado se eles tivessem conhecido a nova Filosofia religiosa que despontara ao mesmo tempo.

            Muitos clérigos jovens aceitam a doutrina evolucionista, mas foram severamente admoestados, e um deles, o padre Jorge Tyrrell, que até pregava a adaptação do Catolicismo ao progresso crescente da cultura geral, foi excomungado pelo papa Pio X, que, também se dirigindo ao clero em geral, proibiu a este aceitasse as ideias daquele sacerdote. A Igreja, porém, foi forçada à adaptação, que lenta e amplamente tem sido levada a efeito, havendo atingido com Pio XII um grau bastante significativo, papa que, afinal, permitiu o estudo do evolucionismo.

            Mencionamos atrás o nome de Alfredo Russel Wallace e a sua sábia contribuição à teoria evolucionista, continuada através de várias obras sobre o mesmo assunto, sendo que numa delas - "Contributions to the Theory of Natural Selection”, London, 1870, ele mostrou como certos fatos, poderiam ser explicados pela ação dos Espíritos, porquanto a Seleção Natural não os conseguia elucidar. “Entretanto - escreveu, mais tarde, o grande naturalista (“Miracles and Modern Spiritualism” London, 1876) - emiti esta opinião anfibologicamente, (A anfibologia é considerada um vício de linguagem que vem a ser, na lógica e na linguística moderna, um sinônimo de ambiguidade, isto é, a duplicidade de sentido em uma construção sintática. Um enunciado é ambíguo e, portanto, anfibológico quando permite mais de uma interpretação.) e expus eu mesmo as objeções a que ela estava sujeita. Desde, porém, que me convenci da verdade do Espiritismo, tenho sustentado que esta doutrina é a única que pode dar a explicação de certos fenômenos, sem ser, por isto, contrária à grande teoria da Evolução por meio da Seleção Natural.”

            Aliando o Espiritismo ao Evolucionismo, Wallace atraiu para si o desdém de alguns cientistas amigos, e sua reputação de grande naturalista e filósofo chegou até mesmo a ficar ameaçada.

            Nada, porém, o demovem de suas novas ideias, baseadas em fatos cientificamente verificados, o que o levou a divergir de Darwin e a orientar no sentido espiritualista seus trabalhos sobre a seleção natural dos animais considerando que forças invisíveis também intervinham no desenvolvimento da espécie humana com objeto e fins determinados.

            Darwin, WaIlace e Kardec formam, assim, o trio de gigantes que em meados do século passado alargaram e aprofundaram os horizontes do conhecimento humano, abalando e demolindo arraigadas e rançosas concepções seculares, para sobre elas alicerçarem um mundo mais belo é verdadeiro.

            Estas singelas reflexões por certo nos incentivam a cumprir melhor os deveres que temos para com a Doutrina codificada por Allan Kardec, a fim de que seus fundamentos sejam mais e mais reconhecidos em seus justos valores e na sua real importância subsidiária para as investigações da chamada psicologia experimental, por exemplo, bem como da evolução, que, sem a contribuição da escola espírita, como Geley a denomina, continuará encerrada nos programas de Filosofia e de Biologia, no desconhecimento da
página mais importante para a criatura humana: o Espírito imortal.

            Aí está nossa homenagem e nosso reconhecimento a Darwin, na oportunidade do 1º centenário de sua obra máxima, muito irmanada, por seus objetivos altamente progressistas, à que Kardec publicara um ano antes, obras que para o espiritismo representam as duas faces de uma mesma medalha, numa das quais está gravado
- EVOLUÇÃO ORGÂNICA - e, na outra: EVOLUÇÃO ESPIRITUAL.

(*) do Blog: 2020 – 1859 = 161 anos...

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