Intolerância e tolerância
por Lino Teles (Ismael Gomes Braga)
Reformador
(FEB) Junho 1943
Chega ao nosso conhecimento um caso
expressivo de tolerância, a par da mais extrema intolerância. Vamos tentar
resumi-lo em poucas palavras, para nossa meditação quanto ao perigo dos
extremismos, sempre tendentes a cegueira da razão...
Relatou-no-lo uma dama de boa sociedade, de
fina educação, de majestosa beleza, no vigor de seus cinquenta janeiros.
Reduzamos a sua longa historia à parte que nos interessa.
Disse-nos
ela:
"Sou casada há quase trinta anos e fui
das mais felizes. União decorrente só do amor, encontrei no meu esposo todas as
qualidades que eu idealizava: bondade espontânea e sem afetação, amor ao dever
e ao lar, repartindo seu tempo entre o trabalho e a família. Foi sempre pai
extremoso e marido fiel. Vivemos felizes e aumentamos sempre o nosso patrimônio.
Nossas filhas são a nossa alegria, pela dedicação ao estudo, pela devoção
religiosa, pela elevação de princípios. Nosso único filho é um jovem prudente e
virtuoso, com pronunciada vocação para o sacerdócio e Deus fará dele um digno servidor
da religião. Assim correu sempre minha vida, cheia de fé e de esperança, a despeito
dos pequenos sofrimentos que tive com enfermidades dos filhos na primeira infância.
"Agora, porém, toda a minha felicidade
se desmorona. Sou completamente infeliz, há quase um ano. Tive que me separar
do meu marido por que ele abandonou a nossa fé e se tornou espiritista. Súplicas,
rogos, lágrimas, nada conseguiu afasta-lo dessa fatalidade. Finalmente, conhecendo
o imenso afeto que nos votava a mim e aos filhos, lancei-lhe um grande repto, que
deveria vencê-lo. Exigi que optasse entre o Espiritismo e a família. Apesar de
toda a minha fúria, ele sorriu tristemente e me respondeu sem se alterar:
"Jamais abandonarei o Espiritismo e nunca amarei menos à minha família".
"Tive que cumprir a palavra e
retirei-me com os filhos para esta pensão. Aqui estamos há três meses e só o
vemos aos domingos, quando nos vem visitar. Não é mais meu esposo, é uma visita..."
- E quanto à vocação do jovem, não faz o
pai oposição? perguntamos à pobre senhora que nos falava de olhos úmidos.
- "Não; e nisso mesmo me demonstra que
está alterado, que já não tem claro o raciocínio. Disse-me textualmente:
"Se é sincera, como parece, a vocação do rapaz, deixemo-lo seguir a vida
sacerdotal; é um dos caminhos para servir a Deus e aos nossos irmãos em
humanidade". Interrompi furiosa, diante dessa indiferença pela sorte de
nosso filho: "És contraditório; se o Espiritismo, como dizes, é a
restauração do Cristianismo, é a verdade em religião, como podes admitir que
teu filho seja sacerdote de uma Igreja que já não consideras a legítima expressão
do Cristianismo?" Com a indiferença de lunático, respondeu-me:
"Sempre haverá tempo para ele receber as luzes do Espiritismo; uma existência
a mais ou a menos na eternidade pouco significa; o caminho para ele, agora, parece
mesmo ser o sacerdócio..."
"Como é triste tudo isso! Que tortura
horrível! Um lar feliz desfeito, uma
família sem pai e com o pai vivo! E que pai! Um dos melhores e mais amorosos
que se poderiam conceber..."
- Interrompemos de novo: Então, seu esposo, ao
que se nos afigura, é um homem de bem.
- "Diga antes, meu Senhor, é um santo;
perdoa a tudo e a todos; não nos guardou o mínimo
ressentimento, por havermos abandonado o lar, e emprega todos os esforços para
nos tornar a vida aqui mais tolerável, cercando-nos de carinho, visitando-nos
todas as semanas".
- E, com as suas novas crenças, deixa ela inteira
liberdade religiosa às filhas? ousamos interrogar.
- "Sim; anima-nos em nossas práticas
piedosas; não desaconselha as filhas que se confessem e até insiste com elas
para que se confessem bem, melhorando de conduta após a confissão..."
- Minha Senhora, seu esposo é um modelo raro
de tolerância religiosa. Dificilmente se encontra tanta elevação moral num pai
de família. E a consciência de V. Ex. julgará se de sua parte existe tolerância.
Aí fica o diálogo, sem os coloridos vivos
das interrupções lacrimosas, sem a sua vida própria que não sabemos reproduzir.
Agora, nossas reflexões.
Quanta razão tinham os antigos romanos ao
nos dizerem que a virtude está no meio termo (In medio consistit virtus) e nunca nos
extremos! O excesso de zelo religioso, nessa mãe de família, tornou-se extremismo,
sectarismo fanático, intolerância violenta. Pelas suas próprias mãos, destrói
ela toda a sua felicidade e se projeta com os filhos num abismo de sofrimentos,
num verdadeiro inferno, privando-se e a todos os seus filhos, em angustiosa
tirania, de um lar feliz e da presença constante de um esposo e pai amado e
digno de todo o respeito e afeição.
A religião de amor, o Cristianismo, que a todos
os seres humanos abraça como filhos do mesmo Deus; o Cristianismo, que tudo
perdoa e ama até aos inimigos; a religião daquele que amou e visitou até os
publicanos e pecadores e na cruz do suplício, esquecido de si mesmo, implorava
perdão para seus algozes; o Cristianismo, transformado em seita intolerante que
desfaz um lar feliz! Que tristeza, meu Deus, a
a
nossa incompreensão! Quão longe estamos do modelo que nos enviaste!
De tudo fazemos um extremismo, porque em tudo
metemos o nosso doentio orgulho; o nosso egoísmo é tão estreito, que nos isola
num mundo de sofrimentos; nossa vaidade é tão infantil que exige tudo para
sacrificar em seu altar. As dádivas mais sublimes que o Céu nos envia para nossa
salvação, para nossa felicidade, nós as
transformamos
em bandeira de lutas dolorosas e estéreis. Seremos sempre assim, meu Deus, nunca
nos corrigiremos, nunca aprenderemos a ser felizes, cultivando as virtudes que
de toda a eternidade nos são ensinadas pelos Enviados do teu amor?
Não; não seremos sempre assim. A nossa intolerância
terá fim, o nosso egoísmo será substituído pela compreensão de que só podemos
ser felizes colaborando para a felicidade alheia.
Virá tempo em que aboliremos, como irreligião,
todos os pormenores religiosos que nos afastem de nossos irmãos, gregos ou troianos,
judeus ou samaritanos. E talvez não venha longe esse tempo, Por toda parte as vozes
do Céu se fazem ouvir e repetem sempre o mesmo ensinamento: "amai, amai
sempre, amai a todos, amai aos vossos inimigos, porque pelo amor e pelo sacrifício
é que chegareis com mais segurança ao Reino de Deus, à felicidade perfeita e inalterável,
do que por todas as formas de culto externo".
Essas tristes reminiscências do paganismo, dos
deuses ciumentos e ferozes, ainda existem no vigésimo século do Cristianismo e
promovem a intolerância nos espíritos mais violentos; é dura verdade; mas, rara
já se vai tornando essa intolerância barbara. Os deuses falsos e mentirosos vão
sendo substituídos nos corações pelo Deus único, pai e criador de todos os
seres, que nos foi revelado por Jesus. Esse Deus imenso, que palpita em toda a
criação e anima todos os seres, não conhece as nossas divisões em seitas e
partidos ridículos e infantis.
Tudo marcha para a unidade. Nossa ciência materialista
já é uniforme no planeta todo. Nossa técnica industrial já se padroniza por toda
parte. Nossos meios de comunicações já são os mesmos em toda a superfície do
globo. Nossa civilização materialista ruma para o universalismo em futuro próximo.
Porque então, só nos domínios superiores do pensamento não rumamos todos para a
unidade divina? Porque nos apartamos em seitas que não se compreendem e se
hostilizam, se no fundo de todas elas,
despida a roupagem das formas, a verdade revelada é sempre a mesma?
O espírito de seita desaparecerá também. Grande
passo já vai sendo dado pelas comunicações dos Espíritos superiores, recebidas em
todas as línguas e em todos os pontos do planeta, dentro e fora das sociedades
espíritas, nos meios mais cultos, como nos mais obscuros.
O Monoteísmo será uma realidade viva no futuro
e ninguém mais poderá crer nas histórias tristes como essa que relatamos acima.
Hão de supor que mentimos ou fantasiamos. Que assim seja muito em breve!
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