sábado, 3 de fevereiro de 2018

Carta aberta ao Dr. Ismael Gomes Braga


Carta aberta a Ismael Gomes Braga
Souza do Prado
Reformador (FEB) Novembro 1942

Meu caro lsmael:

Vou devolver-te, separadamente, a carta do AImerindo Martins de Castro, que me confiaste juntamente com as tuas palestras radiofônicas: "Rendendo Graças" e "Compreender e amar", que deste ao microfone da Rádio-Transmissora, e que eu não
tive a ventura de ouvir, por ser hora de trabalho, para mim, aquela em que é feita a irradiação da "Hora Espírita Radiofônica". Essa carta deves guardá-la no teu arquivo, ao lado das melhores coisas que lá tenhas.

Neste mundo, uns por falta de cultura, outros por falta de sinceridade, há muito quem diga bem de todas as pachouchadas (dito tolo ou impensado; asneira, tolice, palavra indecorosa e/ou chula; palavrão) que por ai aparecem; de forma que os elogios da maior parte da gente não valem um chavo (adeus) galego, como se diz na minha terra. Quando, porém, os elogios vêm de pessoas sinceras, como o Almerindo - que, para não desgostar, podem não dizer mal do que é ruim, mas também não dirão bem, porque só poderão dize-lo do que seja bom e que, como ele, possuem sólida cultura, claro descortino das coisas, apurado senso crítico, e criteriosa orientação doutrinária, honram a quem os recebe. Essa carta tem, pois, muito valor. Corto a cabeça se ele for capaz de escrever coisas idênticas aos autores de muitos livros, que, como tortulhos (cogumelos em geral), estão brotando, por aí, a cada momento ...

Quanto às tuas palestras: "Rendendo graças" e "Compreender e amar", essas não poderão deixar de ficar no meu arquivo, ao lado das melhores coisas que lá tenho.

*

Chegou, porém, a minha vez de escrever alguma coisa. Certamente, o que eu possa escrever tem também algum valor, pela absoluta sinceridade que sempre dita as minhas palavras. Só por isso.

Uma coisa te deve ter parecido estranha: é que, tendo-me tu oferecida; já, uma porção de compêndios latinos dos melhores autores - para eu poder relembrar o pouco que aprendi dessa língua – e outros livros, incluindo as provas do teu principal
apostolado na Terra - uma coleção de livros de Esperanto - eu não escrevi uma só palavra a tal respeito. Tiveste, até, a ousadia de me escrever um insolentíssimo bilhete em que dizias: - ‘Esperanto sem mestre’ não praticaria a impertinência de visitar a um cavalheiro que não teve tempo de escrever uma linha sobre ‘Essência e futuro da ideia de língua internacional’ pois não quer ser importuno visitando a pessoas tão ocupadas, tão importantes, ou tão convencidas," E, dois dias depois, mediante um requerimento meu, em versos de pé quebrado, mandaste o livro, acompanhado da coleção de todos os restantes. Peste! ...

No entanto, se me conhecesses bem o temperamento e a psicologia, acharias o meu silêncio perfeitamente natural. Eu não escrevo, como muitos, por passatempo, ou para encher linguiça. Isto é: não sou literato. Assim, só costumo escrever para
ventilar assuntos que me pareça necessário ventilar em benefício de nossos irmãos sofredores e explorados. Fora isso, somente certas vibrações me podem obrigar a escrever.

Eu vibro de duas formas: física e psiquicamente. Fisicamente, o que em mim vibra são os nervos, quando leio ou ouço alguma coisa que me parece um chorrilho de disparates; então, provocado por essa vibração, não me sinto bem enquanto não espinafro o autor da obra. Psiquicamente, vibra-me a alma, quando leio coisas muito boas e muito elevadas, como as que tu costumas produzir; mas, então, não sinto vontade de escrever; assim como tu fazes “quando um majestoso quadro da natureza se apresenta aos teus olhos", também eu me recolho ao meu íntimo, concentro-me o mais que posso, e oro ao Pai de infinita misericórdia, rendendo-lhe graças por me ter permitido lê-las. Quando leio o que tu escreves, sinto, como tu quando assistes aquele espetáculo, "que a minha alma emudece respeitosamente diante do Criador, e o meu coração diz uma prece silenciosa, de olhos úmidos, sem palavras, sem forma, porque toda a forma seria uma profanação". Em suma: eu, que tenho a inferioridade de me julgar superior ante as parvices dos néscios, sinto-me demasiado pequeno ante a tua elevação espiritual.

Não lisonjeio, bem o sabes; sou sincero. A verdade é que tens produzido coisas incomparavelmente melhores que as que eu tenho podido produzir, mas que fazem menos barulho. O que me pode salvar é que eu faça barulho sinceramente convencido de que é necessário faze-lo para bem da Humanidade; dessa mesma Humanidade a quem tu tens sacrificado tudo! Assim como tu nasceste para a propaganda de doutrinas, elevadas porque Divinas, como o Espiritismo e o Esperanto; eu vim cá para criticar erros alheios; e, imperfeito como sou, descubro sempre o argueiro nos olhos dos outros, sem dar pela trave que está atravessada na frente dos meus...

         Ora, como é natural, eu não desejava dizer-te nada disto. Os maus precisam que lhes façam sentir a sua maldade; aos bons ninguém precisa de dizer nada; a tranquilidade da consciência diz-lhes o bastante ...

         E... aqui tens: para te não tornares a queixar do meu silêncio, aprende a fazer, a dizer e a escrever asneiras. Então, ter-me-ás sempre à perna...

       Hás de dizer, ou pensar, que eu escrevi uma longa carta ao Imbassahy, que também não costuma escrever asneiras; mas, repara em que eu não lhe escrevi coisa nenhuma; limitei-me a aproveitar a deixa para escrever ao Sr. Diretor do Ensino, de
S. Paulo, e a meia dúzia de outras pessoas, que, a meu ver, estavam precisando de que eu lhes escrevesse.

        E é só ...

        Um abraço muito afetuoso do teu

       Souza do Prado


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