Em prol da boa leitura
Romeu A. Camargo
Reformador (FEB) Julho 1925
Peço a vossa paciente e
caridosa atenção para estas linhas, cuja extensão não vos assuste. Muita vez a
magnitude do assunto não permite laconismo. Falo-vos sob o influxo do mais
sincero afeto fraternal.
Estais satisfeitos com
as verdades ensinadas pelo Espiritismo e com as consolações que elas vos
proporcionam nos momentos de angústia? Posso garantir afirmativa a vossa
resposta. A doutrina da “Fé, Esperança e Caridade” só produz paz, amor e
justiça, eternos eflúvios da Misericórdia e da Justiça do Criador. Quem vos fala
tem a autorizada apenas da experiência, cimentada por largos anos de
aprendizagem religiosa, em três etapas: vinte anos no Catolicismo Romano, vinte
e dois no Protestantismo e um ano e oito meses no Espiritismo.
Do mesmo modo que vós,
não ignoro que todas as religiões rumam para o mesmo fim: a retidão da conduta
do homem. O Cristianismo, com a sua moral superior à das outras religiões, tem
por objetivo a melhoria da conduta, ao mesmo tempo que aponta para um fim ainda
mais elevado: o aperfeiçoamento da personalidade espiritual na vida vindoura,
onde o homem continuará a caldear as suas aptidões no fogo purificador da
provação, proporcional à conduta da vida terrena, de acordo com o critério
fixado pelo Mestre: a cada um segundo as
suas obras.
Todos os homens anseiam
pela felicidade, por cuja conquista estão dispostos a fazer os maiores
sacrifícios. É o Espiritismo que os auxilia poderosamente na consecução desse
grande ideal, porque o Espiritismo “é, no ponto de vista da Fenomenologia, a
psicologia experimental em sua integralidade porque abrange o estudo da alma
durante e após a morte.” Dellane, ‘O Espiritismo ante da Ciência.’
A doutrina do Cristo,
fonte de luz e de verdade, distingue-se da ensinada pelas confissões
dogmáticas, neste particular: proclamando a paternidade universal de Deus, não
pode consentir no provincialismo que se pretende estabelecer, em nome de Deus,
nos domínios do Amor. “O meu preceito é este: que vos ameis uns aos outros como
eu vos amei.” Tal a essência do Cristianismo. (João XV, 2). Ser discípulo do
Cristo não significa filiar-se alguém a um determinado agrupamento religioso ou
filosófico-religioso, mas tornar-se executor de sua vontade, que é a vontade de
Deus, revelada ao homem e que se acha consubstanciada neste preceito: que nos
amemos mutuamente. O exagero do ensino dogmático vai ao ponto de considerar
digno do Reino, apenas, tão somente, aqueles que satisfizerem às exigências do
ritualismo oficial: agregar-se a certa denominação religiosa, ser batizado com
água, frequentar os cultos, participar da Eucaristia material e pagar o dízimo
= geralmente o dízimo do dízimo, porque raríssimo é aquele que abre
liberalmente a sua bolsa ou o seu cofre para socorrer os necessitados. Eis o
erro capital do sectarismo: restringir a felicidade futura dos membros de um
partido. Era o erro fundamental do Judaísmo.
Cabe ao Espiritismo a
sublime missão de instruir a todos os credos cujos profitentes vivem desorientados
pela falsa visão projetada por esse regionalismo. Aprouve à Providência
conceder ao século XIX a Terceira Revelação das verdades a serem confiadas ao
homem, de acordo com a promessa do Mestre: -Eu tenho ainda muitas coisas que
vos dizer, mas vós não as podeis suportar agora. Quando vier, porém, o Espírito
da verdade, ele vos ensinará todas as verdades, porque não falará de si mesmo,
mas dirá tudo o que tiver ouvido e anunciar-vos-á as coisas que estão por vir. (1)
Roustaing, O Quatro Evangelhos, vol II, nº 99.
É que, naquela época, a
receptividade do homem não estava em condições - moral e intelectual - de
suportar o peso das verdades complementares, isto é, que completariam o ensino
iniciado pelo divino Mestre. Tal o pensamento encerrado nessas expressões e reconstruído
pela verdadeira exegese, segundo a mais rigorosa aplicação das regras da hermenêutica.
A Reforma do século XVI
foi o movimento precursor da Nova Revelação, como precursor foi o trabalho de
João Batista comparado com o do Cristo. Amanhado o terreno pelo Protestantismo com
a sua ação moralizadora, em suas múltiplas atividades por meio de igrejas,
escola dominical, escolas populares, associação cristã de moços - eis que os mensageiros
do Senhor, encarnados e desencarnados, aí estão em grande atividade, convidando
os homens de boa vontade a executar a obra insuflada pela vontade de Deus Pai:
a confraternização dos homens, ainda separados por partidos religiosos que se digladiam
em lutas intermináveis, cada um dos quais disputar a posse da chave da Céu.
Grande
e grave responsabilidade pesa sobre os espíritas no desempenho da sua missão,
que reclama o concurso de toda a sua alma, de toda a. sua inteligência, de todo
o seu coração, de todas as suas forças. Essa responsabilidade decorre do próprio
ensine de Jesus, inspiradamente interpretado pelos Espíritos de Luz: “Vosso próximo,
qualquer ele seja, conhecido ou desconhecido, amigo ou inimigo, é vosso irmão
ou inimigo, é vosso irmão, pois que é filho do mesmo Pai que está nos Céus. Por
toda a parte e sempre, em todas as circunstâncias, colocai-vos em seu lugar afim
de procederdes com ele como quereríeis que ele procedesse convosco. Assim,
nunca digais os façais o que não queirais que ele diga ou faça com relação a vós.
Ao contrário, dizei ou fazei, do ponto de vista do que for bom ou justo na
ordem material, moral e intelectual, tudo o que quereríeis que, invertidas as
posições, ele dissesse ou fizesse por vós, praticando a caridade material e moral
em toda a extensão do vosso poder, de vossos meios e de vossas faculdades, pela
palavra e pelos atos e sob todas as formas: com o coração, com a boca, com os
braços e com a inteligência.” Roustaing,
Os Quatro Evangelhos, vol. II nº 99.
Sim, urge que sintamos realmente
simpatia por aqueles cuja alma se debate nas mais tristes solidões da dúvida e
do desespero; que exercitemos a caridade material e moral, auxiliando-os com
palavras aquecidas por sentimentos de fraternidade e solidariedade nas duras
provações e privações por que estão passeando; que, movidos pelo sentimento da
caridade cristã, concorramos com as luzes do ensino, capazes de romper o véu da
ignorância que tenebrisa a alma de nosso próximo. Quais discípulos dispostos à
obediência, procuremos praticar a divina obra de acalmar as dores de uma alma
que sofre na escuridão do erro. Divinus
opus est sedure dolorem.
Falo por experiência.
Escutai-me prezados irmãos espíritas.
Durante muito tempo
senti eu grandes dúvidas, que me agoniavam a alma, causadas pela doutrina da predestinação divina, segundo a qual Deus antes de toda a eternidade (!) predestinara,
por sua soberania, (!), o número daqueles que deviam ser salvos do fogo eterno,
Essa doutrina, endossada pelos erros teológicos de Calvino, é flagrante negação
do livre-arbítrio, pala razão lógica de que, onde, não há liberdade não pode haver responsabilidade.
Consultei a Teologia Presbiteriana (calvinista) que prega essa doutrina;
estudei a Wesleyliana, (metodista) que não segue a mesma orientação. Forçoso é confessar:
minha alma oscilava entre Scylla e Charibdess, porquanto, abeberados na mesma
fonte – a Bíblia - os wesleyanos desentrosam completamente o sistema doutrinário
arquitetado pelos teólogos presbiterianos ou calvinistas. Para ser coerente, como
presbiteriano e, principalmente como diácono eleito e ordenado pela Egreja Presbiteriana
Independente de S. Paulo (a maior do Brasil), com cerca de 800 membros
professos, precisava crer nessa doutrina. Não me era possível submeter o raciocínio
a uma crença que asfixia a liberdade de consciência e de pensamento.
Impelido pela lei fatal
da dinâmica dos sentimentos - porque religião é sentimento e não convencionalismo
– entreguei-me à meditação e à análise desse ponto controvertido. Quereis saber
onde fui encontrar a solução do problema? Eu vo-lo direi com toda a franqueza:
no Espiritismo! As brilhantes páginas de Kardec, de Denis, de Delanne, etc., projetaram
luz em meu espírito, ensinando-me que Deus, por Sua presciência e omnisciência,
não predestinará este ou aquele para a felicidade, porque predestinar é escolher,
é preferir, é parcializar; o Deus de que nos fala o Evangelho não é parcial, porque
é a Perfeição Infinita. Salvos da condenação do erro serão todos os homens, eis
o que nos refere o Cristo, o enviado de Deus. Norteado pelos clarões esplendentes
da Lógica: eis-me no começo da luminosa estrada do
Raciocínio, a contemplar as belezas e harmonias do Universo, belezas e
harmonias que constituem a origem e a finalidade de toda a criação!
Acossado pela angústia
do tempo. Pela natureza da minha atividade profissional, não raro me sentia
impedido de compulsar as citadas obras divulgadora do Espiritismo (isto em fins
de 1923). Graças à benevolência de alguns amigos espíritas, entreguei-me à
leitura de alguns periódicos (“Reformador”, “Verdade e Luz”, “Aurora”,
“Clarim”). Foram os quatro primeiros órgãos que conheci. Sou-lhes imensamente
grato pelos benefícios que me vêm proporcionando nestes vinte meses de estudos
espíritas. Muitas interrogações, que fervilhavam em meu espírito, tem sido respondidas
cabalmente pelas adestradas penas que fulgem nas colunas desses periódicos,
como se um micróbio interrogante houvesse invadido o espírito de grande número
de famintos que, como eu, estivessem procurando avidamente o alimento
necessário. Nas colunas desses órgãos são esflorados e desenvolvidos os
assuntos de vital importância para quem procura conhecer a verdade religiosa, a
verdade filosófica e a verdade científica. Alguns amigos meus, a quem
proporcionei a leitura desses periódicos, tiveram também dissipadas suas
dúvidas. Por seus redatores e
colaboradores, essas forças vivas do pensamento realizam a vontade do mestre: “Antes, luza a vossa luz diante dos homens;
que eles vejam as vossas boas obras e glorifiquem o vosso Pai que está nos Céus.”
***
Foi no campo do
Espiritismo que se desfizeram todas as dúvidas que revoluteavam em meu
Espírito, varridas todas pelo sopro da verdade, consoante a advertência do
grande propagador da Fé: “Nada podemos
contra verdade, senão pela verdade.”
Amigos! Vós e eu
recebemos um talento que não deve nem pode ficar improdutivo. Combatamos todos
o egoísmo e o orgulho, pólos em torno de cujo eixo giram as aspirações do
mundanismo. Pela palavra temos
pregado o amor a Deus e ao próximo. Dizem os espíritos de Luz que os tempos são
chegados. Toca-nos a vez de “fazemos ao nosso próximo aquilo que desejaríamos
que ele nos fizesse.”
Não podemos, talvez,
desenvolver a atividade que desejaríamos, para proclamar as grandezas do amor de nosso Pai que está nos céus; não nos será tão fácil
o contato om aquelas pessoas por quem nos interessamos, a distância, a hora, a
ocasião, essas circunstâncias todas não se subordinam à nossa vontade. Há,
porém, um meio fácil e eficaz de podermos irradiar as alegrias e as consolações
que fruímos presentemente: proporcionemos a essas pessoas a leitura dos órgãos espiritistas! Maiores
alegrias vibrarão dentro e nós, se delas participarem os nossos semelhantes.
Dizem que o mundo está perdido, que o mundo não vale nada. São palavras que
nada exprimem, senão o amoralismo de quem só considera a materialidade da vida.
O orgulho, a avareza e a sensualidade aí campeiam desatreladamente, não porque
mundo seja mal mas porque nem todos os homens querem melhorar a sua conduta.
Pela prática dessas fraquezas estão eles crucificando diariamente o Cristo do
Amor, da Abnegação, da Justiça, da Misericórdia.
Estejamos alertas, ó
queridos irmãos! Podemos fazer presentes de boas festas durante o ano todo,
tomando nós mesmos tantas assinaturas dos nossos órgãos quanto forem precisas
começando pela nossa casa: há muitos irmãos espíritas eu não... não conhecem as
delícias de uma boa leitura! Consideremos que, onde não conseguimos penetrar,
ali poderá lograr ingresso um exemplar dos órgãos de imprensa que instrui, que
esclarece, que desperta a consciência. Parodiando Blanchard, digamos por nossa
vez: a leitura da imprensa espírita enriquece a memória, embeleza a imaginação,
retifica o juízo, forma o gosto, ensina a raciocinar, enleva a alma e inspira
novos sentimentos que, na prática, norteiam o homem na estrada de seus
destinos.
Perdoai-me pela
impertinência. Falo o que sinto. A experiência e a observação não me induzem
senão a desejar vos o que desejo para mim. Vós e eu exercemos uma missão na
Terra, no rol de cujos deveres figura o de procurarmos implantar a paz no
coração de nosso próprio. Não cortejemos o qualificativo de negligentes ou
egoístas, nem demos lugar ao desânimo, ante os percalços que enchameiam no curso
diário de nossa presente existência. Quando esses obstáculos nos embaracem os
passos, olhemos pela visualidade da Fé, para o Monte das Oliveira, de cujo cimo
descerá aos nossos ouvidos o eco daquelas alvissareiras palavras: “Bem aventurados os pacificadores porque
serão chamados filhos de Deus. Bem aventurados os que sofrem perseguição por
causa da justiça, porque deles é o reino dos céus. Bem aventurados sereis vós,
quando vos injuriarem e perseguirem e, mentindo, falarem todo o mal contra vós
por minha causa. Exultai e alegrai-vos, porque grande é o vosso galardão nos
céus, porque assim perseguiram aos profetas que foram antes de vós.” (Mateus
5, 9-12)
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