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domingo, 11 de fevereiro de 2018

Tolerância e Intolerância



Intolerância e tolerância
por Lino Teles (Ismael Gomes Braga)
Reformador (FEB) Junho 1943

Chega ao nosso conhecimento um caso expressivo de tolerância, a par da mais extrema intolerância. Vamos tentar resumi-lo em poucas palavras, para nossa meditação quanto ao perigo dos extremismos, sempre tendentes a cegueira da razão...

Relatou-no-lo uma dama de boa sociedade, de fina educação, de majestosa beleza, no vigor de seus cinquenta janeiros. Reduzamos a sua longa historia à parte que nos interessa.

Disse-nos ela:

"Sou casada há quase trinta anos e fui das mais felizes. União decorrente só do amor, encontrei no meu esposo todas as qualidades que eu idealizava: bondade espontânea e sem afetação, amor ao dever e ao lar, repartindo seu tempo entre o trabalho e a família. Foi sempre pai extremoso e marido fiel. Vivemos felizes e aumentamos sempre o nosso patrimônio. Nossas filhas são a nossa alegria, pela dedicação ao estudo, pela devoção religiosa, pela elevação de princípios. Nosso único filho é um jovem prudente e virtuoso, com pronunciada vocação para o sacerdócio e Deus fará dele um digno servidor da religião. Assim correu sempre minha vida, cheia de fé e de esperança, a despeito dos pequenos sofrimentos que tive com enfermidades dos filhos na primeira infância.

"Agora, porém, toda a minha felicidade se desmorona. Sou completamente infeliz, há quase um ano. Tive que me separar do meu marido por que ele abandonou a nossa fé e se tornou espiritista. Súplicas, rogos, lágrimas, nada conseguiu afasta-lo dessa fatalidade. Finalmente, conhecendo o imenso afeto que nos votava a mim e aos filhos, lancei-lhe um grande repto, que deveria vencê-lo. Exigi que optasse entre o Espiritismo e a família. Apesar de toda a minha fúria, ele sorriu tristemente e me respondeu sem se alterar: "Jamais abandonarei o Espiritismo e nunca amarei menos à minha família".

"Tive que cumprir a palavra e retirei-me com os filhos para esta pensão. Aqui estamos há três meses e só o vemos aos domingos, quando nos vem visitar. Não é mais meu esposo, é uma visita..."

- E quanto à vocação do jovem, não faz o pai oposição? perguntamos à pobre senhora que nos falava de olhos úmidos.

- "Não; e nisso mesmo me demonstra que está alterado, que já não tem claro o raciocínio. Disse-me textualmente: "Se é sincera, como parece, a vocação do rapaz, deixemo-lo seguir a vida sacerdotal; é um dos caminhos para servir a Deus e aos nossos irmãos em humanidade". Interrompi furiosa, diante dessa indiferença pela sorte de nosso filho: "És contraditório; se o Espiritismo, como dizes, é a restauração do Cristianismo, é a verdade em religião, como podes admitir que teu filho seja sacerdote de uma Igreja que já não consideras a legítima expressão do Cristianismo?" Com a indiferença de lunático, respondeu-me: "Sempre haverá tempo para ele receber as luzes do Espiritismo; uma existência a mais ou a menos na eternidade pouco significa; o caminho para ele, agora, parece mesmo ser o sacerdócio..."

"Como é triste tudo isso! Que tortura horrível!  Um lar feliz desfeito, uma família sem pai e com o pai vivo! E que pai! Um dos melhores e mais amorosos que se poderiam conceber..."

-  Interrompemos de novo: Então, seu esposo, ao que se nos afigura, é um homem de bem.

- "Diga antes, meu Senhor, é um santo; perdoa a tudo e a todos; não nos guardou o mínimo ressentimento, por havermos abandonado o lar, e emprega todos os esforços para nos tornar a vida aqui mais tolerável, cercando-nos de carinho, visitando-nos todas as semanas".

- E, com as suas novas crenças, deixa ela inteira liberdade religiosa às filhas? ousamos interrogar.

- "Sim; anima-nos em nossas práticas piedosas; não desaconselha as filhas que se confessem e até insiste com elas para que se confessem bem, melhorando de conduta após a confissão..."

- Minha Senhora, seu esposo é um modelo raro de tolerância religiosa. Dificilmente se encontra tanta elevação moral num pai de família. E a consciência de V. Ex. julgará se de sua parte existe tolerância.

Aí fica o diálogo, sem os coloridos vivos das interrupções lacrimosas, sem a sua vida própria que não sabemos reproduzir. Agora, nossas reflexões.

Quanta razão tinham os antigos romanos ao nos dizerem que a virtude está no meio termo (In medio consistit virtus) e nunca nos extremos! O excesso de zelo religioso, nessa mãe de família, tornou-se extremismo, sectarismo fanático, intolerância violenta. Pelas suas próprias mãos, destrói ela toda a sua felicidade e se projeta com os filhos num abismo de sofrimentos, num verdadeiro inferno, privando-se e a todos os seus filhos, em angustiosa tirania, de um lar feliz e da presença constante de um esposo e pai amado e digno de todo o respeito e afeição.

A religião de amor, o Cristianismo, que a todos os seres humanos abraça como filhos do mesmo Deus; o Cristianismo, que tudo perdoa e ama até aos inimigos; a religião daquele que amou e visitou até os publicanos e pecadores e na cruz do suplício, esquecido de si mesmo, implorava perdão para seus algozes; o Cristianismo, transformado em seita intolerante que desfaz um lar feliz! Que tristeza, meu Deus, a
a nossa incompreensão! Quão longe estamos do modelo que nos enviaste!
De tudo fazemos um extremismo, porque em tudo metemos o nosso doentio orgulho; o nosso egoísmo é tão estreito, que nos isola num mundo de sofrimentos; nossa vaidade é tão infantil que exige tudo para sacrificar em seu altar. As dádivas mais sublimes que o Céu nos envia para nossa salvação, para nossa felicidade, nós as
transformamos em bandeira de lutas dolorosas e estéreis. Seremos sempre assim, meu Deus, nunca nos corrigiremos, nunca aprenderemos a ser felizes, cultivando as virtudes que de toda a eternidade nos são ensinadas pelos Enviados do teu amor?

Não; não seremos sempre assim. A nossa intolerância terá fim, o nosso egoísmo será substituído pela compreensão de que só podemos ser felizes colaborando para a felicidade alheia.

Virá tempo em que aboliremos, como irreligião, todos os pormenores religiosos que nos afastem de nossos irmãos, gregos ou troianos, judeus ou samaritanos. E talvez não venha longe esse tempo, Por toda parte as vozes do Céu se fazem ouvir e repetem sempre o mesmo ensinamento: "amai, amai sempre, amai a todos, amai aos vossos inimigos, porque pelo amor e pelo sacrifício é que chegareis com mais segurança ao Reino de Deus, à felicidade perfeita e inalterável, do que por todas as formas de culto externo".

Essas tristes reminiscências do paganismo, dos deuses ciumentos e ferozes, ainda existem no vigésimo século do Cristianismo e promovem a intolerância nos espíritos mais violentos; é dura verdade; mas, rara já se vai tornando essa intolerância barbara. Os deuses falsos e mentirosos vão sendo substituídos nos corações pelo Deus único, pai e criador de todos os seres, que nos foi revelado por Jesus. Esse Deus imenso, que palpita em toda a criação e anima todos os seres, não conhece as nossas divisões em seitas e partidos ridículos e infantis.

Tudo marcha para a unidade. Nossa ciência materialista já é uniforme no planeta todo. Nossa técnica industrial já se padroniza por toda parte. Nossos meios de comunicações já são os mesmos em toda a superfície do globo. Nossa civilização materialista ruma para o universalismo em futuro próximo. Porque então, só nos domínios superiores do pensamento não rumamos todos para a unidade divina? Porque nos apartamos em seitas que não se compreendem e se hostilizam, se no fundo de todas elas, despida a roupagem das formas, a verdade revelada é sempre a mesma?

O espírito de seita desaparecerá também. Grande passo já vai sendo dado pelas comunicações dos Espíritos superiores, recebidas em todas as línguas e em todos os pontos do planeta, dentro e fora das sociedades espíritas, nos meios mais cultos, como nos mais obscuros.

O Monoteísmo será uma realidade viva no futuro e ninguém mais poderá crer nas histórias tristes como essa que relatamos acima. Hão de supor que mentimos ou fantasiamos. Que assim seja muito em breve! 

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