Paradoxos
por Wantuil de Freitas
Reformador
(FEB) Junho 1943
O Espiritismo, que é a religião por ser o
próprio Cristianismo, visto que a sua doutrina trás o caráter de universalidade
deste último; que não pode deixar de ser, ao menos, pelos que se neguem a
considerá-lo assim, uma religião como as demais, diferindo destas unicamente
pela sua extrema simplicidade, idêntica à do
Cristianismo
inicial, simplicidade que exclui a existência de cerimônias cultuais em seu
seio e de liturgias tomadas ao paganismo e ao judaísmo, ensina que, em geral,
as enfermidades que atormentam as criaturas humanas são oriundas de males com sede
no espírito e que tanto essas enfermidades, como as que entre elas não se classificam,
podem servir de meio, e servem muitas vezes, para a ação de espíritos atrasados
e, por
isso, malfazejos, os quais lhes intensificam a gravidade, tornando-as dolorosíssimas,
ou dificultando-lhes a cura.
Em qualquer religião, esse ensino é mais ou
menos dogmático, como o é o do "diabolismo", a que ele se acha
intimamente ligado, e, como dogmático, é escudado pelas leis humanas, cuidadosas
sempre em recomendar o maior respeito para com as religiões, sobretudo para com
aquelas que estabelecem relações estreitas com os
poderes
temporais.
De outro lado, depois de provar, pela elucidação
completa dos textos evangélicos, que, com referência às enfermidades humanas, o
mesmo ensinou e exemplificou Jesus, curando, quase, ininterruptamente, durante
a sua breve passagem pela Terra, toda sorte de doentes só com o lhes impor as
mãos, isto é, transmitindo-lhes o fluido magnético que Ele manejava com poder supremo,
conforme depois fizeram seus apóstolos e discípulos, o Espiritismo aconselha e
ensina, demonstrando o fundamento do seu ensino, que aqueles a quem Deus
outorgou o dom de serem verdadeiros reservatórios de magnetismo humano e, como
tais, veículos apropriados ao magnetismo espiritual, portanto médiuns, também
transmitam o fluido magnético, que os Espíritos do Senhor lhes forneçam, aos
que dele necessitarem.
Vê-se, pois, que a cura pela imposição das mãos,
hoje dita pela aplicação de passes, ou, seja, a cura pela transmissão do fluido
ou agente magnético, faz parte integrante do Cristianismo, ou, por outra, da
prática da caridade conforme a preceitua o Cristianismo do Cristo, desde a sua
instituição, prática de que posteriormente se valeram, com êxito completo, vários
dos chamados "santos". Se presentemente ela se mostra inócua, quando
utilizada pelos que se dizem sucessores desses "santos", que mais não
foram do que verdadeiros cristãos, o fato somente se pode atribuir a que
semelhante dom não
é concedido para satisfação de interesses quaisquer de grupos religiosos, mas,
indistintamente, a todos quantos, segundo as vistas do Senhor, forem capazes de
o receber e aplicar sem nenhum interesse, exclusivamente por amor ao próximo.
Ora, assim sendo, não se pode considerar justo,
nem admissível que, pela circunstância de se verem hoje privados do dom divino
de que falamos, o qual, aliás, eles já possuíram e não souberam cultivar e
conservar, os componentes de alguns grupos religiosos se lancem, por despeito,
a incitar os homens, ainda, em sua maioria, ignorantes destas coisas, a
combater e perseguir os que atualmente possuem e dão bom uso à faculdade que
lhes foi retirada a eles e que hoje, entre eles, só se manifesta num ou noutro
dos mais humildes, o que concorre para aumentar a perturbação de seus chefes hierárquicas,
por lhes contravir às ambições.
Considerado do ponto de vista meramente humano,
o passe pode ser equiparado a um ato de culto religioso, como a aspersão com água
benta, a aposição dos "santos óleos" e outros, que as leis humanas
consideram dignos de todo o acatamento, havendo, apenas, entre o primeiro e os
demais, a diferença de que aquele é ministrado sem remuneração de nenhuma espécie,
sem qualquer pagamento ou retribuição material a quem
o aplica, porque esse obedece tão só ao preceito do Cristo - dai de graça o que
de graça
recebestes, o que não acontece com relação aos demais.
Estas considerações nos vêm à mente através
da leitura da brilhante promoção judiciaria firmada pelo Dr. Alcides Gentil,
publicada no "Diário da Justiça" e transcrita no Reformador de maio último. Nesse documento, o eminente Promotor,
luminar do Direito, depois de comparar as práticas do Espiritismo com as de
outras religiões, assim conclui:
"Atender
a fiéis, sem o intuito de remuneração, equivale, sem dúvida, a dar uma assistência
espiritual muito mais generosa do que aquele que cobra, a dinheiro de contado,
a missa, o batismo, ou a encomendação dos mortos. Trata-se de ato ligado a determinada
crença. Não há, portanto, nestes autos, crime nenhum que punir.”
Diante do que se observa aqui, ali, acolá; diante
das interpretações várias que se dão aos textos legais; diante dos fatos e dos
termos categóricos da Constituição Brasileira, parecem-nos paradoxais todas as
medidas que visem proibir aos espiritas, aos profitentes do Espiritismo, a
observância de um dos pontos capitais do Cristianismo, que aquele veio
restaurar na sua pureza. Tais medidas só seriam comparáveis, se tentadas, às
que outrora se empregaram contra o mesmo Cristianismo, na esperança de o
poderem sepultar ainda no nascedouro, mas que não o impediram de, embora deformado
e fraudado, fazer progredir a humanidade durante vinte séculos.
Sob a sua égide ela continuará a progredir a
evolver. Confiemos, pois, em que a evolução, dará aos homens a compreensão da
Verdade e o sentimento da única felicidade com que devem e podem contar e,
confiantes, não cessemos de orar para que não tarde o dia em que o Cristo efetivamente
reine em todos os corações.
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