Carta aberta a Ismael Gomes Braga
Souza do Prado
Reformador
(FEB) Novembro 1942
Meu
caro lsmael:
Vou devolver-te, separadamente, a carta do
AImerindo Martins de Castro, que me confiaste juntamente com as tuas palestras
radiofônicas: "Rendendo Graças" e "Compreender e amar", que
deste ao microfone da Rádio-Transmissora, e que eu não
tive
a ventura de ouvir, por ser hora de trabalho, para mim, aquela em que é feita a
irradiação da "Hora Espírita Radiofônica". Essa carta deves guardá-la
no teu arquivo, ao lado das melhores coisas que lá tenhas.
Neste mundo, uns por falta de cultura,
outros por falta de sinceridade, há muito quem diga bem de todas as
pachouchadas (dito tolo
ou impensado; asneira, tolice, palavra indecorosa e/ou chula; palavrão) que por ai
aparecem; de forma que os elogios da maior parte da gente não valem um chavo (adeus) galego, como se diz na minha terra.
Quando, porém, os elogios vêm de pessoas sinceras, como o Almerindo - que, para
não desgostar, podem não dizer mal do que é ruim, mas também não dirão bem,
porque só poderão dize-lo do que seja bom e que, como ele, possuem sólida
cultura, claro descortino das coisas, apurado senso crítico, e criteriosa
orientação doutrinária, honram a quem os recebe. Essa carta tem, pois, muito
valor. Corto a cabeça se ele for capaz de escrever coisas idênticas aos autores
de muitos livros, que, como tortulhos (cogumelos
em geral),
estão brotando, por aí, a cada momento ...
Quanto às tuas palestras: "Rendendo
graças" e "Compreender e amar", essas não poderão deixar de
ficar no meu arquivo, ao lado das melhores coisas que lá tenho.
*
Chegou, porém, a minha vez de escrever
alguma coisa. Certamente, o que eu possa escrever tem também algum valor, pela
absoluta sinceridade que sempre dita as minhas palavras. Só por isso.
Uma coisa te deve ter parecido estranha: é
que, tendo-me tu oferecida; já, uma porção de compêndios latinos dos melhores
autores - para eu poder relembrar o pouco que aprendi dessa língua – e outros
livros, incluindo as provas do teu principal
apostolado
na Terra - uma coleção de livros de Esperanto - eu não escrevi uma só palavra a
tal respeito. Tiveste, até, a ousadia de me escrever um insolentíssimo bilhete
em que dizias: - ‘Esperanto sem mestre’
não praticaria a impertinência de visitar a um cavalheiro que não teve tempo de
escrever uma linha sobre ‘Essência e
futuro da ideia de língua internacional’ pois não quer ser importuno
visitando a pessoas tão ocupadas, tão importantes,
ou tão convencidas," E, dois
dias depois, mediante um requerimento
meu, em versos de pé quebrado, mandaste o livro, acompanhado da coleção de
todos os
restantes. Peste! ...
No entanto, se me conhecesses bem o
temperamento e a psicologia, acharias o meu silêncio perfeitamente natural. Eu
não escrevo, como muitos, por passatempo, ou para encher linguiça. Isto é: não
sou literato. Assim, só costumo escrever para
ventilar
assuntos que me pareça necessário ventilar em benefício de nossos irmãos
sofredores e explorados. Fora isso, somente certas vibrações me podem obrigar a
escrever.
Eu vibro de duas formas: física e
psiquicamente. Fisicamente, o que em mim vibra são os nervos, quando leio ou
ouço alguma coisa que me parece um chorrilho de disparates; então, provocado
por essa vibração, não me sinto bem enquanto não espinafro o autor da obra.
Psiquicamente, vibra-me a alma, quando leio coisas muito boas e muito elevadas,
como as que tu costumas produzir; mas, então, não sinto vontade de escrever;
assim como tu fazes “quando um majestoso
quadro da natureza se apresenta aos teus olhos", também eu me recolho
ao meu íntimo, concentro-me o mais que posso, e oro ao Pai de infinita
misericórdia, rendendo-lhe graças por me ter permitido lê-las. Quando leio o
que tu escreves, sinto, como tu quando assistes aquele espetáculo, "que a minha alma emudece respeitosamente
diante do Criador, e o meu coração diz uma prece silenciosa, de olhos úmidos,
sem palavras, sem forma, porque toda a forma seria uma profanação". Em
suma: eu, que tenho a inferioridade de me julgar superior ante as parvices dos
néscios, sinto-me demasiado pequeno ante a tua elevação espiritual.
Não lisonjeio, bem o sabes; sou sincero. A
verdade é que tens produzido coisas incomparavelmente melhores que as que eu
tenho podido produzir, mas que fazem menos barulho. O que me pode salvar é que
eu faça barulho sinceramente convencido de que é necessário faze-lo para bem da
Humanidade; dessa mesma Humanidade a quem tu tens sacrificado tudo! Assim como
tu nasceste para a propaganda de doutrinas, elevadas porque Divinas, como o
Espiritismo e o Esperanto; eu vim cá para criticar erros alheios; e, imperfeito
como sou, descubro sempre o argueiro nos olhos dos outros, sem dar pela trave
que está atravessada na frente dos meus...
Ora,
como é natural, eu não desejava dizer-te nada disto. Os maus precisam que lhes
façam sentir a sua maldade; aos bons ninguém precisa de dizer nada; a
tranquilidade da consciência diz-lhes o bastante ...
E...
aqui tens: para te não tornares a queixar do meu silêncio, aprende a fazer, a
dizer e a escrever asneiras. Então, ter-me-ás sempre à perna...
Hás
de dizer, ou pensar, que eu escrevi uma longa carta ao Imbassahy, que também
não costuma escrever asneiras; mas, repara em que eu não lhe escrevi coisa
nenhuma; limitei-me a aproveitar a deixa para escrever ao Sr. Diretor do Ensino,
de
S.
Paulo, e a meia dúzia de outras pessoas, que, a meu ver, estavam precisando de
que eu lhes escrevesse.
E é só ...
Um
abraço muito afetuoso do teu
Souza
do Prado
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